quinta-feira, 4 de janeiro de 2018

ainda tem você aqui

enquanto você falava eu me perdia em encantamento. tem histórias suas já contadas por mais de uma vez sem registro em mim, a não ser a memória de suas expressões: sua mão dizendo rimas, seus olhos marejados de amor, seus dedos desfiando os caracóis, sua respiração denunciando o corpo, seu tom de voz compondo melodias. suas histórias não lineares desorganizaram o fio da minha. acho que amarrei a ponta da minha linha na sua e embolei o meu enredo no seu. dancei no seu palco, chorei a sua dor, escrevi nosso futuro. eu soube desde o primeiro encontro do aperto bem no centro do peito, eu até te disse isso, e você falou que era coisa minha. eu senti sufocar desde a primeira despedida, já me dizendo que não era pra durar. vi você, oceano, e desabafei sobre a dor da infinitude, de se ver a imensidão e perder o barco de vista. não consegui entrar nesse mar só com as minhas margens. então, encarei a falta, segui com você no descontrole, esqueci dos amanhãs, e apesar das reticências no caminho, o ponto final rasgou minhas defesas. na maior parte do tempo eu agradeço por respirar sem você, e conseguir me desatar dessa trama sem desfecho, e principalmente, sem mim. mas você ainda me ronda, ainda está parado na esquina da padaria fumando o primeiro cigarro da manhã, ainda está sentado na quina da minha cama com as costas costuradas em pele, ainda guardo a moldura da sua pose na parede vestido de cifras, você ainda observa a vida acontecendo da varanda de frente pro mundo, ainda aceita meu convite pra se molhar na chuva de cada dia, você ainda espera o café sem açúcar logo que acorda, ainda dá voltas pelo bairro descobrindo as plantas e as ruas logo ao lado, ainda coloca em palavras seu coração enquanto eu vejo o seu drama rodar por horas e horas, ainda me abraça logo que abre os olhos, ainda tem seu cheiro no travesseiro, ainda te vejo nas madrugadas brindando os últimos copos de embriaguez, ainda tentas me chamar pra ver filmes com sua boca colada na minha, ainda tem seu corpo no meu, ainda... até quando?

70 anos e sonhando...

 sonhos, os seus, não envelhecem. não porque sejam eternos - mas porque são renováveis, e mudam de cor.  sonhando desde sempre, você não foi...