sábado, 23 de dezembro de 2017

o corpo

a memória falha, o corpo não. o corpo é a memória. a história passa, o corpo fica. o corpo é a história. a ferida não cicatriza, o corpo segue. o corpo é a ferida. o corpo de tudo sabe, o corpo que tudo sente. uma dor será sempre dor anos depois. uma dor corporificada, em um corpo que reage. uma mente que não compreende, que não alcança aquilo que já se foi no tempo, mas se perpetuou no corpo. é no corpo que tudo vem primeiro. antes o corpo, depois o restante.

domingo, 17 de dezembro de 2017

homens estampados

pano guardado entre botões com paisagens desenhadas no peito. camisa estampada. homens estampados. o lápis deixando sua marca na cor lisa e imprimindo os olhos no corpo. um desfile de formas desformes pintando a cena com tons vibrantes, até ontem esquecidos na gaveta. joga-se a tinta sem compromisso com a linha, autorizando a liberdade da imagem. faz um nó, repete-se a figura, cruza o traçado, faz um retrato, e fixa a pele numa moldura estampada.

quarta-feira, 13 de dezembro de 2017

você em mim

todo fio agora era de caracol. aliás, o mundo se revelou encaracolado. acho que você se prolongou nos outros, despedaçou suas partes e distribuiu inteiros em terceiros. o mundo parece você. tem seu rastro na minha sombra, e sua respiração no meu corpo. veja bem: minha e meu, ou seja, invasão.

segunda-feira, 4 de dezembro de 2017

A gente devia ter sempre o coração inteiro

Debaixo da árvore pontilhando a chuva eu escutava as cifras da sua respiração. Você me contava dos seus pedaços despedaçados e da sua ponte ainda imaginária pra fazer chegar lá no fundo do peito e remendar os estilhaços congelados em dor. Seus olhos escorriam gotas de mar enquanto as ondas reclamavam a falta dos remos seus. Parecia que seu redemoinho te enganava e o fôlego era um preparo pra suportar a asa quebrada bem no canto que faz voar. Mas é assim, passarinho sem céu não tira os olhos do azul, e mesmo sem asa, faz morada nas nuvens. E aí, nesse movimento, ainda sem endereço, resolvi respirar você, e batizar como nossa sua narrativa de amor.

70 anos e sonhando...

 sonhos, os seus, não envelhecem. não porque sejam eternos - mas porque são renováveis, e mudam de cor.  sonhando desde sempre, você não foi...