sexta-feira, 19 de agosto de 2022

Mundo em pessoa

conheci o Mundo, com letra maiúscula. de olhos coloridos, ele enxerga pela direita, e sente pela esquerda. fala melhor com a língua no meu corpo, em um silêncio tremido. me beija sem cumprimentos, e aproveita a facilidade do vestido poupando obstáculos para desejos urgentes. no plural, porque ele diz não ter situado o fuso horário de sua ereção, penetrando em mim na sequência de narrativas sem prenúncio de sua chegada. ele diz ser minha a culpa, em uma distância continental dos resquícios racionais do gozo. a paixão é mesmo inconsciente. e alivia saber que me querer escapa ao seu controle, eliminando de antemão a possibilidade de estancar essa vontade pela via da razão. 

~ me desejarás - eis meu primeiro mandamento pra nós. ~

o Mundo diante de mim perde suas fronteiras, e coloca os mapas em desuso - cartografando-se em linguagem. em cima de mim, se derrete em orgasmo. acumulo uma camada de suor mediterrâneo que ele jorra sem economia. seus fios pingam prazer, e eu passo os dedos em seus cabelos pra tocar com a palma das mãos sua libido. 

~ eu devoro - e virei devota - do seu desejo. ~


segunda-feira, 20 de junho de 2022

por que insisto em não te querer

não te querer é um esforço. mas eu não te quero. 

ficou claro ?

sem palavras ~ literalmente!

 não escrevi sobre você, e só notei hoje - 7 dias após o fatídico "então ficamos por aqui". rédeas curtas as nossas. não pulamos nenhuma cerca, nem ousamos atravessar nossos temporais. te conhecer entre as fronteiras da razão conteve meu ímpeto de falar sobre você. 

~ se não escrevi é porque não existiu. ~

seguro meu rosto com as mãos agora, tamanha é minha surpresa. faço intervalos entre as frases, porque descubro a nossa ausência na velocidade das letras que aqui surgem engasgadas. 

~ você não virou palavra! ~

nós não acontecemos. sinto muito, mas mais agora que nos 60 dias que nos renderam pequenas frações de nós. quando te perguntei se nosso objetivo seguia comum, o seu tom já atropelava o meu. eu não te pedia em namoro, tampouco aceitaria um pedido seu. naquela noite, as palavras foram artifício pra encontrar um meio de sair dos bastidores e abrir as cortinas. 

não, você não é a história que quero pra mim. dizer não pode ser e é revolucionário!

sexta-feira, 15 de abril de 2022

fetal

 quando você chorou, eu desapareci. suas lágrimas escorrendo eram nascentes. quis fotografa-lo nascendo a olho nú. você negou, a foto e o nascimento. 

domingo, 10 de abril de 2022

o que poderíamos ser, e por isso, somos

{...}


desbravaríamos o mundo das cachoeiras, sem nunca esquecermos da primeira - inesquecível por assim dizer. áquaticos que somos, nos manteríamos mergulhados em nós. 

eu assistiria seu feminino, antes às avessas, ressurgindo e espiando o amor - entre frestas. valeria checar se as portas, ainda que abertas, velam cadeados. 

lágrimas são vestígios ~ e as suas eu jamais enxugaria, rio que és. não tenderíamos ao sertão, vasto que somos. 

{...}

quarta-feira, 30 de março de 2022

pedido da madrugada

Josi, quero te fazer um pedido. antes de dormir, feche bem os olhos, como se apagassem as luzes lá fora.  ficará um pouco escuro, mas verás o quanto podes enxergar de olhos bem fechados. aperte bem as pálpebras imprimindo desejos pra lá de sinceros nos afluentes dos cantos dos olhos. mantenha as mãos juntas, unindo as arestas do corpo. coloque-as pertinho do rosto, em uma espécie de amparo pra desejos maiores que as palavras ditas até então. aproxime os dedos de sua respiração. inspire o desejo. se sentir a imensidão do pedido, aterrise no céu, dilua-se no infinito. use sua infância pra fazer esse pedido. é de lá que vêem nossos desejos.  

sexta-feira, 25 de fevereiro de 2022

escrever é entregar pra você o que antes era só meu

foi ontem que tomei consciência do meu vício pela leitura. enquanto sentia meu corpo se confundir com as páginas de um livro, notei a antiguidade desse hábito. até então não tinha nomeado de leitura o meu gozo, porque as letras se reuniam cientificamente. eu dizia que meu desejo era pelo conhecimento, fonte possível de transformação. acreditava que a tradução do mundo em palavras organizava futuros. eu lia para escrever. quanto maior o engasgo, maior era meu vômito letrado. 

~ diplomei minhas utopias ~ 

comuniquei oficialmente minhas lentes. até ver nascer um furacão dentro de mim. eu me vi ruir quando escrever parecia resultar em diários guardados em minhas gavetas. pra não deixar o texto morrer no papel, circulei a palavra, dei voz ao conteúdo, mas cansei de enxergar as entrelinhas. 

~ comecei a sentir na pele a dor escrita

os livros começaram a invadir meus pulmões, e eu perdi a fé nas palavras carimbadas pela academia. tomei distância da cadeira de aluna. escolhi lugares que descansassem meus olhos e acalmassem minha respiração. dei de cara com os livros. outra vez. mas agora, literários. o desejo antigo - que de tão latente nomeei de sonho - retornou: o livro. 

escrever é a forma mais profunda de tocar em meus continentes internos. este era meu recalque. na escrita me descubro, e na publicação, confio em mim. 

~ escrever é a maior prova do meu amor mais próprio ~

violência é um eco

parecia um grito - de socorro? a vida ainda que cotidiana derrapava às margens das violências, formando feridas não cicatrizavéis.  o tempo não as costurava: elas repetiam, ou se reinventavam com outros nomes e formas. porém, violência não se torna invisível com a vitrine da nova estação. um corpo sente outro corpo violentado. é com a pele que enxergamos a dor. 

a pergunta fatal é: por que a violência não ecoa para todos?


quarta-feira, 26 de janeiro de 2022

você é meu presente

 ocupastes territorialmente meu mundo particular. primeiro, reparei, esteves na varanda, selando os meus lábios com o seu pedido, sem voz. esteves na cozinha, como quem soubesse de peixes, eu de macarrão. eu sei. também ocupastes o corredor antes daqui, entre o elevador e a minha porta. lembro do beijo quando fui te receber. demorado. seu beijo já era um diálogo em mim. no sofá você esteve logo no primeiro dia. e só pra constar: você é o primeiro aqui, e antes daqui. 

como é ser assim e  nem saber que é? 

as cadeiras seguem vazias depois do meu convite pro café sem roupa e sem endereço. você disse que parecia cena de filme. te corrigi: não, essa cena é nossa, não tem em filme nenhum. SÓ NESTE

continuamos. você e suas responsabilidades no escritório, com janelas. no banheiro, com alívios. na cama, com desejos. nas manhãs, com desatinos. em mim, com futuros. 

segunda-feira, 10 de janeiro de 2022

quase

de costas para a montanha, seu corpo prolongava as curvas dos morros. lembro de percorrer com os olhos os seus fios enrolados à paisagem. eu esfumaçava suas margens, confundindo-lhe com o mundo. você era meu mundo. 

incansavelmente você me perguntava: "o quê?". como se o meu olhar lhe provocasse dúvidas. explicava que lhe contemplava como se fosse o mar, depois de perder os remos de vista, ou - depois de não mais precisar remar? 

sua camisa desabotoada e os pés deliciando a grama denunciavam sua entrega. "eu quase disse eu te amo", você me contou. 

quase. 

e ficamos por ali. 

"a gente não casa com um grande amor"

te encontrar é mirar fundo em mim. um furo de reportagem. o livro mais vendido. um acontecimento histórico. recorde mundial. 

se eu te convidar pra minha rotina te revelarás miragem? 

sexta-feira, 7 de janeiro de 2022

escrevo para te esquecer em palavras

acho que te deixo ir sem a suspensão do tempo enquanto você não volta. 

~ peço então que o relógio prossiga a contagem das horas ~

há um desejo que, sem nós, padece. quando viramos a esquina sem olhar pra trás enterramos nosso corpo, como se pudéssemos reaprender a viver com fome. sobre-vivemos. você é a forma mais ditatorial do mundo me dizer que só existe você pra mim - uma espécie de parada obrigatória.

seu sertão é meu mar, mas minha onda não te leva pro porto. você não descansa. corre de mim como quem foge do amor. o amor te dói. aliás, a memória que você tem do amor te dói. você nasceu sem berço, e por isso a sequência de despedidas próprias da vida não te doem mais que a primeira: embrionária. você olha para uma partida como parte da cifra musical. e pensa: "faz parte".  a dor como costume. incorporada. a possibilidade de me segurar, de me pedir para ficar, remete àquela vez que te faltaram recursos ante o abandono. 

~ você deixa a porta aberta, mas somente para as despedidas - ninguém pode entrar ~

trincados nos rebelamos à lei corpórea. delineamos razões mentais pra nossas vigas se manterem estruturantes. apegados ao medo da queda, nos cegamos para lados opostos. cambaleantes, caminhamos lentamente no meio fio. 

depois de você, desloco minha geografia. sento em outra mesa no horário de almoço. faço novas combinações com minhas roupas de sempre. junto estampas descombinadas. restando apenas tons de cinza, entristeço a vitrine. 

~ um corpo nublado ~

e escrevo... escrevo até esgotar as palavras sobre você. o término vem quando goteja a última letra. 

quarta-feira, 5 de janeiro de 2022

desencontro com a dor

pro amor vingar, há que antes se encontrar na dor. pra você, o limite da presença vem assentando intervalos viscerais de ausências. presença demais pode virar elo, e não cabe mais um abandono em seu pulmão. pra mim, ausência cheira desamparo, lugar de onde me retirei e não volto mais. 

a gente topou de cara com o amor, mas escapamos com a dor. 

apesar do amor, nossa dor não combina. 

70 anos e sonhando...

 sonhos, os seus, não envelhecem. não porque sejam eternos - mas porque são renováveis, e mudam de cor.  sonhando desde sempre, você não foi...