segunda-feira, 8 de setembro de 2025

eu até olho, mas não vejo nada

 ao olhar pra você, ainda que pondo meus olhos fixos em você, invariavelmente te perco. poderia supor que isso que evapora quando te olho é meu vício de linguagem narcísica. mas no instante que suponho me ver através de você eu também não chego até mim, esse mundo estrangeiro.

~ então, se olho e não te vejo, e se olhando também não miro no espelho, minhas lentes colecionam invenções. ~ 

mas as histórias não são tão livres quanto parecem: são troncos de uma única raiz. quando olho pra você, aterrisso em mim, e do solo que me habita brotam redemoinhos de um idioma inconsciente.

domingo, 7 de setembro de 2025

"o Sol nasce para todos, só não sabe quem não quer"?

tornar-me escritora - escrevi como meta para 2025. 

pressupus então haver uma passagem entre o que sou e o que virei a ser, como se algo externo precisasse me autenticar de algo interno. mas o que faria de mim escritora se eu já me sinto uma desde sempre?

há pouco tempo me autorizei férias de cursos calculados por notas. abandonei o barco de tentar me provar. quero ser sendo, escrever escrevendo. sabendo do meu sonho, conselhos multiplicam para eu fazer um curso sobre escrita. porém entendam: eu não quero aprender a escrever. eu quero escrever o meu corpo em um livro, sem precisar caber num método ou numa expectativa - esses matariam minha confusão literária. 

lendo Clarice me percebo traduzida de tal forma que me aguça a possibilidade da palavra servir como encontro. leio Clarice no mesmo segundo que me leio. mas penso em Clarice e me vem uma grandeza, um Sol, um clarão, e me vejo por trás das cortinas assistindo o amarelo nascer lá fora - de mim. não é fácil sentir o Sol interno, e sei do meu vício de ficar lendo o Sol dos outros sonhando através deles os sonhos meus. como se assim pegasse carona no vento que é sonhar. ser passageira tem lá o seu conforto de não precisar ser guia e de ler no livro páginas já escritas previamente. 

e o que teria do lado de lá? o que acontece quando escrevo, ao ponto de eu precisar não escrever?   


sábado, 8 de março de 2025

desejo, logo realizo.

mas pra isso é preciso desejar sincero e profundo, ao ponto da rua ser toda sem saída, sendo o ponto de chegada o mesmo ponto de partida. caminho sem volta, retrovisores em extinção. é preciso um desejo que vire ocupação urbana de todo o território cutâneo. bebe-se água para realizar. respira-se porque e somente porque se quer realizar. um corpo inteiro centrado no próprio umbigo. não se pergunta se conseguirá, questiona-se os passos para se chegar lá. como se outro lado da margem fosse a única salvação para o naufrágio. desistir seria uma eutanásia. 

~ tem desejos que sempre foram nossos, só esperavam o tempo de seu nascimento. ~ 

escrevo isso em numa tentativa de provar do meu próprio gosto, de me colocar em uma xícara de café e me degustar pausadamente. transformando-me em rede, sinto o meu próprio balanço. há Alguém que me empurra. sempre houve... escrevo pra recuperar a memória do desejo encontrando o outro lado da margem. escrevo para me eternizar, para poder me ler, e virar testemunha de mim. 

desde então, tenho muito e muitos para agradecer...

sábado, 4 de janeiro de 2025

o silêncio é o meu ato de fé

~ primeiro sábado de 2025. 

há dois anos escrevo menos, falo menos, e também penso menos. mas nem tudo diminuiu: desde então eu sinto muito, e muito mais. o vento virou cachecol, a chuva, melodia. o futuro e o passado se entregaram ao presente, e os dias ficaram preenchidos do agora. as águas se fizeram mantra, e a natureza tornou-se minha prece. a literatura criou diálogos, e os livros converteram-se em ecos. 

o silêncio chegou sem esforço, corporificando o cotidiano. 

há um infinito em cada passo, e o que vejo é tão somente uma fração. aprendi a confiar no invisível, a ter fé na vida, e principalmente, a sentir Deus em mim. sinto tanto que meus olhos lacrimejam quando escrevo Teu nome. dizem que a fé faz morada em nós, e que vez ou outra, quando afirmamos perdê-la, ocorre é que o mundo concreto nos absorve, escapando-nos o divino. dito assim parece até que a espiritualidade vagaria por nuvens fantasiosas. mas não. acontece é que o que capturamos é por demais reduzido perto da dimensão existencial. há algo para além, algo depois da curva, algo após a queda. 

há sempre algo mais!




sexta-feira, 1 de março de 2024

70 anos e sonhando...

 sonhos, os seus, não envelhecem. não porque sejam eternos - mas porque são renováveis, e mudam de cor. 

sonhando desde sempre, você não foi parar nas nuvens. você acumulou pegadas no chão. incansável na arte de sonhar, sonho após sonho, já urgia o próximo. começou descalço, percorrendo distâncias cotidianas que pareciam chegar ao mesmo destino. ali mesmo você já compunha a fórmula que valeria para os dias sequentes.  

distanciando-se pouco a pouco de suas raízes, cruzou as fronteiras do céu e da terra, indo morar entre as palavras de Deus. nesse capítulo, convenceu-se de sua fé abundante, suficiente para não temer um amanhã se quer. chegou na capital mineira, e apesar do bigode, conquistou uma parceira a quem sublinhou com seu sobrenome. 

do caso fortuito e de força maior, fez limonada. demitido, parou de sonhar para terceiros, e decidiu dar nome ao próprio sonho: Funcional.  das memórias que tenho - que são poucas - sobressai sua confiança inabalável. pergunto se em algum dia você ao menos supôs que não conseguiria...

e agora, aos 70 anos, que para muitos parece ser a temporada dos sonhos já realizados, vem aí a edição especial que é você rotulado de "Vale dos Sonhos". é pai. o mundo é solo fértil para sonhadores.

enquanto você sonha daí, eu me inspiro daqui. 

já concluindo... apesar do tema ser você, reconheçamos: há quem te coloque em cena anualmente. comemorando através das suas passagens, mãe, você é A protagonista!

sábado, 16 de setembro de 2023

meu primeiro amor ~ depois de tantos.

de tantas idas e vindas, ficamos ~ em nós. de lá pra cá, deixamos o itinerário errante e criamos margens para nossos afluentes. plantamos sementes em nossa orla, às custas de certa escuridão, própria de escolhas desejantes. mirar o desejo provoca redemoinhos em corpos acostumados a ceder a narrativas históricas vestidas de futuro. o desejo costuma estar bem ali - nas sombras. corajosos, encaramos nossos mistérios, e entregamos nosso desejo ao sol. colocamos luz na partícula necessária. 

te vi voltar de lá com outro nome, sobrenome e endereço. te desconheci ao te reconhecer ~ ao meu lado. parei de precisar lhe procurar, você enfim aterrizou. senti você cavando raízes dentro de mim, se apropriando dos meus tempos verbais. meu desejo encontrou você como realização. acho que esse é o sonho de todo desejo: achar na vida a própria sorte. fazendo-se de trevo, você virou minha prece. só eu sei como são meus dias depois de você, meu primeiro amor.   

não se assuste por ser o primeiro, depois de outros. a existência precede a essência - já diria você, o que também disse Sartre. 


sexta-feira, 19 de agosto de 2022

Mundo em pessoa

conheci o Mundo, com letra maiúscula. de olhos coloridos, ele enxerga pela direita, e sente pela esquerda. fala melhor com a língua no meu corpo, em um silêncio tremido. me beija sem cumprimentos, e aproveita a facilidade do vestido poupando obstáculos para desejos urgentes. no plural, porque ele diz não ter situado o fuso horário de sua ereção, penetrando em mim na sequência de narrativas sem prenúncio de sua chegada. ele diz ser minha a culpa, em uma distância continental dos resquícios racionais do gozo. a paixão é mesmo inconsciente. e alivia saber que me querer escapa ao seu controle, eliminando de antemão a possibilidade de estancar essa vontade pela via da razão. 

~ me desejarás - eis meu primeiro mandamento pra nós. ~

o Mundo diante de mim perde suas fronteiras, e coloca os mapas em desuso - cartografando-se em linguagem. em cima de mim, se derrete em orgasmo. acumulo uma camada de suor mediterrâneo que ele jorra sem economia. seus fios pingam prazer, e eu passo os dedos em seus cabelos pra tocar com a palma das mãos sua libido. 

~ eu devoro - e virei devota - do seu desejo. ~


eu até olho, mas não vejo nada

 ao olhar pra você, ainda que pondo meus olhos fixos em você, invariavelmente te perco. poderia supor que isso que evapora quando te olho é ...