segunda-feira, 30 de maio de 2011

mania de planos

beijo pressupõe futuro? namoro pressupõe amanhã? não seriam os dias depois de hoje uma mera consequência? as pessoas não são projetos nossos, não são desenhos com espaços em branco pra se colorir os detalhes escolhidos, pessoas nos chegam prontas, não acabadas, mas nos chegam com um contorno. de quê serve essa mania de projetar nos outros desejos que são nossos? assim não há outros, mas um prolongamento de si mesmo, com infinitos espelhos refletindo outros desfocados.

sábado, 28 de maio de 2011

mãos miúdas

e quando eu te abraço por mais que eu me estique inteira não há corpo que envolva por completo o seu, minhas mãos se tornam miúdas entre tantos camminhos de pele, até meus olhos se perdem entre ângulos que deixam escapar detalhes, você é imenso, não há palavra que te caiba, não há vida que te sacie.

sexta-feira, 20 de maio de 2011

livros de mim mesma

se me possível fosse morar em uma biblioteca eu passaria a maior parte do meu tempo debruçada nas literaturas dos outros, alguns anos eu reservaria pra Clarice Lispector, lendo, relendo, ao ponto de me fazer personagem das estrelas que ela desenhou em certa hora, se me possível fosse morar entre os andares povoados de histórias eu visitaria nos fins de semana a vizinhança que me é desconhecida, abriria a porta de um livro e pediria intimidade, por vezes iria longe, nos lugares que meus pés não alcançariam de imediato, outras vezes olharia pro lado, para coisas parecidas com as minhas, tão diferentes das minhas, iria caminhar muito entre as tantas palavras de outrora, faria minha pele ler também, arrepiando-se, e quando já não houvesse capas intocadas eu me poria a ler novamente as letras estáticas que acabam se transformando nas folhas, e pra morrer, pra aliviar toda a incompreensão da vida que se segue eu fecharia meus olhos na doçura de Fernando Pessoa, pra assim poder morrer poeticamente...

terça-feira, 17 de maio de 2011

eu que não pertenço a mim mesma

o que eu olho, me olha no mesmo instante, o meu olhar não é meu, é coletivo, social, construído, assim que olho nos olhos dele e me vejo refletida em sua pupila eu me transformo, modifico o meu olhar, que se torna nosso, conjunto, plural, no mínimo dois, assim não há como chamar nada de meu, não há como me separar de tudo aquilo que me envolve, mais difícil ainda é encontrar nisso tudo aquilo que sou eu de fato, aquilo que eu seria se nada disso me contornasse, por isso fico tentando descobrir se há em cada um de nós algo que nos pertença realmente, algo que nos seja inerente, tal qual a natureza da pele, pode ser, mas dia após dia eu me convenço mais da nossa completa alienação de nós mesmos.

segunda-feira, 16 de maio de 2011

espelhos no céu

será que no céu existem espelhos? fiquei pensando se em alguma das tantas madrugadas, a lua, toda cheia de si, pôde se ver refletida. talvez nas noites de luar, quando o mar se coloca a navegar, deixando a sombra da lua tocar o sal das águas. mas ao mesmo tempo me perguntei se em meio a toda aquela luz seria necessário duplicar a si mesma pra constatar tamanha beleza. acho que na verdade beleza se espalha e um espelho não é capaz de absorver se quer metade dela...

domingo, 15 de maio de 2011

boa tarde Faustão!

moravam quatro pessoas no apartamento que tinha cinco televisões, acho que por ali a tela falava mais que as pessoas, o silêncio era de tal forma desconfortável que ligar a tv aliviava a falta de assunto entre aqueles que ali moravam, e quando estas pessoas conversavam era porque a tv com elas comunicava. eu só queria que essas pessoas soubessem que a tv é miniatura do mundo.

notícias particulares

quando o mundo se globalizou eu quis voltar pra roça da minha avó, num lugar sem cep e sem luz. achei excessiva aquela quantidade de linhas informando os feitos das esquinas desenhadas no mapa. rasguei os pedaços de jornal e desliguei a tv. era suficiente dar conta dos corredores que eu podia ver. não fazia sentido saber das coisas do lado de lá, estas coisas me afastavam do vizinho da porta da frente, que eu conhecia menos que o povo de um país distante. comecei então a saber mais da vida que ali acontecia, preferia meus pés mergulhados na realidade a um amontoado de informação colorindo a tela da tv. não queria saber falar da política norte americana, mas me importava muito saber dos sonhos de alguém. inclusive ontem encontrei pela praça um vendedor de poesia que vivia em torno do próprio círculo. Aurélio sabia das necessidades que lhe pertenciam, das necessidades que os separavam da eternidade, Aurélio se disse desmaterializado, possuidor de seu corpo, e principalmente de sua mente, a qual ele não aceitava colocar na prateleira de uma loja a troco de fatias de dinheiro. realmente, os cifrões nos distanciam daquilo que nos contém, compramos objetos que pensamos precisar, mal sabemos nós que nosso corpo tem fome, mas é fome de alma.

não posso fechar os olhos

enrolada entre os fios dos seus poros eu me costurava em dois, tentava atar um nó suficiente pra todo o sempre, não importava se amanhã já fosse passado, os planos foram ficando pra depois, pra um dia que talvez nunca chegaria, importante era aquele agora juntando nossos retalhos de outrora, vestia-me de você, a minha nudez encontrava a sua e era inevitável a nossa fusão, evitava perder seus olhos encontrando os meus sem hora marcada, nos nossos tantos acasos, perfumava-me inteira do seu sabor, percorria o caminho do seu desejo até alcançar o gozo, pedia pra não amanhecer, pra noite caber no nosso tempo, mas já não nos era possível esconder o sol, ele escandalizava a despedida, o início da nossa saudade.

conclusões

1 - amor pode doer.

2 - as crianças amam mais.

3 - o amor é uma escolha.

quinta-feira, 12 de maio de 2011

noite de lua

era madrugada e ao abrir a janela do quarto Pedro achou estranho aquele pedaço de lua encostando nos seus olhos. subiu na ponta crescente que o cutucava e decidiu esperar ali até que a lua se enchesse dela mesma. viu então uma estrela fazendo convites pra chegar do lado de lá, era cadente, e carregava na velocidade a pressa dos desejos. achou melhor então continuar ali... nas quatro fases permanentes.

domingo, 8 de maio de 2011

abrindo a porteira

até pouco tempo atrás as árvores cruzavam o caminho que levava até a morada de seu Antônio, não havia estrada indicando a seta, o caminhar era guiado pelas formas da natureza, pelas curvas do rio, pelo movimentar da terra. a morada fora construída pra caber toda a infância, com espaços livres pra qualquer brincadeira. a varanda era tudo que contornava as paredes, e era portanto o mundo inteiro. naquela redondeza não havia vizinho ao lado, as prosas debaixo do entardecer eram acompanhadas de uma longa travessia até a casa de Dona Madalena. seu Antônio acordava antes do dia, vestia os pés com a botina e a cabeça com o chápeu de palha. antes de sair tomava um copo de café, que sua mulher Ângela preparara antes de fechar os olhos. trabalhava no seu pedaço de mundo, cuidava da boiada, semeava a plantação. voltava com o sol de meio-dia, e antes mesmo do ranger da porta já sentia o cheiro dos sabores diários de Dona Ângela. era uma história escrita pela enxada, pelo leite de vaca, pelas mãos gastas, pelos horários marcados pelo sol, pelo resumo de uma vida que brotava inteira da terra.

sábado, 7 de maio de 2011

metamorfose do corpo

e quando se modifica o corpo se tem a sensação de que se aproxima de si mesmo ao mesmo tempo que se distancia dos outros, se constrói a diferença, liberdade individual, como se o corpo não nascesse pronto, mas a espera da melhor lapidação.

num bater de asas

ontem passarinho pousou na minha janela e me emprestou seu par de asas. em poucos segundos fui parar lá em cima de onde as coisas lá de baixo ficam pequeninas. voando tem-se a sensação de que perto são os desejos que queremos realizar, basta um bater de asas pra se chegar lá longe, bem ao lado da sua vontade. acontece que nestes instantes de passarinho eu acabei não indo muito distante dos passos de outrora, é que já fazia um tempo que as coisas do lado de lá moravam todas dentro de mim.

quinta-feira, 5 de maio de 2011

pra sonhar bem grande...

mora em um lugar que chama de seu, mas sem endereço, as cartas por lá não chegam. o aluguel é R$50,00. a luz vem por gato. a água chega a partir de um vizinho. gás é luxo, a comida é preparada com as possibilidades da água fervendo em um ebulidor. a renda existe, R$20,00 por mês, soma das latinhas encontradas nos lixos. ajuda e muito o bolsa-família, acrescenta R$180,00. o sonho desta mulher? um dia poder comprar um vaso com flores pra decorar a sua entrada em seu pedaço de mundo. sonho grande, sonho de toda primavera...

quarta-feira, 4 de maio de 2011

o trabalho de cada um

o trabalho é a minha forma de agir no mundo, é a minha tomada de consciência, é o negar da alienação, é a minha pequena fatia de intervenção, o meu trabalho é aquilo que faz do mundo um espaço inacabado e transpõe para as minhas ações a possibilidade de transformação. o trabalho não pode ser uma peça a mais da roda que a faz girar, o trabalho é um processo racional, é o poder de cada indivíduo de agir neste espaço que é nosso. o trabalho por sobrevivência retira toda a capacidade crítica do ser humano, limitando a sua ação a uma mera reprodução de interesses capitalistas. o trabalho é um eixo central e moralizante na sociedade brasileira, que coloca como vagabundos aqueles que não se inserem nesta lógica. mas esta lógica não parece interessante para um certo grupo da população, que por forças maiores, por uma leviana tentativa de ser parte, padronizando-se então, vai buscar o seu sentido nas fronteiras da legalidade. e quando aí se colocam não demora muito o escandalizar da lei, ditando a forma ideal de agir, ainda que as ações não sejam livres o suficiente. a lei padroniza, mas as oportunidades são desiguais. e nesta contradição latente eu me pergunto se sou eu, enquanto futura assistente social, quem deve libertar ou quem deve massificar o sujeito? e considerando que a ilegalidade é uma construção social, não será o ultrapassar das normas uma opção legítima de agir no mundo?

terça-feira, 3 de maio de 2011

"e até quem me vê, lendo jornal na fila do pão, sabe que eu te encontrei"


só pra confessar publicamente que eu não resisti e acabei atravessando a linha que me separava do lado de lá...

70 anos e sonhando...

 sonhos, os seus, não envelhecem. não porque sejam eternos - mas porque são renováveis, e mudam de cor.  sonhando desde sempre, você não foi...