domingo, 24 de fevereiro de 2019

a poesia da dor

se for pra doer, que doa bonito, e quer saber, a dor é meu chão. o atalho pra grandes paixões? uma boa dose de dor a dois. quando me apaixonei pela última vez, foi pelo banquete de dor. no primeiro encontro, as primeiras dores compartilhadas, o drama rasgando a pele, a veia dele correndo na minha, a dor me curando da falta de dor. achei bonito o jeito dele de doer. (e só pra não banalizar: é raro uma dor bonita). não fosse a pele, meus órgãos saltariam o corpo, mas a pele os guarda, a pele os reprime e comprime. não sei como minha pele não se fez fenda. as vezes sonho em ser erupção, pra tirar essa larva vulcânica do peito. meu pulmão cresceu desajustado, não cabendo dentro de mim. defeito? respirar sempre me exigiu mais que o funcionamento normal do meu corpo. é, sempre precisei de mais ar que a vida me ofereceu. a premente falta de ar me obrigou a cultivar refúgios, e construir redomas pra me salvar desse sufoco. meu tórax grita por espaço, e assume sua total falta de correspondência com a realidade. verdade é que aqui dentro jaz um mundo bem diferente do lá de fora. aqui dentro dói bonito, dói fantasiosamente, dói em tom de melancolia, poeticamente. agora, e só agora eu admito meu pecado. eu sei que eu venho tentando tirar a dor dos outros, e a minha, sem reconhecer a ferida como composição do fôlego, como sustento diário do sopro. perdão. a dor podia ser seu único ninho, e eu desfiz sua proteção. desculpe por te privar de sua dor em formato de abrigo.

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2019

é bonito, é.

é bonito porque em dias de chuva o café tem outro sabor, e dá vontade de traduzir meu mundo inteiro em cartas. é bonito porque a chuva compõe as melhores letras: você é meu oposto, e eu não te vejo no meu espelho. eu nem tento te copiar. inclusive, apontei o lápis e desenhei um caminho em direção contrária a sua. porém, neste mesmo caminho, desenhei sua mão na minha, logo após a trombada das setas. acho que será assim. um des{encontro}. eu tentando voar, e você me puxando pelos pés. eu voarei, mas você me alcançará. as vezes não. vez ou outra guardarei as asas, voltarei ao ninho pra respirar (você). e se eu não te encontrar: queda! ainda assim será bonito porque depois da onda vem o cais, e a vida parece seguir feito um balanço. é bonito porque toda tarde de chuva traz em si seu cobertor. tem feito frio lá fora, mas aqui dentro faz amor. é bonito porque eu não perco essa mania de achar que é bonito.

milhas e milhas distantes

um descuido e percorri milhas e milhas distantes do chão. parei na adolescência, quando os dias aconteciam no meu querido diário. talvez quase nada do que escrevi seja um componente da realidade (pelo menos não dos outros). cresci com essa mania de inventar. era doído ter que abrir os olhos. eu tentava morar lá, mas incontáveis vezes ao dia eu tinha que descer, e aí já não dava pé. voltar nesses castelos feitos de areia me levou ao auge, e em questão de minuto se fez ressaca por ir tão longe e ter que mais uma vez regressar. de tudo, fiquei é em dúvida se houve um dia que eu tenha saído de lá.

sábado, 2 de fevereiro de 2019

diariamente o dilema de amar e de odiar o mundo. diariamente concluindo o amor como único caminho possível. em or{ação} peço que pra viver não seja preciso fechar os olhos.

(sem título)

a lua que se diz nascente antecipa contornos de sua completude, e toda lua cheia se revela provisória. as flores traduzem jardins, mas não desabrocham sem raízes. belezas externas brotam é debaixo da terra. as noites pedem arrego, postes iluminam a falta de luz. é difícil conviver com a escuridão. confunde-se com cegueira. o medo se noticia preventivo, mas é pura crueldade dos tempos.

um respiro, em forma de lamento

resist(ir): enfrentamento, tolerância ou recusa? adianto: naufragar não é uma opção. remar contra a maré pode figurar certa imobilidade, mas viver pede direção, e nem sempre os rumos são favoráveis. a apatia adoece. convi(ver) com o caos inertemente não alivia o mal-estar, apenas cria redomas fantasiosas. desligar a televisão ajuda a enxergar a realidade a olho nu. depois que se cruza a fronteira da ignorância o desgaste é inevitável. eu não acredito na guerra, porém a paz não é um caminho natural. muitos dirão que seu roteiro de luta é um desvio, e usarão do poder pra remover sua força. inibirão suas armas (não letais), mas acontece que o redemoinho interior novamente te deslocará para o campo de batalha. não sei como nomear a divisão que se travou, pois vejo aspirações comuns em uma roupagem de rivalidade. por outro lado, o antagonismo é inegável, ainda que eu acredite estarmos no mesmo planeta, e possuirmos essencialmente as mesmas necessidades. por vezes desconfio que eu esteja no lugar errado, e que seja um engano minha existência. então, recupero o fôlego. quanto maior a profundidade do abismo, maior a extensão do vôo. e isso não é uma simples metáfora. é experiência de vida acumulada nos meus trinta e poucos anos. é verdade que depois de alguns duelos algumas dores se corporificam, dificultam a passagem do ar, e perturbam justamente o sono, quando se poderia descansar os olhos. o corpo vai colecionando marcas, produzindo sentidos, e se defendendo como pode. intervalos são urgentes e acolhedores. a gente precisa se abraçar de tempos em tempos. quisera eu me salvar do desconforto em mergulhos permanentes nas águas socorristas dos meus pulmões. mas não. esconderijos ou fugas escancaram mais morte do que vida. e viver dói. não há curva nessa conclusão. é devastador perceber tamanha oposição declarada. há cegueira em ambos os lados? quais trajetórias conduzem à esquerda ou à direita? por agora, sofro de ansiedade por temer um futuro que não poderei evitar. contudo, sigo com minha lucidez, edificada em meu percurso, na certeza de que toda escuridão guarda em si uma brecha de luz. olharei muito pra trás, reverenciando conquistas, todavia não abandonarei os remos, apesar das tempestades. por sorte, não estarei só!

poesia: minha única posse

depois de um tempo (muito tempo) passei a preferir nomes comuns: Maria, acompanhada de mais alguém, ou de uma Flor, e João, que por si só já basta, tornaram-se meus prediletos. a ornamentação saiu de moda (só por aqui), comecei a decorar minha casa com palavras na parede. é... agora tenho um lar poético. ainda não consegui a casa dos meus sonhos: sem teto, de vidro, em alto-mar, porém visito moradas alheias como se fossem minhas. tudo que eu acho bonito se torna meu, e isso não tem nada a ver com posse. aliás, o que eu verdadeiramente tenho é somente a poesia, e mesma esta, nem sempre. em tempos de miudezas, aceitei-me pequena, e não tão de repente assim, percebi-me oceano, gota, oceano.

verbos de agora em diante

percorrer linha por linha de suas páginas sem pauta. inventar um traço pra cada dia. ultrapassar a margem. encarar a fronteira imaginária. interromper o destino, pisar na areia e escolher a nota musical. te tirar pra dançar, em um descom(passo). entortar seu corpo e costura-lo em mim (só por hoje, e amanhã, e depois - prometo). fitar seus olhos como se fossem alto-mar. rimar o desencontro. colocar palavras na dor. descorporificar. seduzir com a nudez (da mente). te deixar cavar meus espaços antes inabitados. povoar meus vazios. escalar suas janelas. decorar suas frestas. nadar no seu poço. festejar toda vez que a lua aparecer {cheia} de charme. contar estrelas. desvendar nuvens. remar seu barco, seguir sem âncoras. eis meu convite de agora em diante.

70 anos e sonhando...

 sonhos, os seus, não envelhecem. não porque sejam eternos - mas porque são renováveis, e mudam de cor.  sonhando desde sempre, você não foi...