terça-feira, 28 de dezembro de 2021

temos pavor, e omitimos

há em mim um antes e um depois de você. durante é a piracema. corremos atrás de nós dois, de nossas nascentes. como na primeira e única vez que dançamos. seu corpo meio que encantado pela flauta musical. te vi perder o medo de olhos fechados. dançar tem esse quê de coragem de dar forma à canção. hipnotizada, fundi meu pulmão ao seu, nos balancei para um lado, depois para o outro. como ondas. colei nossas margens e velejamos um passo. girei em torno de você, meu sol. pedi que segurasse minha loucura, e confiante me lancei no cume do navio. atirei meu cabelo implorando por ventos invasores, que me ocuparam sem declaração de posse. meu vestido longo estampava meu corpo, velando segredos. eu e você que tanto nos desenterramos não esgotamos os mistérios. 

não temos finais, descobrimos. mas temos pavor, e omitimos. há covardia no receio de atravessar a fronteira que nos levará para o lado de lá de nós mesmos. a brisa própria da rede se confunde com portos e solos firmes. nós, movediços que somos, fingimos não ser - longe de nós. 

sexta-feira, 24 de dezembro de 2021

teu riso de menino é um atalho

teu riso quando acessa tua infäncia faz-me rir. um riso feito de cosquinhas no corpo, diluído nas brincadeiras de criança. chego até a acreditar em nós, como acreditava em fadas. vejo teu riso esparramando pelo rosto, como um atalho para teus olhos. teu riso te amplia tanto que teu corpo ri junto. te tornas menino, deixando ou esquecendo tuas armaduras no chão. me olhas sem defesas. somente quando crianças é que nos vemos. 

domingo, 19 de dezembro de 2021

a palavra é meu vício

a palavra é meu vício. 

** teu silêncio {sem palavras} é meu nó - sem nós. **

desconfio do meu desaparecimento se sua língua não lambe o meu nome. duvido de nós se sua palavra não encosta em mim. 

** você me beija, mas sua palavra não. a língua sem linguagem beira o esquecimento. **

como te traduzir sem voz? como me sustentar sem que você me localize? o trabalho diário de dar ré na entrega para o outro daquilo que é nosso. 

- por favor, devolva minha bússola que te entreguei por engano. sou enganada. engasgada na miragem de futuros. devolva minha bússola e rasgue o meu delírio dos amanhãs.


sábado, 18 de dezembro de 2021

ilhada

é aí que reside minha divisão do horizonte. o retorno pra universos verticais empilhados em cimento parecem abafar a simplicidade da então atmosfera marítima. furam minha bolha. os horizontes encurtam as distâncias, e pressionam minhas ideias em gavetas demandantes de futuros. o medo espreita os agoras, fere o sossego vindo da maresia. 

vem à memória os instantes que repousei nos pescadores, em como encontravam lar no mar, e confiavam a ele as próprias ilhas. aposto que deixavam a ansiedade pra trás, e ante a imensidão das águas cavavam forças internas descobertas somente em navegantes tempestades. acho que velejavam as próprias emoções e entregavam os amanhãs. 

por aqui não se beira o mar, ainda que exista esse instante que eu me veja ilhada.  

quinta-feira, 2 de dezembro de 2021

teus dedos de eucalipto, tuas mãos maiores que o mundo

teus dedos. compridos e finos como teu corpo. como eucaliptos: que por entre seus prolongamentos escondem desejos sexuais. entre uma altura e outra, lá cabem seus dedos e nossos gemidos. esguios que só eles, formam fileiras excitantes de gritos beirando o céu. atraem-me com vendas nos olhos, naquele fio de confiança que me entrega ao escuro. você é meu clarão. abro os olhos sentindo suas pontas cavando terras inexploradas de meus continentes. você mapeia meus delírios, codifica a entonação de meus pulmões, viajando em meu terreno vaginal. descobridor de mim, inventa passagens aéreas sem volta. estes dedos, ritmados pelo vapor do café, seguram as alças da xícara que se torna miniatura ante tua imensidão. percorrem meus lábios, penetram minha boca, absorvem meu sabor. degustam-me. 

tuas mãos, tão maiores que o mundo. nelas cabem meus seios, minha loucura. embolam meus cabelos no caracol do seu movimento. atam nós, desatam tabus. tatuam minha pele com seus contornos. estas mãos quando encontram minha cintura, naquele declive onde amontoam vontades, curvam minha direção. sigo torta, pro seu mundo torto, entortando a regra até que ela sirva em nós. nossos labirintos acumulam saídas. falamos a mesma língua, beijamos também. tua palavra me beija. teu timbre morde meu lábio. 

segunda-feira, 8 de novembro de 2021

você é a preliminar

suas mãos tão maiores que as minhas. os dedos compridos, finos, afluentes como seu corpo. as unhas longas e arredondadas. entre os dedos, o cigarro fumando ideias vagas. você sempre gostou de vagar por aí. é com os dedos que você passeia por mim. com a ponta dos dedos. vez ou outra começa com a língua ou com a urgência da palma das mãos, como quem acumula desejos. foi assim naquela noite ao sair do elevador. eu vestida de batom vermelho, que você logo retirou sem a cerimônia das palavras ou da ponta dos dedos. teve também a outra noite quando você anunciou no carro o próximo passo, e ao chegar na sua casa, arremessou os objetos da mesa de madeira ao chão, jogou metade de mim em cima da mesa, e de costas penetrou sua vontade sem preliminares. e aliás, VOCÊ É A PRELIMINAR. o jeito de olhar sufocante, o dom de recuperar o mundo com a linguagem, a facilidade de ativar minha imaginação, a capacidade de afinar a voz no tom certo dos fios que percorrem meu corpo, o hábito de passar as mãos nos cachos libertando-os da forma, o modo de guardar fios por trás da orelha, a habilidade de acomodar infância no sorriso e decisão na paternidade, o mistério das respostas sem ponto final e sem futuro, e principalmente, a coragem de tomar banho de chuva. 

domingo, 7 de novembro de 2021

o amor está na falta?

escrever é minha forma de tocar você na letra. esses dias duvidei de nós. oito dias cheios sem saudades. o amor está na falta? seguimos como um par sem nome, e isso me venda os olhos e me escancara o corpo. liberada da forma nominal, criamos presentes desencaixados. deixamos o futuro pra depois, e vivemos a urgência de tantos agoras. você entre os cacacóis da paternidade e da desterritorialização. nossos encontros têm começo, meio e fim. esse é meu jeito de me proteger de sua partida diária, sem que parte de mim vá junto com você. eu preciso ficar (em mim).

sábado, 11 de setembro de 2021

desejo descalçado

te desejo como um grito do corpo. naquele intervalo que deitei meu rosto no seu ombro e encolhi o meu movimento no seu colo. você supôs ser ninho, porto, ou coisa parecida. enquanto um braço me ancorava, o outro com seus dedos longos me percorria. eu ia cedendo mais a cada toque, e minha pele ia encostando mais na sua. sua mão me tateava, num ir e vir contínuo do vale da minha cintura até a montanha do meu quadril. entre eles a ponta de um ou dois dedos passeavam com afinco a lateral da minha calcinha. minha respiração parava quando o dedo pausava na calcinha. eu ia me rendendo a você, entregando meu corpo em sua direção. ousado, você avançou a fronteira do tecido e no giro do vestido adentrou minha pele. explorou o comprimento das minhas pernas, atracando outra vez em minha calcinha, mas desta vez, sem a camada do pano. deixou que seu dedo agarrasse a calcinha, movendo-a dali pra descalçar o desejo. te desejo com minha nudez. sem calcinha.

sexta-feira, 10 de setembro de 2021

70 anos e sonhando...

 sonhos, os seus, não envelhecem. não porque sejam eternos - mas porque são renováveis, e mudam de cor.  sonhando desde sempre, você não foi...