domingo, 25 de dezembro de 2011

quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

filhos do mar.

em tempos de lua cheia o mar se desmanchava em acrobacias que quase alcançavam o céu, os meninos entravam na imensidão da água salgada com suas barbatanas e escamas protetoras, surfavam sob as ondas das notas musicais do fim de tarde, o oceano de repente estava povoado, era como trazer o sal do mar para os olhos, tamanha era a emoção de enxergar o homem se comunicando tão maravilhosamente com a natureza.

domingo, 27 de novembro de 2011

medo de amar

- tem gente com medo do amor, menina, pode isso? tem gente com medo de subir a montanha e faltar o para-quedas na hora do vôo...
- acho que o passar dos anos nos deixa com medo de altura... é que depois de tantas quedas, os ossinhos ficam meio fora do lugar, acho que isso envolve também aquele espaço onde fica o coração... será?

quinta-feira, 17 de novembro de 2011

dos amanhãs que desconheço

abri os planos dobrados em folhas velhas no fundo da gaveta, os cantos do futuro estavam encardidos, já amarelados pelo tempo ultrapassado, as projeções quase sempre se perdiam ali, num pedaço de papel, difícil era programar o dia de amanhã, tal qual máquina que pressupõe desenvolvimento tecnológico, não eram bem esses os meus desejos, não buscava nada que eu pudesse traçar em datas do calendário seguinte, até tentava, até parecia verdade a minha tentativa, mas bastavam brisas de realidade pra desmanchar toda a suposta tentativa, a minha estrada não constava nos mapas, não existiam os caminhos, e eu costumo ter pavor dos limites impostos por endereços delimitados, o pior é que eu chego a morrer toda vez que me obrigam a criar setas e construir ninhos verticais, tenho medo da sobrevivência quitada nos contra-cheques, receio diriamente a minha sujeicão ao capital, tenho tanto medo do amanhã que talvez por isso evite exageradamente a sua projeção.

quinta-feira, 10 de novembro de 2011

lenda viva

esbarrei com seu universo entre a multidão de idas e vindas do Centro, que bom encontrar você despretenciosamente, você não poderia ter deixado de vomitar toda sua angústia permanente das peças que não se encaixam no seu quebra-cabeça, eu um pouco atrasada em função da corrida desenfreada dos ponteiros tentei guardar o máximo de você naqueles minutos de conversa saudosista, descarreguei toda a minha versão de você e me fiz declaração, é muito importante materializar o sentimento, pra torná-lo realidade, amor batendo dentro do peito acontece só dentro de mim, mas amor expresso através do abraço das letras e do encontro dos olhos acontece pra quem quer que seja...

quinta-feira, 3 de novembro de 2011

co-dependência da liberdade

incoerente era constatar que sua embriaguez não o distanciava da sobriedade, colocava-me a espera do momento de ruptura entre os estados, mas a distinção não acontecia, tal foi a minha conclusão de taxá-lo como um bêbado permanente e descobrir o efeito do álcool como complemento da sua sensatez, os efeitos descritos cientificamente não se (in)corporavam nas suas ações, apesar de não podermos negar a dependência da relação, você verbalizava a necessidade de transpor para a bebida os seus instantes de liberdade, porém não percebia o quão livre já o era sem os copos de escravidão, o pior me ocorreu quando me tornei co-dependente deste estado psicológico isento de restrições, inventavámo-nos nas ousadias decorrentes da embriaguez que não se desenvolvia, tornavámo-nos inocentes da nossa própria culpa, ganhavámos imunidade, permitíamos qualquer concretização de desejos, e nos instantes seguintes você brindava com pinceladas inesquecíveis de realismo, perdia por minutos os pares de asa e se recolhia inteiro no meu ninho, então eu abraçava você até preencher todo o seu medo, e não demorava muito até você alçar vôos ainda maiores.

terça-feira, 1 de novembro de 2011

mês 11

novembro, doce, véspera de dezembro, quase ano que vem, adoro esse tempo entre o passado e o futuro, sensação gostosa de poder pegar páginas em branco e escrever outras histórias.

quinta-feira, 27 de outubro de 2011

a real boniteza

a beleza dele não estava na tela da tv, tampouco nas capas de revista, também não poderia ser capturada pelos flashes, a beleza dele não era resultado das tantas academias, definitivamente não era uma beleza comprada, a beleza dele exalava o cheiro da pele, seu corpo não se fazia cabide das vitrines, e sua fala era preenchida por um estilo de vida condizente aos desejos, não reconheci a sua boniteza de imediato, as vezes acabo reproduzindo a cultura que me envolve, mas não demorou muito para eu descobrir naquele menino um tanto quanto fora dos padrões estéticos o meu melhor modelo de beleza, oh menino bonito esse, viu?

visão dos poros

certa vez conheci uma menina que quando queria enxergar passeava a pele pela textura dos objetos, conhecendo suas superfícies, ela guardava as cores, formas, conteúdos nos poros, eram eles que construíam pontes para além da visão, a menina se preocupava pouco com as imagens passíveis de molduras guardando fotografias, a menina adentrava nas curvas, na música de cada um, nos movimentos despercebidos, na velocidade da respiração, a menina capturava sentidos, a menina, literalmente, não enxergava as aparências, diziam que ela era cega, mas com certeza não sabiam que existem várias formas de visão.

terça-feira, 25 de outubro de 2011

pra ler você

nas noites que você não está
descrevo-o minimamente em pedaços de papel
só pra depois eu poder ler você repetidas vezes
e supor que estás nas entrelinhas dos meus pensamentos...

sexta-feira, 14 de outubro de 2011

medida exata

as esquinas dos seus olhos são tão afiadas que trincam imediatamente o meu suposto chão, deixa-me vulnerável o seu olhar fixo funcionando como arma feita pra matar, desvio-me deste desconforto, crio obstáculos que impeçam o encontro das minhas retinas nas suas ruas, mas você me percebe, me pega pelos braços tal qual corpo-objeto que não mais controla suas reações, descontrolo-me, obedeço inteiramente aos meus instintos, rasgo os pedaços de pano que separam nossas peles, atravesso meus planos, e me reconstruo aliviada, agora confortável por caber exatamente nos contornos seus, mais confortável ainda por me descobrir tal qual costura medida milimetricamente para outrem: você.

domingo, 9 de outubro de 2011

presença

capturava você nas esquinas dos seus impulsos, fotografava-os na esperança de desfazer a efemeridade, guardava tudo em cofres bem seguros da memória seletiva de coisas bonitas, só coisas bonitas, e toda vez que eu queria dormir ao lado seu bastava reservar para os minutos antes do sono o filme gravado pelas retinas de outrora, você já não era apenas corpo, era alma!

promessas com data de validade

qualquer que seja a promessa será sempre verdadeira, mas, talvez, amanhã já não o seja, verdades são temporais, dependem da temperatura ambiente, do que o corpo traduz em forma de sentido aos olhos, depende do que chega a pele e cria tempestades em dias de brisa programada, esta tende a ser a minha maior fragilidade, e de tanto escapar-me dos meus próprios trilhos descubro-me diante de um calendário sem datas, todos os dias parecem convergir para o segundo que acaba de passar, eu acabo me perdendo nesta rotação permanente do solo que hipoteticamente me serve de cais, invento nos braços dele a minha proteção, visto-me desta armadura feita de amor sem promessa, amor em tempo real, concluo que protejo-me dele, antecipo as curvas, me preparo diariamente para a promessa já empoeirada dos desejos de ontem.

segunda-feira, 3 de outubro de 2011

liberdade

peixe não nada em aquário, passáro não voa em gaiola, cachorro não corre em canil, homem não ama em apartamento.

encontro fabricado

cobriu o corpo com um cachecol, ajustou a mochila nas asas e seguiu na direção das ruas, acendeu as velas quando o escurecer das coisas tornou seus pés receosos do próximo passo, enxergou sombras num filme preto e branco debaixo da madrugada, a luz que ela segurava nas mãos era suficiente para iluminar o necessário aos olhos, focava no que lhe era atingível com o corpo, não era daquelas que suportava o amor trancado no baú do sotão, precisava de pele, foi quando avistou um cais, era ele, na mesma rua que ela, porém em direção oposta, correu então para chegar antes do encontro, mudou a posição das setas, e contou estórias de coincidências fabricadas em destinos, forjara o próprio amanhã, desperdiçara os segundos que aconteciam agora, encolhera todos os sonhos até caberem todos dentro da caixinha pequena de planos encomendados para os dias invariavelmente imprevisíveis, tornara-se meta.

noite que virou lenda

sentamos nas janelas do céu, e nos desmembramos em estrelas cadentes a espera de olhos pra congelá-las, falamos das coisas mais importantes da vida, combinamos listras com bolinhas, e quando nos demos conta já era dia, e o mundo real nos fazia convites pra amanhecer no seu compasso, sempre tão destoante do nosso.

muros de invenção

despedira das asas quando percebera seu corpo encaixando no dele, não era um adeus, era uma espécie de transição para um aconchego que equilibrava o seu ar, construira mundos inteiros pra acreditar na história com começo, meio, e sem fim, mas os dias eram estupidamente avessos aos muros de invenção, não respeitavam o tempo da gestação, abortavam os desejos sem raízes que pudessem suportar as vontades, então apesar de toda construção, ela mesma já não acreditava nos passos em vão, e ainda assim continuava a caminhada sem distância percorrida, no mesmo ponto de chegada...

domingo, 2 de outubro de 2011

resposta do tempo

uma hora ou outra desbota a cor da tinta pintando paredes, uma hora ou outra a fruta desmancha seu sabor em função do tempo mais veloz que sua eternidade, uma hora ou outra a tecnologia pára de responder e convence que outra melhor que ela já encontra-se nas prateleiras por detrás das vitrines, uma hora ou outra o corpo diminui o ritmo e a vida lá fora continua a acelerar, o bonito disso, é que uma hora ou outra a pétala se encolhe por reconhecer os limites das estações, o bonito disso, é que o céu responde sempre a altura do movimento das coisas da terra, e difícil é compreender esta resposta, o bonito disso, é que um olhar encontrando outro explica quase todas as coisas, e o excesso de perguntas é o mesmo que não sentir o corpo inteiro pulsando desde que ele apareceu.

terça-feira, 27 de setembro de 2011

óculos poético

abri a janela,
vi um carro atravessando a curva,
abri um livro-verso,
acordei os poros que me contornam,
abri a janela,
vi poesia.

a minha permanente primavera

quando a natureza começa a se colorir, percebo que nem sempre há primavera, por mais beleza que possa existir nas pétalas, nem sempre elas estarão desabrochando nos jardins, mas, apesar da finutude dessas novas cores, é sempre possível plantar, ainda que poucas, algumas flores debaixo da minha janela, o tempo lá fora não é capaz de impedir colheitas assim, pois primaveras podem ser parte de qualquer estação.

quarta-feira, 14 de setembro de 2011

nosso primeiro verão

onda que vai e vem, gota de oceano, sol de verão, cerveja suando o brinde, brisa do mar encontrando a pele, sunga e biquine, liberdade do corpo, pés calçados de areia, cabelos penteados pelo vento, orgasmo numa praia só nossa, lua de enfeite, estrelas como cúmplices, prosa enrolada na rede pra entardecer, e amor pra amanhecer. que venha dezembro!

ledo engano

do mundo, ela ficara com um pedaço, construiu muros, fez crescer paredes, e pra não se fechar demais, abriu janelas.

do mundo, ela escolhera alguém, também construiu muros, também fez crescer paredes, acontece que na hora das janelas ela acabou esquecendo de olhar lá pra fora...

quarta-feira, 7 de setembro de 2011

que sorte a minha

e se eu tivesse ido a outro lugar, e se eu tivesse chegado 10 minutos mais tarde, e se eu tivesse conversado com outra pessoa, e se meus planos nunca chegassem a Sabará, teríamos nos encontrado ainda assim? estaríamos hoje nesta mesma história? não acredito em coincidências, tampouco em acasos, nossas escolhas alcançam nossos passos, e por sorte, em meio a toda essa multidão eu encontrei um pedaço de mundo pra compor o meu.

segunda-feira, 5 de setembro de 2011

isto é bom ou ruim?

ainda que fossem dois, havia sempre outras possibilidades.
ainda que fossem dois, não representavam a soma final.

alívio imediato

começou pelo rosto, há quanto tempo não sentia o passear da pele, esticou as mãos até caber inteira no próprio carinho, apertou os sentidos pra perceber os poros esquecidos pelo tempo, debaixo da janela surgiu um espiral de vento que ocupou os espaços vazios e a fez fechar bem forte os olhos, transformando aquela brisa em furação de arrepios pelo corpo, agradeceu pela sensibilidade daqueles segundos tão passageiros, tentou se manter dentro deste instante o maior espaço de tempo, levou então as mãos até os braços e se escondeu em torno de si mesma, abraçou-se com saudade dos diálogos do corpo, caminhou até as pernas, encontrou cada dedo, subiu até os ombros e percebeu a tensão absorvida lá de fora, foi retirando cada dor desnecessária, apertando profundamente cada centímetro da sua trilha, até alcançar um corpo de pés encostando o solo mas enxergando nuvens debaixo deles.

sábado, 3 de setembro de 2011

saudade as vezes vem em forma de rio, sem mar pra desaguar, acumula-se, arrebenta.

desejos do capitalismo

a minha sobrevivência tem um preço, e alto! meu corpo depende de alimentos, e estes alimentos estão espalhados pelas prateleiras do capitalismo. enquanto o sistema estimula os gostos, sabores, requintes, luxo, a condição financeira da maioria permite apenas o necessário para dar continuidade a própria vida. é fácil se perder nas possibilidades de um supermercado, cada seção nos convida. é estranho pensar que os desejos não podem ser realizados por uma questão econômica, desejos estes inventados pelo próprio capital. o homem se quer domina as próprias vontades. por isso, evito tanto ultrapassar as portas de qualquer empresa que trabalhe com vendas. também faço parte deste sistema, também compro, mas busco, o máximo que posso, escolher as minhas transações financeiras. tento não trocar cifrões por mentiras, por excessos, por um consumo esvaziado. tento preencher os meus desejos fora do mercado, inventando-os a minha maneira.

sexta-feira, 2 de setembro de 2011

esta é a minha lei

decretava em tom de lei a proibição das casas sem teto, dos pés sem chinelos, do corpo sem alimento, do inverno sem o verão, da voz sem escuta, do desejo sem a necessidade. decretava a verdade, sem mentiras contadas por cifrões, decretava a nudez, sem roupas pra tornar distante a essência. decretava a autoridade da poesia, da música, dos pincéis, das curvas do corpo em movimento, da dança, dos olhos encontrando outros olhos, da mãos percorrendo a pele. decretava o fim dos sentimentos que extrapolavam o corpo, não sobrava espaço para o ódio, violência, inveja. decratava a obrigatoriedade do amor, em qualquer medida, a qualquer tempo, de qualquer forma. decretava a própria lei.

primavera

e me contava histórias de um mundo bonito, de casas de um cômodo só, de gente dotada de asa voando muito além dos muros de outrora, de jardins colorindo os berços das vidas iniciantes, de madrugadas preenchidas de prosa na varanda próxima da lua cheia, de tardes lambuzadas de brigadeiro contornado de desejos das crianças aguardando o doce da vovó, de manhãs começando no mesmo instante do amanhecer do tempo, de um vento que ao tocar a pele a abraçava inteira em tom de arrepio, de livros que se transformavam em verdades nas noites de estórias... me contava histórias de um mundo bonito que existia debaixo das suas retinas, e sorte foi a minha e poder pegar emprestado esses olhos de menino que enxergam flores em qualquer estação.

quarta-feira, 31 de agosto de 2011

e se eu quiser pular?

as tantas páginas de livros me afastam da possibilidade de escrevê-los, enquanto me debruço nas linhas intermináveis de outrens as paredes permanecem maiores que a imensidão lá de fora, os textos vedam meus olhos para as imagens que eu poderia sentir no mesmo instante da leitura das retinas, e simultâneo a isso, as letras impressas me emprestam óculos que eu desconhecia, e me deixam a beira do abismo com tamanha nitidez da altura.

terça-feira, 30 de agosto de 2011

lembranças

nos dias de ontem ele se confundira com ela, ao ponto de não perceber a sua presença diária, quando então ela começara a seguir sem ele, o menino percebeu a falta dela, como se de repente tivesse perdido algo que lhe parecesse seu, nos dias depois de ontem o menino começara a inventá-la nas molduras das outras meninas que conhecia, e na impossibilidade de repetir por duas vezes uma só pétala ele a procurava discretamente, como que por descuido do tempo que não os colocava nos mesmos instantes como outrora, agora ele a percebia em toda a sua ausência, e esta era a sua maior presença.

sábado, 20 de agosto de 2011

pra não deixar morrer na tela

em um dia me apaixono mil vezes por você, vou colar a sua vida no meu mural, quero poder ler você diariamente, e pra não dizer que não falei das flores, queria falar de amor, queria falar das coisas bonitas que seus olhos me contam em segredos velados pela madrugada, ah menino, você me poetiza, é quase um surto, e se você aqui estivesse tomaríamos juntos a nossa dose de loucura, e sãos que não somos pularíamos da ponte mais alta, só pra ver nascer as suas asas de gavião, assim eu escrevo o nosso livro, apenas pra não correr o risco de ver desbotar em páginas amarelas toda essa nossa história.

sexta-feira, 19 de agosto de 2011

idas e vindas

e quando eu te perco tenho vontade de nunca ter atravessado um caminho que não era o meu, te perco tantas vezes, em tantos dias, a gente se perde um do outro tão constantemente que me pergunto qual é o fio da linha que nos ata, e aí quando vejo você me escorrer pelo canto dos olhos eu prefiro voltar pro meu esconderijo, onde ninguém descobrirá o meu imenso desejo de guardá-lo pra todo o sempre em uma caixinha.
o domínio das leis é a melhor forma de cometer crimes dentro da legalidade

quarta-feira, 17 de agosto de 2011

melodrama

os dias com ele não cabem entre as 24 horas do relógio,
já os dias sem ele cabem repetidas vezes nos segundos dos ponteiros.

quinta-feira, 11 de agosto de 2011

história construída a quatro mãos

desconhecidos que eramos começamos a trocar pedaços de história, eu atrás da mesa como quem sabe pra onde se deve ir depois que se atravessa a porta, ele sentado na minha frente como quem precisa sair dali com um mapa dos dias seguintes, desconhecidos trocando intimidades urgentes, não fosse a pausa do meu relógio ele passaria como estatística, quanta responsabilidade esta de ver passar diante dos meus olhos caminhos tão distantes, e ser exatamente essa distância aquilo que nos aproxima.

quarta-feira, 10 de agosto de 2011

tenho todas as coisas

a sensação de posse mente sobre a nossa relação, mesquinharia do ser humano pensar que só possui aquilo que é de sua propriedade, a gente tem todas as coisas que sente, tudo aquilo que vejo é por consequência parte do meu universo particular, sendo assim tenho todas as coisas, mas não como dona, descarto aqui as cercas de arames farpados envolvidas de proibições, coloco em comunhão os meus pertences, todos, inclusive eu mesma, é bom pertencer a outros mundos, é melhor que eu entenda isso perfeitamente, pra evitar invenções de histórias de gente guardada em caixas.

terça-feira, 9 de agosto de 2011

da única certeza

talvez ela nunca saísse da ponte, talvez essa fosse a maior certeza: o risco permanente da queda, talvez fosse exatamente essa insegurança que a fizesse segurar tão firme em qualquer miragem de cais, talvez por isso de uns tempos pra cá ela tivesse começado a caminhar no centro dos seus desejos, talvez assim ela jamais deixasse de seguir, cada vez pra mais perto de si mesma.

sexta-feira, 5 de agosto de 2011

são muitas as urgências

enquanto vivíamos no mesmo canto do mundo, Nicole crescia atrás dos muros que nós inventamos pra cegar os olhos, justo eu que recebera do coração de mãe o presente pra ser madrinha, fico pensando nas molduras que escolho pros dias que vem e vão, nos sentimentos urgentes que me movem incansavelmente, percebo quanto tempo eu reservo para as letras guardadas em papéis e em lábios de gente vivida, mais da metade da história que me contem vem emendada nas histórias de outros tantos personagens, e apesar disto continuo escrevendo por detrás desta tela que me esconde da realidade que afirmo enfrentar.

quinta-feira, 4 de agosto de 2011

domingo, 24 de julho de 2011

boa noite, meu bem

gosto quando, depois do sono, você me procura pela madrugada, encosta sua pele na minha e nos mantem abraçados por pedaços nossos, fico procurando neste escuro esquinas de luz que me permitam enxergar seu rosto, tão lindo aos cuidados dos sonhos, imagino quais histórias você vive debaixo da lua e acabo por sonhar ao lado seu...

quinta-feira, 21 de julho de 2011

sabedoria de um coração

arrancou o coração do peito e o colocou sob a tábua, sangrava tanto que era urgente estancar o vermelho que gritava por um novo olhar, controlou o fluxo, mas era impossível dominar as pulsações, começou então a costurar as partes que ficavam abertas, demorou tanto que precisou de vários rolos de linha até esgotar as possibilidades, nas batidas seguintes o coração sentiu dificuldade para bater, estava espremido, contido, remendado, mas aos poucos o coração foi aprendendo a falar devagar, mais silenciosamente, até encontrar formas de abrir espaços para novas histórias, e foi assim, sem perceber, que o coração acordou sem cicatriz e sem qualquer vestígio de costura, coração não guarda os machucados, coração sabe porque bater...

quarta-feira, 20 de julho de 2011

você ao meu modo

tentava tirá-lo de dentro dela e colocá-lo entre letras espalhadas nas cartas, tentava de alguma forma materializá-lo, descrevia o contorno dos lábios dele como se fossem histórias de uma vida inteira, contava para os tantos pedaços de papel o cheiro que os dias dele deixavam, lia trechos e apaixonava-se pelo personagem que ali se desenrolava, não era possível evitar que seus olhos o criassem ao seu modo, ele chevaga a ultrapassar a realidade, e tinha momentos que só ela sabia da existência...

terça-feira, 12 de julho de 2011

verbos do presente

cobriu-se de petátas de girassol pra me receber em um dia azul cor de céu. pausou o tempo que não parava de correr nas fotos que seus olhos descobriam. interrompeu o passar das horas numa contagem cuja ordem era o desejo. levou-me pra viajar num trem sem trilhos, com paradas permanentes nas histórias de outrora. dividiu comigo os verbos do presente. em plena segunda-feira me apresentou o lugar mais alto da cidade, nos aconchegamos nas nuvens, e nos embriagamos dos raios de sol que nos coloriam da saudade prestes a chegar. dias sem roteiro, pra ela que queria ser atriz. pai, mãe, irmã e sobrinho pingavam gotas de sangue nas minhas veias, que agradeciam o calor dos abraços. despedi-me sabendo que roubava dali toda a delícia de ser primavera. nada ficou pra trás, pra gente restou todo o amor do mundo.

sábado, 9 de julho de 2011

em toda viagem é sempre muito difícil decidir qual parte da gente vai e qual pedaço da gente fica... ir inteira não me é possível, é que o caminho vai guardando histórias minhas...

quinta-feira, 7 de julho de 2011

continuidade

quando olhava pra baixo: vertigem. quando olhava pra cima: desejo.
é que já estava tão alto que descer seria queda, mas subir seria caminhada.

sonho fértil

depois de tanto escutar fui perguntar qual era o sonho dele, olhando pra janela que não havia ele respondeu que era morar em um lugar que ele pudesse plantar e colher, e isso era tudo, sonho grande.

quarta-feira, 6 de julho de 2011

são tantos os caminhos...

dava a estranha sensação de cegueira, os olhos alcançavam tão pouco afinal, já o mundo era grande demais para os limites das retinas, e insistir em permanecer ali entre imagens já captadas parecia o mesmo que cercar a chance de uma nova esquina, era tão imenso o caminho que o próprio caminhar era fonte inesgotável, mas caminhando se falseava a idéia da busca do outro lado da montanha, mesmo que soubesse que o outro lado seria o início de outra direção, gostoso era quando encontrava corredores nunca antes imaginados e se defrontava com os muros que acreditava serem o único contorno possível, descobria a todo instante que a vida era invenção do homem, e que ela também podia inventar a sua...

quarta-feira, 29 de junho de 2011

isso que dá me pendurar inteira num pedaço grande de coração


Ilustração: Fabiana Batista
qualquer que seja o solo
será sempre fértil
se as sementes forem de amor


Ilustração: Fabiana Batista

verdade existe?

verdade mesmo, nunca ouvi falar, já me contaram histórias interpretadas pelas retinas, escritas em páginas de papel ou em poros humanos, mas verdade mesmo nunca me contaram, muitos foram os que me trouxeram fatos polidos pela crença de que a verdade não pode ser dita, porque verdade cada um vai criando a sua, e nesta invenção há que tome posse da verdade anterior a sua, contando, a partir de então, a própria verdade, e nessas tantas verdades que passam de mão em mão eu me pergunto se haverá por detrás de todas elas uma verdade com tom de realidade.

terça-feira, 21 de junho de 2011

quando se encontram

quando Seu Antônio viu Dona Ana passar do outro lado da rua acenou com uma das mãos o seu querer, atravessou a margem de asfalto e abraçou-a até que as mãos cobrissem toda a pele, pra logo em seguida olhá-la com lentes que aumentam a beleza das coisas, e agradecer em forma de beijo mergulhado nas fartas bochechas de Dona Ana.
o sofrimento é o próprio gozo.

domingo, 19 de junho de 2011

são tantas as estações...

beija-flor fica sem lar
quando o vento tira a petála pra dançar

sede de...

vontade de me vestir inteira de preto beirando as curvas, contornar de vermelho latejante os lábios que encontram outros, desejo de me perder na surdez do som no último volume, dançar até que o corpo se transforme em cordas de violão que alguém escolha tocar, vontade de voltar atrás e rasgar as páginas antes da leitura, descer a montanha e pensar que o céu é o limite, desejo de acreditar na embriaguez de um copo de álcool, e deslizar meus pensamentos em um mundo ainda tão utópico, vontade de pendurar o sol e a lua no brindar das taças, e desmanchar as interrogações ininterruptas, desejo de nunca ter saído do meu quarto e entrado em tantos outros, ao ponto de não me reconhecer na minha própria história, vontade de construir um caminho mais tranquilo, desenhado no mapa, desejo de ter ninho e ter sentido.

reprodução...

toda vez que chegava na curva, derrapava, tal era a velocidade, sedenta por um novo modelo de Estado a menina percorria desenfreadamente as possibilidades, e a mínima fresta de luz a fazia acelerar os movimentos, mas se desmanchava nas incansáveis reticências, não havia ainda um projeto que se sustentasse, e mais do que isso, não havia ainda muitos pés que a acompanhassem, os diálogos, muitas vezes, aconteciam quando a menina já estava sozinha, conversava com as próprias idéias, buscava um caminho que a levasse pra outra lógica, e no dia seguinte acordava, seguia pro trabalho, e toda a utopia se desfazia entre as poucas janelas que permitiam enxergar lá fora.

quinta-feira, 16 de junho de 2011

segunda-feira, 13 de junho de 2011

nova morada

não é sempre que passarinho quer voar
há tempos de pousos de morar debaixo do verbo amar
passarinho também quer outra asa pra guardar a sua
passarinho sabe que certos pousos são os maiores vôos

domingo, 12 de junho de 2011

corpo a corpo

sentir você assim tão perto me faz chegar mais perto de mim, é que quando você deita seu corpo no meu, eu sinto o meu corpo mais profundamente, é que quando você entra nas histórias que são minhas eu paro de escrever sozinha e chego até a sentir o meu cheiro misturado ao seu, e as mentiras que eu contava antes ficaram pra trás, hoje eu sei, que se você me olha você enxerga a mim, é verdade meu bem, seus olhos não mentem.

quinta-feira, 9 de junho de 2011

próximos capítulos

mais que palavras, dê-me verdades, despeje seus poros dentro dos meus, tire a sua roupa e a sua história, nesta noite quero a nudez dos olhos seus, se prepare, porque vou te pedir aqueles versos que você ainda não escreveu, e nem poderia, não sou projeção sua, meu bem, sou realidade.

segunda-feira, 6 de junho de 2011

diz a lenda que todo amor é pra sempre, mas como saber se é amor aquilo que nos pulsa?

sábado, 4 de junho de 2011

ela, autora da própria biografia

coragem não é assim tão descabida, preenchida de incoerência, do outro lado da rua os ouvi comentando da coragem dela de seguir adiante numa trilha sem porto de chegada, talvez dissessem isso tal era o medo deles de viver em alto mar, mas ela não era simplesmente corajosa, ela sabia dos seus porquês, e saber as razões nos permite avançar para além das fronteiras que nos contam existir, são tantas histórias inventadas pra nós, que é um perigo quando descobrimos ser o mundo um infinito de possibilidades muito maiores que os capítulos já lidos, nos descobrir autores nos faz descer do palco e se quer precisar de platéia.

quarta-feira, 1 de junho de 2011

meu relógio sem ponteiros

alguns dirão que ela chegou antes, outros que chegou depois, ou até mesmo que chegou na hora, dirão que está atrasada, ou adiantada, inclusive, pontual, mas ela sabe que a verdade é que qualquer que seja a hora de chegada será sempre a hora exata do seu tempo.

segunda-feira, 30 de maio de 2011

mania de planos

beijo pressupõe futuro? namoro pressupõe amanhã? não seriam os dias depois de hoje uma mera consequência? as pessoas não são projetos nossos, não são desenhos com espaços em branco pra se colorir os detalhes escolhidos, pessoas nos chegam prontas, não acabadas, mas nos chegam com um contorno. de quê serve essa mania de projetar nos outros desejos que são nossos? assim não há outros, mas um prolongamento de si mesmo, com infinitos espelhos refletindo outros desfocados.

sábado, 28 de maio de 2011

mãos miúdas

e quando eu te abraço por mais que eu me estique inteira não há corpo que envolva por completo o seu, minhas mãos se tornam miúdas entre tantos camminhos de pele, até meus olhos se perdem entre ângulos que deixam escapar detalhes, você é imenso, não há palavra que te caiba, não há vida que te sacie.

sexta-feira, 20 de maio de 2011

livros de mim mesma

se me possível fosse morar em uma biblioteca eu passaria a maior parte do meu tempo debruçada nas literaturas dos outros, alguns anos eu reservaria pra Clarice Lispector, lendo, relendo, ao ponto de me fazer personagem das estrelas que ela desenhou em certa hora, se me possível fosse morar entre os andares povoados de histórias eu visitaria nos fins de semana a vizinhança que me é desconhecida, abriria a porta de um livro e pediria intimidade, por vezes iria longe, nos lugares que meus pés não alcançariam de imediato, outras vezes olharia pro lado, para coisas parecidas com as minhas, tão diferentes das minhas, iria caminhar muito entre as tantas palavras de outrora, faria minha pele ler também, arrepiando-se, e quando já não houvesse capas intocadas eu me poria a ler novamente as letras estáticas que acabam se transformando nas folhas, e pra morrer, pra aliviar toda a incompreensão da vida que se segue eu fecharia meus olhos na doçura de Fernando Pessoa, pra assim poder morrer poeticamente...

terça-feira, 17 de maio de 2011

eu que não pertenço a mim mesma

o que eu olho, me olha no mesmo instante, o meu olhar não é meu, é coletivo, social, construído, assim que olho nos olhos dele e me vejo refletida em sua pupila eu me transformo, modifico o meu olhar, que se torna nosso, conjunto, plural, no mínimo dois, assim não há como chamar nada de meu, não há como me separar de tudo aquilo que me envolve, mais difícil ainda é encontrar nisso tudo aquilo que sou eu de fato, aquilo que eu seria se nada disso me contornasse, por isso fico tentando descobrir se há em cada um de nós algo que nos pertença realmente, algo que nos seja inerente, tal qual a natureza da pele, pode ser, mas dia após dia eu me convenço mais da nossa completa alienação de nós mesmos.

segunda-feira, 16 de maio de 2011

espelhos no céu

será que no céu existem espelhos? fiquei pensando se em alguma das tantas madrugadas, a lua, toda cheia de si, pôde se ver refletida. talvez nas noites de luar, quando o mar se coloca a navegar, deixando a sombra da lua tocar o sal das águas. mas ao mesmo tempo me perguntei se em meio a toda aquela luz seria necessário duplicar a si mesma pra constatar tamanha beleza. acho que na verdade beleza se espalha e um espelho não é capaz de absorver se quer metade dela...

domingo, 15 de maio de 2011

boa tarde Faustão!

moravam quatro pessoas no apartamento que tinha cinco televisões, acho que por ali a tela falava mais que as pessoas, o silêncio era de tal forma desconfortável que ligar a tv aliviava a falta de assunto entre aqueles que ali moravam, e quando estas pessoas conversavam era porque a tv com elas comunicava. eu só queria que essas pessoas soubessem que a tv é miniatura do mundo.

notícias particulares

quando o mundo se globalizou eu quis voltar pra roça da minha avó, num lugar sem cep e sem luz. achei excessiva aquela quantidade de linhas informando os feitos das esquinas desenhadas no mapa. rasguei os pedaços de jornal e desliguei a tv. era suficiente dar conta dos corredores que eu podia ver. não fazia sentido saber das coisas do lado de lá, estas coisas me afastavam do vizinho da porta da frente, que eu conhecia menos que o povo de um país distante. comecei então a saber mais da vida que ali acontecia, preferia meus pés mergulhados na realidade a um amontoado de informação colorindo a tela da tv. não queria saber falar da política norte americana, mas me importava muito saber dos sonhos de alguém. inclusive ontem encontrei pela praça um vendedor de poesia que vivia em torno do próprio círculo. Aurélio sabia das necessidades que lhe pertenciam, das necessidades que os separavam da eternidade, Aurélio se disse desmaterializado, possuidor de seu corpo, e principalmente de sua mente, a qual ele não aceitava colocar na prateleira de uma loja a troco de fatias de dinheiro. realmente, os cifrões nos distanciam daquilo que nos contém, compramos objetos que pensamos precisar, mal sabemos nós que nosso corpo tem fome, mas é fome de alma.

não posso fechar os olhos

enrolada entre os fios dos seus poros eu me costurava em dois, tentava atar um nó suficiente pra todo o sempre, não importava se amanhã já fosse passado, os planos foram ficando pra depois, pra um dia que talvez nunca chegaria, importante era aquele agora juntando nossos retalhos de outrora, vestia-me de você, a minha nudez encontrava a sua e era inevitável a nossa fusão, evitava perder seus olhos encontrando os meus sem hora marcada, nos nossos tantos acasos, perfumava-me inteira do seu sabor, percorria o caminho do seu desejo até alcançar o gozo, pedia pra não amanhecer, pra noite caber no nosso tempo, mas já não nos era possível esconder o sol, ele escandalizava a despedida, o início da nossa saudade.

conclusões

1 - amor pode doer.

2 - as crianças amam mais.

3 - o amor é uma escolha.

quinta-feira, 12 de maio de 2011

noite de lua

era madrugada e ao abrir a janela do quarto Pedro achou estranho aquele pedaço de lua encostando nos seus olhos. subiu na ponta crescente que o cutucava e decidiu esperar ali até que a lua se enchesse dela mesma. viu então uma estrela fazendo convites pra chegar do lado de lá, era cadente, e carregava na velocidade a pressa dos desejos. achou melhor então continuar ali... nas quatro fases permanentes.

domingo, 8 de maio de 2011

abrindo a porteira

até pouco tempo atrás as árvores cruzavam o caminho que levava até a morada de seu Antônio, não havia estrada indicando a seta, o caminhar era guiado pelas formas da natureza, pelas curvas do rio, pelo movimentar da terra. a morada fora construída pra caber toda a infância, com espaços livres pra qualquer brincadeira. a varanda era tudo que contornava as paredes, e era portanto o mundo inteiro. naquela redondeza não havia vizinho ao lado, as prosas debaixo do entardecer eram acompanhadas de uma longa travessia até a casa de Dona Madalena. seu Antônio acordava antes do dia, vestia os pés com a botina e a cabeça com o chápeu de palha. antes de sair tomava um copo de café, que sua mulher Ângela preparara antes de fechar os olhos. trabalhava no seu pedaço de mundo, cuidava da boiada, semeava a plantação. voltava com o sol de meio-dia, e antes mesmo do ranger da porta já sentia o cheiro dos sabores diários de Dona Ângela. era uma história escrita pela enxada, pelo leite de vaca, pelas mãos gastas, pelos horários marcados pelo sol, pelo resumo de uma vida que brotava inteira da terra.

sábado, 7 de maio de 2011

metamorfose do corpo

e quando se modifica o corpo se tem a sensação de que se aproxima de si mesmo ao mesmo tempo que se distancia dos outros, se constrói a diferença, liberdade individual, como se o corpo não nascesse pronto, mas a espera da melhor lapidação.

num bater de asas

ontem passarinho pousou na minha janela e me emprestou seu par de asas. em poucos segundos fui parar lá em cima de onde as coisas lá de baixo ficam pequeninas. voando tem-se a sensação de que perto são os desejos que queremos realizar, basta um bater de asas pra se chegar lá longe, bem ao lado da sua vontade. acontece que nestes instantes de passarinho eu acabei não indo muito distante dos passos de outrora, é que já fazia um tempo que as coisas do lado de lá moravam todas dentro de mim.

quinta-feira, 5 de maio de 2011

pra sonhar bem grande...

mora em um lugar que chama de seu, mas sem endereço, as cartas por lá não chegam. o aluguel é R$50,00. a luz vem por gato. a água chega a partir de um vizinho. gás é luxo, a comida é preparada com as possibilidades da água fervendo em um ebulidor. a renda existe, R$20,00 por mês, soma das latinhas encontradas nos lixos. ajuda e muito o bolsa-família, acrescenta R$180,00. o sonho desta mulher? um dia poder comprar um vaso com flores pra decorar a sua entrada em seu pedaço de mundo. sonho grande, sonho de toda primavera...

quarta-feira, 4 de maio de 2011

o trabalho de cada um

o trabalho é a minha forma de agir no mundo, é a minha tomada de consciência, é o negar da alienação, é a minha pequena fatia de intervenção, o meu trabalho é aquilo que faz do mundo um espaço inacabado e transpõe para as minhas ações a possibilidade de transformação. o trabalho não pode ser uma peça a mais da roda que a faz girar, o trabalho é um processo racional, é o poder de cada indivíduo de agir neste espaço que é nosso. o trabalho por sobrevivência retira toda a capacidade crítica do ser humano, limitando a sua ação a uma mera reprodução de interesses capitalistas. o trabalho é um eixo central e moralizante na sociedade brasileira, que coloca como vagabundos aqueles que não se inserem nesta lógica. mas esta lógica não parece interessante para um certo grupo da população, que por forças maiores, por uma leviana tentativa de ser parte, padronizando-se então, vai buscar o seu sentido nas fronteiras da legalidade. e quando aí se colocam não demora muito o escandalizar da lei, ditando a forma ideal de agir, ainda que as ações não sejam livres o suficiente. a lei padroniza, mas as oportunidades são desiguais. e nesta contradição latente eu me pergunto se sou eu, enquanto futura assistente social, quem deve libertar ou quem deve massificar o sujeito? e considerando que a ilegalidade é uma construção social, não será o ultrapassar das normas uma opção legítima de agir no mundo?

terça-feira, 3 de maio de 2011

"e até quem me vê, lendo jornal na fila do pão, sabe que eu te encontrei"


só pra confessar publicamente que eu não resisti e acabei atravessando a linha que me separava do lado de lá...

sexta-feira, 29 de abril de 2011

o fim é o retorno ao começo

por sorte o menino nascera na melhor das fases: na infância. por um bom período ele ainda poderia se dar ao luxo de ser criança, mas não tinha escapatória. quando este menino alcançasse a fronteira ele já não poderia ser o que fora, ainda que soubesse da tão obvia regressão: criança, adolescente, jovem, adulto, idoso, criança outra vez. o mundo era redondo. o homem também. era a vontade de nascer, era o que ficava no final de tudo, depois de tantas peneiras a seleção da melhor fase acontecia. era um ciclo que terminava no começo, pois pense bem se o outono não é a vontade da planta em ser primavera mais uma vez?

pintura anônima

depois dela, não haveria outra. coubera perfeitamente naquela lacuna entre a loucura e a janela lateral. cobria-se de elegância por detrás da fumaça do cigarro, que mais tarde se confundira com a neblina trazida pelas montanhas. escondia os olhos, afinal não podia se entregar assim tão facilmente, então guardava sentidos atrás das lentes escuras dos óculos. os olhos eu diria que muitas vezes nem olhavam tal era a liberdade do esconderijo. por descuido ou cansaço das cores que as lentes a impediam de ver ela deixou aparecer os olhos, e em torno dos olhos deixou gritar uma sombra escura própria de olhos que não dormem. entregou-se, facilmente. os olhos dela pouco descansavam, eis a razão para conter os reflexos da madrugada. os cabelos escorriam em torno do seu rosto pintado de branco aveludado, e nas pontas, nos instantes próximos do fim, os fios se rebelavam entre curvas de direções opostas. nos pés um allstar que velejava por marés de ondas ininterruptas, ela parecia desaguar a todo momento. e nesta noite que eu a pintei com minhas retinas ela me contou um segredo, cochichou que pele era corpo a espera de outro, e passou a lua inteira debaixo dos carinhos de alguém...

terça-feira, 26 de abril de 2011

quase lá

eu percebo cada gesto seu, e sei que desde que nos encontramos os móveis mudaram de lugar, como se o espaço que as coisas ocuparam perdesse o sentido por um instante, e se tornasse urgente o movimentar das coisas de antes pra transformá-las no agora, eu percebo tudo isso, vejo você guardando histórias nos cantos da casa, trancando fotos na última gaveta, rasgando resquícios de laços antigos e escondendo debaixo do tapete da sala, tudo isso pra me dar mais fôlego, pra deixar o espaço mais livre pra eu respirar, quase o seu quarto inteiro só pra mim, eu quase posso continuar o impulso e correr metros de possibilidades, mas sou precavida, paro no quase, só pra não ter que me resgatar lá atrás.

segunda-feira, 25 de abril de 2011

quando se está apaixonada é assim mesmo

diziam por aí que agora ela estava mais bonita, perguntavam se era algo novo, um corte de cabelo diferente, se havia emagrecido, comprado uma outra maquiagem, mas não desconfiavam que beleza mesmo nasce é nos olhos, e que com olhos brilhando coisas do coração não há pele que não escancare toda essa beleza...

um querer inquietante

ele fingia não ver a alça do vestido caindo pelo ombro dela, enquanto ela implorava para que caísse um pouco além da alça, ele procurava entre os fios de cabelos longos dela um pedaço de pele pra espiar antes da madrugada, ela fechava os olhos desejando que ele a encontrasse nas curvas de seu caminho, quando a beijava ele segurava o rosto dela com mãos de certeza, e sentindo isso ela se desmontava inteira com a pouca certeza que tinha, e desde então era assim, um tal de querer e não saber porquê queria, um tal de querer e ao abrir os olhos duvidar do próprio querer, um tal de não querer ter dentro de si mesma essa tal batida remando contra toda a própria maré...

sexta-feira, 22 de abril de 2011

tarde na casa de Dona Beatriz

a mesa se vestia de xadrez, a chaleira ficava ao centro com o dançar de sua fumaça, as xícaras aguardavam ansiosas pelo chá de erva doce, o pão de queijo começava a cheirar e as senhoras ao redor da mesa comentavam das delicadezas de Dona Beatriz. havia algumas cestinhas espalhadas por ali, dentro delas biscoitinhos feitos no dia anterior para receber as amigas. era diferente o sabor das delícias feitas pelas mãos de Dona Beatriz, era como comer pequenas doses de amor.

segunda-feira, 18 de abril de 2011

minha forma de dizer que sim

deita aqui que hoje eu quero te contar a nossa história. esqueça o que lá fora ainda existe, agora eu quero o seu resumo, as palavras principais, quero você inteiro entre aspas. deita aqui que eu quero falar os textos que meus olhos não me deixam negar, quero contar que eu aceito o seu beijo como poesia ditada pelos lábios. é a minha maneira de dizer que sim, porque seria muito pobre se eu dissesse simplesmente. evito o clarão, e vou parar naquela sombra. deixo-me na divisa, há sempre o risco de querer voltar, apesar de que a caminhada se faz longa, e eu costumo me perder nos caminhos.

falência dos bancos

prefiro muito mais a sua pele do que todos os pedaços de panos que você possa comprar. queria que entendesse que você está muito mais nas curvas que lhe contornam do que nas coisas que você se enxerga. difícil isso de estar nu, dá a sensação de falta, ausência, impotência. mera contradição dos homens, que sem poderem dimensionar acabaram transformando a natureza em objeto de consumo. mas eu sei que há vida além dos cifrões, aliás, há muito mais vida quando a gente se confunde com a terra que nos sustenta.

domingo, 17 de abril de 2011

casaco de verão

quanto mais a madrugada acontecia maior era o frio que entrava pela janela do quarto dele. e mesmo que o vento que vinha me buscar fosse gelado eu quis deixar a minha pele exposta. ele pensou que pele era uma coisa só e no meio da noite cobriu meus braços com seu casaco de calor em tempos assim. eu tenho aceitado essas pequenas doses de amor contidas em gestos miúdos. foi então que o frio que antes era imagem passou a ser realidade nos meus poros. encolhi-me inteira dentro do casaco, até caber por completo em sua temperatura. fiz-me um pouco de verão, e quando fui despedir quis levar esse pedaço de sol comigo. chegando na minha fatia de mundo o dia amanhecia amarelo, mas eu continuei insistindo no frio que fazia debaixo do casaco. antes de dormir um presente, descobri o cheiro dele espalhado pela roupa. fechei os olhos e perfumei então os sonhos do nosso amanhã.

quinta-feira, 14 de abril de 2011

disfarce

quanto maior a sua defesa, maior a sua fragilidade, quanto mais você se afasta, mais eu me aproximo. natureza é força, armas são fraquezas. com tantos escudos assim, não há proteção que lhe alcance.

quarta-feira, 13 de abril de 2011

boa noite, meu bem

é bom pensar que quando eu fechar meus olhos eu posso me guardar inteira dentro de você. faço isso toda noite. eu espero esses minutos antes do sono chegar só pra abrir o baú da nossa história, vou tirando encontro por encontro, até parecer realidade, até chegar em um instante que as lembranças alcançam a pele e você vem me fazer companhia. já até perdi a conta das madrugadas que dormi ao lado seu...

terça-feira, 12 de abril de 2011

quando vi você passar...

vi você por aqui, podia jurar que era você, e nesse meu querer que fosse você de fato, acabou sendo, afinal os meus olhos também criam estórias.

segunda-feira, 11 de abril de 2011

o outro que não sou eu

- queria falar do Will.
- está indo bem?
- acho que sim.
- já discutiram sobre o futuro?
- ainda estamos no passado.
- pois deviam. não paro de receber propostas de emprego.
- de que tipo?
- matemática de ponta, institutos de pesquisa, onde a mente dele não terá rédeas.
- ótimo, mas ele ainda não está pronto pra isso.
- acho que não entendeu, Sean.
- não entendi o quê?
- não se trata de mim. não sou nada comparado a este rapaz. em 1905 professores renomados estudavam o universo, mas foi um suiço de 26 anos, cujo hobby era física, quem mudou o mundo. e se Einstein preferisse encher a cara com os amigos em Viena? todos sairíamos perdendo.
- dramático Gerry.
- não, não é. esse garoto tem um dom. falta-lhe direção, mas isso nós podemos lhe dar. é a isso que me refiro. temos de dar direção ao garoto. ele pode ajudar o mundo, e nós podemos ajudá-lo.
- direção é uma coisa, manipulação é outra. tem de deixá-lo...
- não passo a noite torcendo meus bigodes maquinando um plano pra arruinar a vida dele. com 18 anos eu já fazia matemática avançada e levei 20 para ganhar a medalha Field.
- talvez ele não queira. há outras coisas além da medalha Field.
- isso é muito importante, está acima de nossa rivaliddae.
- vamos falar do garoto. dê-lhe tempo para saber o que quer.
- ótima teoria, funcionou com você, não?
(...)
- ouça. porque ele não confia em ninguém? ele foi abandonado por quem devia amá-lo.
- não me venha com essa.
- por que ele gosta deles? porque eles te bateriam com taco na cabeça se ele pedisse. isso é lealdade. a quem ele manipula? ele afasta as pessoas, antes que o abandonem. é um mecanismo de defesa. viveu 20 anos sozinho por causa disso. se o pressionar, tornará a acontecer.
- não ponha na cabeça dele que é certo desistir, fracassar, porque não é.

(do filme Gênio Indomável)

nega por ter medo do não

- tive um encontro outro dia.
- como foi?
- bom.
- vai vê-la de novo?
- não sei.
- por que não?
- não liguei mais pra ela.
- que amador você é.
- sei o que faço. não se preocupe, sei o que estou fazendo. mas ela é linda, inteligente, divertida, diferente das outras.
- então ligue pra ela, Romeu.
- por quê? pra descobrir que não é tão inteligente, que é chata? ela é perfeita agora, eu não estragaria isso.
- talvez esteja perfeito pra você, e não queira estragar isso. isso é superfilosofia. assim poderia viver a vida toda sem se relacionar com ninguém. (...) as pequenas idiossincrasias que só eu conhecia. era o que a fazia minha mulher. ela sabia tudo de mim também. todos os meus pecadilhos. chamam isso de imperfeições, mas não são. são as coisas boas. você não é perfeito, amigo. e quer saber mais? nem essa garota que conheceu. a questão é se são perfeitos um para o outro. esse é o segredo. isso é intimidade. pode saber muita coisa, mas só vai descobrir tentando.

(do filme Gênio Indomável)

domingo, 10 de abril de 2011

cartas de um século atrás

até parece que um século me separa de poucos anos atrás, quando ele ainda me escrevia cartas nas folhas arrancadas do caderno. as frases se ajeitavam nas pautas, mas era inevitável rasgar a linha e escrever maior que o espaço concedido. as vezes ele abusava, gastava uma página inteira deixando duas palavras solitárias naquela imensidão, mas era pra falar de amor, então aí qualquer excesso se justificava. certa vez ele me entregou uma carta com desenhos feitos por ele, roubou um pedaço do arco-íris e colou no pedaço de papel, me deu de presente, disse que era pra gente morar ali, naquele colorido sem latitude definida. eu aceitei, fizemos as malas e mudamos pro nosso planeta de sete cores. ele continuou me escrevendo cartas, cada dia mais cartas, cada dia menores com mais conteúdo preso nas entrelinhas dos olhos dele. eu lia uma frase e era automático, eu já sabia todo o resto. era bonito assim, chegar em um ponto que você simplesmente sabe, quase sem querer. mas eu gostava muito das cartas que ele me escrevia, dava a sensação de que o coração dele saía do corpo e por alguns segundos batia nas letras pulsantes na folha. e pensar que eu podia sentir o coração dele toda vez que eu quisesse, bastava ler setenta vezes a mesma carta. eu agradecia. era o melhor dos presentes. o ruim é que com o atravessar do tempo nas coisas que não caminham com ele, as palavras pareciam desaparecer, como se de repente nos tornassemos analfabetos da nossa própria linguagem. foi assim que as cartas começaram a diminuir, a frequência e o tamanho, houve uma época que eu as chamava de cartões, nem cartas eram mais. com tanto ainda pra se dizer, falávamos que já tinhamos dito tudo. era o fim da história. já não havia o que contar.

sábado, 9 de abril de 2011

pra conhecer é preciso viver

- o que é isso? um momento íntimo entre amigos? bonito. você tem tesão por cisne? é um fetiche? quer falar disso?
- pensei no que disse outro dia sobre meu quadro. passei metade da noite acordado. até que me toquei de algo... e caí num sono profundo. e não pensei mais nisso. sabe o que foi?
- não.
- você é só um garoro. não sabe o que está falando.
- obrigado.
- tudo bem. já saiu de boston?
- não.
- se te perguntar sobre arte me dirá tudo escrito sobre o tema. Michelangelo... sabe muito sobre ele. sua obra, aspirações políticas... ele e o papa, tendências sexuais, tudo. mas não pode falar do cheiro da Capela Sistina. nunca esteve lá, nem olhou aquele teto lindo. nunca o viu. se te perguntar sobre mulheres, me dará uma lista das favoritas. já deve ter transado algumas vezes... mas não sabe o que é acordar ao lado de uma mulher... e se sentir realmente feliz. é um garoro sofrido. se perguntar sobre a guerra, vai me citar Shakespeare... "outra vez ao mar, amigos..." mas não conhece a guerra. nunca teve a cabeça de seu melhor amigo no colo... e viu seu último suspiro pedindo ajuda. se perguntar sobre o amor, citará um soneto... mas nunca olhou uma mulher e se sentiu vulnerável. alguém que o entendesse com um olhar. como se Deus tivesse posto na terra um anjo só pra você, para salvá-lo do inferno. e sem saber como ser o anjo dela, como amá-la e apoiá-la pra sempre em tudo. no câncer. não sabe o que é dormir sentado no hospital por dois meses, porque só o horário de visitas não é suficiente. não sabe nada de perda. porque ela só ocorre quando ama algo mais que a si próprio. duvido que já tenha amado alguém assim. olho pra você e não vejo um homem inteligente e confiante. só um garoto convencido e assustado. mas você é um gênio, é inegável. ninguém entenderia sua complexidade. mas acha que me conhece por um quadro e disseca a minha vida. você é orfão, não é? acha que sei de como sofreu, de como se sente, quem você é... porque li Öliver Twist"? você se resume a isso? pessoalmente, estou cagando pra isso, porque tudo que me diz eu poderia ler em livros. a menos que me conte sobre você, quem você é. isso me fascinaria, isso sim. mas não quer fazer isso, não é? morre de medo do que poderia dizer. você que sabe.

(do filme Gênio Indomável)

quarta-feira, 6 de abril de 2011

da janela do quarto dele

era domingo, e aquela gente estava sentada na janela do quarto. a janela era daquelas bem grandes, por onde passavam histórias inteiras da pequena cidade. era contornada de um azul cor de céu em dias de sol, e a medida que o azul ia contornando a janela partes dela se descascavam mostrando que o tempo passeava por ali. da janela se dava bom dia, boa tarde, boa noite, dali as horas não corriam entre os limites dos ponteiros. a janela era conhecida pela vizinhança e quando ela deixava abrir a menor fresta que fosse logo as pessoas sabiam do amanhecer da gente que lá morava. inclusive, havia dias que a janela acordava feliz, com flores desabrochando em suas esquinas. em outros dias a janela contava segredos dos amores que por ali se encontravam. a janela despertava a curiosidade, não tinha se quer um par de olhos que resistisse a uma espiada. e era aquele pedaço de corte na parede que ditava o movimento da casa, era a janela que falava do ir e vir daquela gente, e quando ficava aberta, como naquele domingo, podia saber que era convite pra um café e pra muita prosa.

segunda-feira, 4 de abril de 2011

seu sonho, qual seria?

o sonho de uma gota é ser oceano. o sonho do peixe é o mar. o sonho de um grão é ser deserto. o sonho de uma semente é brotar da terra. o sonho da folha é o outono. o sonho do balão é o sopro. o sonho do vento é a nuca. o sonho dos olhos é apaixonar-se. o sonho dos lábios é um beijo. o sonho da pele é o desejo. o sonho do lápis é um rabisco. o sonho da borracha é o erro. o sonho do quadro em branco é a tinta. o sonho da palavra é ser um livro. o sonho da mochila é a viagem. o sonhos dos pés é o caminho. o sonho do samba são os pés. o sonho da noite é a lua cheia. o sonho do frio é o cobertor. o sonho da asa é o infinito. o sonho de um fio é descabelar. o sonho da taça é brindar. o sonho da casa é ser um lar. o sonho da pétala é a primavera. o sonho do corpo é a música. o sonho da sexta-feira é a madrugada. o sonho da bola é o gol. o sonho de hoje é o amanhã. e o sonho seu, qual seria?

domingo, 3 de abril de 2011

caminhos de um mapa

tirou os objetos da mesa e abriu o mapa-mundi. sentada na cadeira da ponta tocava os lugares como se fossem feitos de terra e entre os contornos da sua casa apontava caminhos de um amanhã duvidoso. dali, da mesa, o mundo parecia pequeno, confundia-se com aquele pedaço de papel esparramado no vidro. dava-se a sensação de que se podia chegar em qualquer um daqueles lugares em menos de 30 minutos, as distâncias desapareciam, o mapa tinha dono. foi quando abriu as cortinas e a janela da sala. olhou lá fora e não conseguiu enxergar o que no mapa parecia tão perto. lembrou então dos pés, do caminhar. pegou as chaves, abriu a porta e foi pra dentro do mundo que o mapa lhe mostrara. detalhe: o mapa mostra o caminho que cada um quer seguir. o dela era pra Sabará.

sexta-feira, 1 de abril de 2011

leitura instantânea

bonito era ele com seu jeito de se colocar inteiro em cada frase, tudo o que ali se expressava era rigorosamente acompanhado por tudo que nele habitava, ele não falava uma palavra sem se despejar por completo nas letras, ele era tão inteiro que uma conversa de fim de noite, com o sol marcando a hora da saída, era suficiente pra ler toda a sua história.

quinta-feira, 31 de março de 2011

tempos de agora

estes são tempos de felicidade medida pelo teor alcoólico, de identidades transformadas pela propaganda da tv, de promessas desfeitas pela fluidez dos sentimentos. são tempos marcados por tatuagens que também não explicam o sujeito, tempos de desencontros desaguando em uma seringa injetando sentido na veia. são tempos de excessos tão excessivos, que o alcance do topo da montanha introduz automaticamente o desejo por um lugar ainda mais alto. são tempos de mundos com janelas fechadas em iphones, com a tecnologia mediando relações entre pessoas que moram ao lado. são tempos de curvas espelhadas em academias frustradas pela imperfeição humana, são tempos de bisturis costurando modelos ideais e perfumes negando o cheiro da pele. estes são tempos de relógios apressados, tempos de máquinas. estes são tempos limites, tempos que a natureza tenta sobreviver. estes são tempos que passarão, assim eu espero que seja.

sábado, 26 de março de 2011

pedido de papel

- o quê é isso?
- o quê você gostaria que fosse?
- um avião.
o homem pega o pedaço de papel e o transforma no pedido. a mulher se vê inteira naquelas asas de papel e se joga no mesmo instante que o avião decola. as asas de papel chegam antes dela em um lugar distante e caem no meio da rua asfaltada, na mesma rua onde um menino de 12 anos lavava um carro pra juntar moedas de sobrevivência. o menino vê as asas chegando e pára pra olhar o vôo deixando sobressair um sorriso de rosto inteiro. no momento que ele decide fazer seu aquele avião um carro atravessa a sua imaginação e destrói o pedido da mulher. assim todos pousam, na terra bem maior que o céu.

quinta-feira, 24 de março de 2011

presente da vovó

guardou-se na prateleira em frente a sua cama, colocando-se entre as molduras do porta-retrato que sua avó lhe dera quando tinha 15 anos. era o mais bonito que já tinha visto, e a beleza era coisa dos olhos dela e não do porta-retrato. desde então, toda noite ela se via na prateleira, e gostava de morar ali, dentro dos carinhos da vovó.

quarta-feira, 23 de março de 2011

alívio

todo vale pressupõe a existência de um cume.

infinito

o mundo inteiro será sempre muito maior do que todo o mundo que eu possa construir.
o mundo inteiro não cabe nos meus olhos.
o mundo inteiro não cabe nos meus pés de curiosidade.
o mundo inteiro mal cabe no meu coração.
a infinitude deste mundo inteiro faz de mim angustiada pela falta de tempo de lhe sentir em cada esquina...

segunda-feira, 21 de março de 2011

amor de antigamente

sentava na beira do rio e esperava pelos amores de antigamente. deixava a saia branca se pintar de marrom cor de terra e tirava os sapatos amarelos, os preferidos de sua mãe. enquanto o vento por ali passava seus cabelos brincavam de liberdade. sentava ali toda vez que queria esperar pelo amor de antigamente. deixava pro passado o seu desejo, assim parecia ainda maior a sua espera.

domingo, 20 de março de 2011

é amor

é muito importante na vida saber-se dentro de alguém, assim não há mundo que lhe perca de vista, não há lar que não seja o seu.

quinta-feira, 17 de março de 2011

nossos beijos sem lábios

achou mais prudente guardar entre os lábios os beijos que já eram dele. era mais seguro do que beijá-lo. o beijo poderia desmanchar o presente, limitando-a de entregá-lo quantas vezes quisesse. freiava então a primeira frase dos lábios, se resumia entre sílabas isoladas ditas pelos seus olhos. beijava-o então, sem lábios. beijava-o sempre, a cada encontro dos cílios.

quarta-feira, 16 de março de 2011

dos lugares que nos contem

mudar de lugar faz bem, porque os lugares também mudam a gente... e não é nada saudável quando um lugar toma posse de um corpo naturalmente livre.

domingo, 13 de março de 2011

morte em vida

mutilava a superfície da pele pra matar algo que sufocava lá dentro. vivia a morte diária das sensações. tudo fazia parte deste mundo já debaixo da terra, dentro do caixão. se por ventura ela ainda respirava era por falta de coragem de ir fundo nos cortes que fazia. esgotaria a dor num fechar de olhos até a morte dos desejos. talvez só assim ela começasse então a viver...

(inspirado no fime "Garota Interrompida")

sábado, 12 de março de 2011

lupa nos olhos

preferia não encontrá-lo, os olhos dele tinham essa mania de me deixar nua. mal ele chegava e logo me tirava a roupa, ultrapassando a fronteira entre nossos territórios. e eu não era a única a reclamar, bastava chegar outro alguém pra ele repetir a dose de invasão. ele era daqueles que sabia despir qualquer um que fosse. segredo era notícia velha diantes das retinas deste homem. uma letra minha era suficiente para que ele entendesse o alfabeto, acho mesmo que ele carregava lupas nos olhos. sabia de mim como se eu fosse ele, explicava-me. uma espécie de espelho com minha imagem distorcida. por isso pouco adiantavam os esconderijos debaixo dos panos cobrindo o meu corpo, ele rapidamente enxergava a minha nudez.

sexta-feira, 11 de março de 2011

lugares marcados

é sempre um risco atravessar a rua naquele lugar que a gente se esbarrou na terça-feira. é só me aproximar daquele ponto de encontro pra memória atrair a realidade, e acontece, que em dias assim você acaba surgindo. seria mais adequado que nossos encontros fossem em lugares não identificáveis, pra que depois não ficassem eternizando minhas lembranças com coisas que não são minhas. ver você é sempre um risco de voltar aos dias de ontem. eu estou tão bem assim que hoje quase te pedi pra nunca mais me procurar em meus esconderijos. mas acabei não pedindo e nunca irei pedir. nossos encontros são crimes, e eu, sinceramente, não quero ser despida pela lei.
acho que você já não é mais menino. (espanto)

quarta-feira, 9 de março de 2011

tristeza de Cristine

Cristine era triste, e por assim ser, tudo a sua volta também o era. seu nariz fazia delicadamente as curvas, nascendo dos dois lados duas formas arredondadas que só se sobressaiam quando por um descuido Cristine sorria. apesar de triste, Cristine tinha as bochechas rosadas, fingindo ter vida através da pele. os cabelos eram curtos, cortados antes mesmo de encontrar a nuca. os olhos puxavam pro céu, mas ela não erguia muito o olhar, não havia mundo que lhe interessasse. a boca era pequena, e em sua pequenez carregava uma porção farta de lábios avermelhados. eram bonitos os seus traços, e a sua tristeza lhe caía bem. solitária que era, fazia planos de morar bem longe do lugar que viera, pra poder ser ainda mais triste. não que ela buscasse tanta tristeza, mas ela sabia da impossibilidade de negar a si mesma.

domingo, 6 de março de 2011

o bem e o mal de cada um de nós

será tudo isso maniqueísta? haverá em todas as coisas a fronteira do bem e do mal? Hobbes nos fala de um homem egoísta em sua natureza, e que por sentir-se em constante ameaça constitui a sociedade por meio de contratos que garantam a paz. por outro lado Locke fala que o estado de natureza do homem é de perfeita harmonia, porém alguns desviantes ameaçam direitos que são naturais do homem: a propriedade, a vida e a liberdade, e por isso o Estado é criado para proteger os direitos. já Rosseau afirma que o homem é bom por natureza, mas moralmente corrompido, sendo a origem disso a propriedade, o momento em que o homem toma posse de algo de forma desenfreada. e por último vem Maquiavel dizendo que o homem é dotado de traços imutáveis, e que estes são ingratos, medrosos, ambiciosos, entre outras características que só podem ser contidas a partir do uso do poder político por um príncipe com virtú e fortuna. estes são os clássicos da teoria política, e ao meu ver um não se sobrepõe ao outro, são complementares de alguma forma. porém, permanecem no campo das teorias e pouco me satisfazem nas tantas perguntas que me faço. prestes a iniciar um trabalho com egressos do sistema prisional eu venho me debruçando entre páginas que ultrapassam as grades deste sistema. tenho me questionado em demasia sobre as verdades de cada um, para além das leis racionalizadas pelo homem, falo das verdades isoladas, guardadas debaixo das retinas dos homens. crimes só são crimes porque ameaçam a vida em sociedade, colocam em risco o respirar do outro, abalam o coletivo. crimes não são crimes porque o são. há um acordo entre a sociedade, um pensamento comum que faz formalizar certos atos como infrações. é um processo racional. o homem ao violar uma norma ele viola um direito que era seu, e sendo assim, enquanto parte da sociedade deve responder pelo seu ato. esta é a parte objetiva, mais simples, talvez. a parte que não alcanço é a da verdade de cada um. fora das prisões as pessoas pensam ser boas, e imaginam que dentro de uma penitenciária exista apenas a parte ruim. separam os homens em dois lados opostos, julgam os homens em função de um crime, mas o homem não é um crime, o homem não é coisa alguma. a idéia de prender pra excluir é por demais limitada. há sim um crime que justifica a prisão a fim de fortalecer a lei, porém o encarceramento deve ser prosseguido de uma reflexão acerca das verdades de cada um. não acredito na "recuperação" visando uma padronização de pensamentos, na busca de um objetivo já estipulado, há que se perceber as motivações e trabalhar em cima delas. e o mais importante: antes do crime, porque antes da infração cometida, muitas vezes, o acusado é vítima de várias negligências por parte do Estado. mas não me prendo aqui a uma visão marxista, considero também a presença daquilo que é do homem, da natureza humana, exposta logo no início deste texto. o que me intriga em excesso é a separação do bem e do mal, como se alguém pudesse ser só bom ou ser só mal, como se em cada um de nós não coexistisse duas esferas simulneamente, como se nós que estamos em liberdade não estivéssemos vulneráveis a cometer um crime, e fossémos por isso, muito diferentes daqueles que se encontram por detrás das grades. será?

para além da fronteira

equilibrava-se pelos canteiros dos jardins, com seu all star vermelho, mentia que era flor e que brotava em qualquer chão, mas talvez fosse. focava o olhar pra além da fronteira e não perdia os passos, compreendia que o foco nos pés a fazia fugir da imensidão que era estar ali... isso até a invasão dele no mundo que era dela. não demorou muito até que ela começasse a se desquilibrar no canteiro, agora seu olhar estava cercado por coisas dele, e ela não conseguia atravessar se quer o primeiro dos muros. interrompia-se. encolhia-se. enxergava por entre molduras bem concretas. reduzia-se. afinal, não poderia caber toda a vida de outrora em apenas um porta retrato...

quinta-feira, 3 de março de 2011

somos mesmo iguais?

e se fossémos iguais quanto a lei diz que somos não haveria tantas fronteiras entre realidades tão diferentes. enquanto um menino calça seu tênis pra jogar futebol em uma quadra coberta com bases de cimento, outro menino usa a nudez dos pés pra pintar a sola com a cor da terra e distrair o tempo com uma bola correndo entre lixos espalhados. enquanto Carolina amanhece e abre o chuveiro pra acordar o dia, do outro lado Adriana só molha a pele no fim da tarde após caminhar alguns quilômetros em busca das gotas do dia. enquanto uma família escolhe o prato do dia pra sentir as delícias do gostos, outra família come o que há por uma questão de sobrevivência. se por aqui uma doença surge procuramos logo um hospital com curas revestidas de remédios, mas se por lá isto acontece o atendimento se faz tão distante que se a cura não vier naturalmente só a morte poderá findar o sofrimento. a morte pra curar a vida. nós que nascemos iguais e nos inventamos diferentes. seria muito simples eu me desviar da culpa pelo fato de ter nascido aqui neste berço, e ainda bem que não o faço. sinto-me muito responsável por tudo o aque acontece para além das grades da minha janela. e se hoje estudo profundamente o serviço social é porque em breve eu quero poder construir mundos inteiros ao lado deles, do lado de lá do meu.

terça-feira, 1 de março de 2011

parabéns meu pai

pai, é que se você está perto eu perco a dúvida do dia seguinte e embarco de vez no trem de agora. pai, é que olhar pra você e me enxergar nisso que eu posso ver é o melhor presente que os olhos poderiam me dar. pai, é que se faço por você deixam de existir os dois caminhos que separam duas pessoas e automaticamente nós seguimos a mesma trilha. pai, é que ainda que o dia seja seu com data marcada no calendário é sempre eu quem bate a maior das palmas em agradecimento pelos nossos dias que vêm por aí...

domingo, 27 de fevereiro de 2011

apaga a luz?

- Nicole, apaga a luz pra gente cantar parabéns?
- não dá, é culpa do Sol!
- e como é que faz pra gente apagar o Sol?
- ah... só o papai do céu é que pode fazer isso.
- hum... e como é que ele faz?
- ele faz chover, aí aparece um monte de nuvem preta, e escurece...

coisas que só uma criança pode dizer, e esta, é minha afilhada.

sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

casa de um cômodo só

Gabriela tinha muitos segredos, um em cada lugar disfarçado de esconderijo. por debaixo das meias, dentro dos sapatos, atrás dos cabelos, nos olhos, no encontrar dos lábios, na história. Gabriela morava dentro dela e não gostava da idéia de ter se quer um cômodo fora da própria morada. introspectiva ela não dava espaço para que os outros pudessem ser o que são, todos os outros eram aquilo que Gabriela enxergava. cada pessoa ela transformava em personagem da história cujas páginas só ela escrevia. assim não havia contradição, não havia dúvida se era por aqui ou por ali a direção. ditadora do próprio mundo, autoritária no pensamento, Gabriela tinha certeza de que conhecia inclusive o final daqueles dias.

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

por isso não choro

a lágrima me justifica, o choro me conforta, como quem diz que aquelas águas só nascem se a dor for mesmo grande. aí então eu me desespero, me encolho até suprimir qualquer gota que seja. quero ficar ali, na passagem entre a dor e o consolo. não quero depositar nas gotas o meu alívio, eu prefiro que faça rasgar cada pedaço de pele, até fazer arrebentar. preciso saber de mim.

"Fiquei com vontade de chorar mas felizmente não chorei, porque quando choro fico tão consolada..." Clarice Lispector

terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

procurando você em mim

passei o dia catando as coisas que você deixou pra trás, você não as esqueceu, deixou mesmo. fui catando uma por uma até acreditar que você se encontrava ali, naquelas coisas abandonadas. fui catando, esperando que no meio das coisas, talvez, eu encontrasse algo que você tivesse deixado pra mim, com nome, endereço, remetente. fui catando e quando vi estava procurando por mim no meio das suas coisas deixadas pra trás. podia ser qualquer coisa miúda, qualquer pedaço rasgado de uma coisa que fora inteira, podia até ser resto. fui catando você atrás dos seus passos, fui catando você e me deixando no lugar dos passos, fui catando você e me perdendo depois de tanto caminhar sem que você se quer olhasse para trás. fui catando, porque eu só não poderia perder você de vista, ainda que a vista fosse só minha...

o abismo dos outros

dava medo andar por ali em terras não tão seguras. apesar da falta da queda, o abismo estava sempre prestes a se abrir em torno dela, mas ela gostava da sensação de se ver na ponta dos pés faltando apenas um empurrão pra cair pra sempre em outro mundo. ela fazia questão de parar bem ali, no ponto onde quase se fazia a queda, ficava parada mesmo quando ameaçavam jogá-la. não queria enfrentar os instintos de ninguém, mas os de si mesma. assim ela percebia até onde a queda era realmente suportável. cada vez que a noite acontecia ela desejava estar ali, prestes a cair, procurava esses limites nos quatro cantos do mundo sem pontas, encontrava, mas pra logo em seguida desencontrar qualquer sentido. lá fora as coisas se alteravam a todo vapor, na verdade não eram as coisas que mudavam, mas os olhos da menina que não viam uma mesma imagem duas vezes por trás das cortinas. cada dia uma vontade, cada dia um pedaço do corpo pra falar. ela só fazia obedecer a sua natureza humana insaciável. por isso era tão urgente amanhecer...

domingo, 6 de fevereiro de 2011

debaixo do escuro da noite

e quando você se descobre fica praticamente impossível se esconder, e aí chega a madrugada e te denuncia completamente...

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

das coisas que não eram dela

sentia raiva dos cabelos que lhe escorriam lisos em torno do rosto de pele macia sem espinhas logo acima das curvas atraentes aos olhos masculinos que passeavam entre as montanhas escondidas atrás do sutiã. sentia mais raiva ainda dos passos elegantes pé após outro ziguezagueando os quadris mantendo ereta a coluna que não se curvava. sentia repulsa às palavras organizadas gramaticalmente faltando sempre um pouco mais de verdade. sentia entre muros da cultura quando cruzava as pernas pra esconder o corpo debaixo da saia feito segredo que poucos poderiam ver aguçando então o desejo pelo mistério que só se desvendava de pernas abertas. sentia a ausência de pele quando sorria ao invés de puxar os fios de cabelo entoando palavrões bem menores que a explosão que se fazia ali dentro. sentia preguiça de tanta encenação, de tantos palcos fingindo serem ruas, de tantos atores simulando realidade, sentia preguiça por se fazer mais um deles, mais um personagem de uma peça que nem o enredo era seu...

dias assim

as vezes eles me tiram o chão, me deixam ali, em estado de passagem, prestes a me jogar do primeiro abismo, talvez do primeiro degrau, as vezes repetem os textos e pretextos, eu decoro os dias, memorizo as expressões, como se estivesse colado na face uma mesma história impedindo as possibilidades, endireitando as curvas, sinto-me angustiada diante das coisas iguais, apesar das semelhanças serem culpa dos olhos meus, me culpo também, não são só eles, sou eu refletida neles, nos misturamos, perdemos a cor, fundimos os nomes, nos tornamos pele...

sábado, 29 de janeiro de 2011

para Amanda

e de repente já era nunca mais... e de repente os dias eram outros, sem portas nem janelas para os dias que se foram. estou tentando manter os pés na nova estrada, mas acontece que me tiraram os trilhos... é triste sim, não há porque negar. desde ontem eu me vesti de tristeza, debaixo de panos pretos. despir-me agora, eu não posso. mas é assim, sem escolha. é por isso que agora você deve se fazer grande, pra poder ver tudo da janela do avião. é um novo começo, hora de tirar as asas da gaveta. se eu te der a mão você vem comigo?

sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

embarque próximo

é mesmo verdade Lio, as nossas malas estão prontas, desde sempre, estão veladas discretamente debaixo da cama, silenciosamente, mas estão prontas, esperando apenas o bater das asas. não é raro a gente se perceber abrindo as malas, tentando desfazê-las, buscando encaixar perna, braço, coração fora delas, mas também não é raro a gente concluir logo na primeira tentativa a falta de espaço, ainda que sobre espaço. tanto eu, como você, não temos coragem de desfazer as malas, paramos lá no ano de 2009, e desde então paramos de contar o tempo, estamos espalhados pelos portões de embarque, pelos tantos portões que inventamos, qualquer esquina é sempre uma quase partida, ainda estamos no quase, respiramos, esperamos, mas sabemos que em breve o tempo voltará a ser nosso...

quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

preso entre as molduras

das vinganças, a maior delas, foi prender você entre as molduras do meu porta-retrato, sem deixar a menor possibilidade de fuga, sem que você pudesse escolher o caminho, ali você era meu.

debaixo da saia

vestia-se de giros, de roda, não tão gigante, usava saias que contornavam o corpo, escondia ali os seus desejos, se fingia de menina debaixo das rendas, tricotava suas curvas um tanto quanto distantes da pele, mas se exibia, e naquela pequena fresta o convidava pra morar dali em diante dentro daquela noite, separou a madrugada inteira pra pontuar instintos, rasgar os giros, tocar os poros, impediu o chegar da manhã até o fim daqueles tempos, jogou a tinta sem imagem pré-determinada, se misturou nos passos dele, nos dedos dele, nos beijos, lábios, gosto, fez-se então mulher...

vento de uma madrugada

me atrai tanto essa tal madrugada, que um dia, quem sabe, vou inverter o tempo das coisas e morar dentro da noite. nos contornos do mundo lá de fora chega um vento, entra aqui do lado, pela janela, e vem me tocando em cada pedaço meu. fechei os olhos pra aumentar o suspirar dos poros, e aí senti a brisa procurando espaços livres, cavando peles cobertas pela roupa, entrando debaixo do lençol... e chegando por detrás dos fios, arrepiando a nuca... pensei ser você, e era!

sábado, 15 de janeiro de 2011

mar a vista

coqueiro feito moldura, mar e céu feito pintura
areia feito tela em branco, pés feito pincéis humanos
onda feito mergulhar, barco a remo feito navegar, bussola feito perder em alto mar
sol feito cor, pele feito sabor
litoral feito casa, oceano feito asa

quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

meu sapato velho

tudo bem que o ano seja novo, mas, por favor, não me tire a história, a construção. eu não começo, eu continuo... e tudo o que é novidade traz em si muitas páginas já lidas e relidas, e estas páginas que escrevo agora quero apoia-las em alto mar, pra que percebam as idas e vindas e, para que quando houver urgência, possam encontrar um porto, quase sempre seguro. nós pés quero meus sapatos velhos, nos olhos quero o amor de sempre, mas da vida, da vida sim, eu quero todas as formas, todas as maneiras de viver.

domingo, 9 de janeiro de 2011

beijo com radar

de toda a história o beijo era real, mas todo o resto era invenção, forma que encontrei de continuar a madrugada, afinal, eu nunca soube muito bem como despedir de um beijo, parece que tudo que me beija ativa a parte do meu corpo que tem asas camufladas, começo a vagar pelos dias como se fossem intervalos entre os nossos encontros, e isso não vem de você, nasce em mim, porque tem você, mas não faria diferença se você tivesse outro nome, outra boca, o arrepio parte de mim, então, cuidado, eu posso usar você pra aumentar o meu vôo, e se acontecer de um dia eu voar pode ser que eu não volte mais, mas seria interessante se você, quem sabe, também começasse a abrir as suas asas, e aí, a gente poderia se enrolar no vento, morar na queda sem chão, talvez assim eu voltasse a acreditar em um amor, porque esses beijos precavidos me preocupam, esses beijos proibidos, esses beijos controlados por radar, tô querendo é me livrar de você, descansar dessas idas e vindas, tô querendo parar por algum tempo, quem sabe construir uma casa com endereço, tô até disposta a alguns pares de grades na minha janela, nossa, ponto final.

quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

nosso caminho

não tem caminho seu, não existe isso de meu, nem de seu. são tempos, estações, menino. e você vai colhendo pétalas quando for época de flores. os caminhos são duros demais, muito exatos pra serem só seus. ei, você acredita quando eu falo que amo você? acho que não, temo responder que nem poderia. estou pensando em comprar minha passagem pro mundo seu, passar uns dias, virar o ano, rasgar a pele. depois já estarei mesmo perto do céu, e de lá dizem que a lua fica ainda maior, dá até pra tocar com a palma das mãos, já imaginou? aí menino, a gente deixa pra trás essa história de emprego, de casa, afinal nossa casa era essa mesmo, sem janela, sem parede, colada na lua.

segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

arrumando as malas

pousava na janela a espera do amarelo que viria depois dos dias prateados de chuva. lambia das gotas a doçura deixada pelas nuvens de algodão doce. doce mesmo eram os beijos perigosos travados debaixo da madrugada de Sabará. agora se sabia compor a história de um lugar, tinha certeza de que ruas como aquelas não eram frias se acompanhadas por mãos tão largas como a do menino. dele ela raspava da superfície os excessos que lhe bloqueavam a estadia, levava armas letais nos olhos e nas palavras, e disparava tudo o que lhe era permitido, ela iria morar lá. a princípio não era um lar assim tão confiável, tinha um vidro quebrado logo na entrada, e tudo quanto era parede trincava com a altura do desejo que o menino tinha de vibrar sua guitarra por aí. por aí parecia muitoooo longe quando não cabia a realidade que era dela. e por isso, dia sim, dia não, ela arrumava e desarrumava as malas, ia e voltava, queria e não queria, mas no fim dos cálculos a soma era sempre a mesma: ele.

domingo, 2 de janeiro de 2011

não vai dar tempo

era composta por urgências, por uma total impaciência pelo caminhar vagoroso da vida. o tempo era seu maior inimigo, desde o dia em que ela se disse independente, apesar de não se saber bem de quê. dependia de tantas coisas que a palavra não lhe abarcava, e não havia outra qualquer que o fizesse. incompreendia como não podia se resumir por alguns pares de letras, não compreendia, porque ela não esperava o tempo, passava os dias atropelando as noites, e as noites atropelando os dias. tinha pressa pelo instante seguinte, que já seria insuficiente pra tudo o que ela planejara caber dentro dele. os passos rápidos simulavam uma corrida constante sem delimitar o ponto de chegada. espera aí, corria pra quê? um dia ela se questionou. pena que no segundo seguinte tinha outras tantas pendências inventadas que não houve tempo suficiente pra respondê-la. e então corria, por uma simples falta de tempo pra perceber que relógios, calendários, agendas não passavam de pura simulação de um tempo que não era bem o dela...

70 anos e sonhando...

 sonhos, os seus, não envelhecem. não porque sejam eternos - mas porque são renováveis, e mudam de cor.  sonhando desde sempre, você não foi...