quarta-feira, 26 de janeiro de 2022

você é meu presente

 ocupastes territorialmente meu mundo particular. primeiro, reparei, esteves na varanda, selando os meus lábios com o seu pedido, sem voz. esteves na cozinha, como quem soubesse de peixes, eu de macarrão. eu sei. também ocupastes o corredor antes daqui, entre o elevador e a minha porta. lembro do beijo quando fui te receber. demorado. seu beijo já era um diálogo em mim. no sofá você esteve logo no primeiro dia. e só pra constar: você é o primeiro aqui, e antes daqui. 

como é ser assim e  nem saber que é? 

as cadeiras seguem vazias depois do meu convite pro café sem roupa e sem endereço. você disse que parecia cena de filme. te corrigi: não, essa cena é nossa, não tem em filme nenhum. SÓ NESTE

continuamos. você e suas responsabilidades no escritório, com janelas. no banheiro, com alívios. na cama, com desejos. nas manhãs, com desatinos. em mim, com futuros. 

segunda-feira, 10 de janeiro de 2022

quase

de costas para a montanha, seu corpo prolongava as curvas dos morros. lembro de percorrer com os olhos os seus fios enrolados à paisagem. eu esfumaçava suas margens, confundindo-lhe com o mundo. você era meu mundo. 

incansavelmente você me perguntava: "o quê?". como se o meu olhar lhe provocasse dúvidas. explicava que lhe contemplava como se fosse o mar, depois de perder os remos de vista, ou - depois de não mais precisar remar? 

sua camisa desabotoada e os pés deliciando a grama denunciavam sua entrega. "eu quase disse eu te amo", você me contou. 

quase. 

e ficamos por ali. 

"a gente não casa com um grande amor"

te encontrar é mirar fundo em mim. um furo de reportagem. o livro mais vendido. um acontecimento histórico. recorde mundial. 

se eu te convidar pra minha rotina te revelarás miragem? 

sexta-feira, 7 de janeiro de 2022

escrevo para te esquecer em palavras

acho que te deixo ir sem a suspensão do tempo enquanto você não volta. 

~ peço então que o relógio prossiga a contagem das horas ~

há um desejo que, sem nós, padece. quando viramos a esquina sem olhar pra trás enterramos nosso corpo, como se pudéssemos reaprender a viver com fome. sobre-vivemos. você é a forma mais ditatorial do mundo me dizer que só existe você pra mim - uma espécie de parada obrigatória.

seu sertão é meu mar, mas minha onda não te leva pro porto. você não descansa. corre de mim como quem foge do amor. o amor te dói. aliás, a memória que você tem do amor te dói. você nasceu sem berço, e por isso a sequência de despedidas próprias da vida não te doem mais que a primeira: embrionária. você olha para uma partida como parte da cifra musical. e pensa: "faz parte".  a dor como costume. incorporada. a possibilidade de me segurar, de me pedir para ficar, remete àquela vez que te faltaram recursos ante o abandono. 

~ você deixa a porta aberta, mas somente para as despedidas - ninguém pode entrar ~

trincados nos rebelamos à lei corpórea. delineamos razões mentais pra nossas vigas se manterem estruturantes. apegados ao medo da queda, nos cegamos para lados opostos. cambaleantes, caminhamos lentamente no meio fio. 

depois de você, desloco minha geografia. sento em outra mesa no horário de almoço. faço novas combinações com minhas roupas de sempre. junto estampas descombinadas. restando apenas tons de cinza, entristeço a vitrine. 

~ um corpo nublado ~

e escrevo... escrevo até esgotar as palavras sobre você. o término vem quando goteja a última letra. 

quarta-feira, 5 de janeiro de 2022

desencontro com a dor

pro amor vingar, há que antes se encontrar na dor. pra você, o limite da presença vem assentando intervalos viscerais de ausências. presença demais pode virar elo, e não cabe mais um abandono em seu pulmão. pra mim, ausência cheira desamparo, lugar de onde me retirei e não volto mais. 

a gente topou de cara com o amor, mas escapamos com a dor. 

apesar do amor, nossa dor não combina. 

70 anos e sonhando...

 sonhos, os seus, não envelhecem. não porque sejam eternos - mas porque são renováveis, e mudam de cor.  sonhando desde sempre, você não foi...