quarta-feira, 16 de janeiro de 2019

móveis fora de lugar

pode parecer que eu apenas mudei os móveis de lugar. só que o deslocamento de um objeto pressupõe algum tipo de mudança mental prévia. como se diz: aquela forma começa a desagradar, e você precisa mudar a ordem das coisas, que até então pareciam naturais. agora com a mesa "fora de lugar", parece outro mundo por aqui. interessante como uma peça movimenta todo o restante, e um passo altera tudo ao redor.

quinta-feira, 10 de janeiro de 2019

coisa de vó

vovó tem gosto de café com leite, e de bolo quentinho no fim da tarde. tem jeito de prosa na varanda e de café da manhã na mesa. na cidade, vovó lembra dos tempos na roça, e chama cada planta pelo nome. muito do seu presente é feito de passado, de um baú de memórias infinitas que só vovó sabe contar. ela não quis passar meu batom, disse que era muito vivo, mas pediu um rosa clarinho pra colorir seus próximos dias. da foto, perguntou que bicho era esse que aparecia em seu rosto, e concluiu que era gracinha minha. como diria minha irmã: fofa! vovó não escuta bem, mas gosta muito de falar. ouvir vovó é abrir o balão da imaginação e ver minha história em telão de cinema. “a vida envelhece, minha filha”.

poesia: minha única posse

depois de um tempo (muito tempo) passei a preferir nomes comuns: Maria, acompanhada de mais alguém, ou de uma Flor, e João, que por si só já basta, tornaram-se meus prediletos. a ornamentação saiu de moda (só por aqui), comecei a decorar minha casa com palavras na parede. é... agora tenho um lar poético. ainda não consegui a casa dos meus sonhos: sem teto, de vidro, em alto-mar, porém visito moradas alheias como se fossem minhas. tudo que eu acho bonito se torna meu, e isso não tem nada a ver com posse. aliás, o que eu verdadeiramente tenho é somente a poesia, e mesma esta, nem sempre. em tempos de miudezas, aceitei-me pequena, e não tão de repente assim, percebi-me oceano, gota, oceano.

a natureza tudo revela

a lua que se diz nascente antecipa contornos de sua completude, e toda lua cheia se revela provisória. as flores traduzem jardins, mas não desabrocham sem raízes. belezas externas brotam é debaixo da terra. as noites pedem arrego, postes iluminam a falta de luz. é difícil conviver com a escuridão. confunde-se com cegueira. o medo se noticia preventivo, mas é pura crueldade dos tempos.

um respiro, em forma de lamento

resist(ir): enfrentamento, tolerância ou recusa? adianto: naufragar não é uma opção. remar contra a maré pode figurar certa imobilidade, mas viver pede direção, e nem sempre os rumos são favoráveis. a apatia adoece. convi(ver) com o caos inertemente não alivia o mal-estar, apenas cria redomas fantasiosas. desligar a televisão ajuda a enxergar a realidade a olho nu. depois que se cruza a fronteira da ignorância o desgaste é inevitável. eu não acredito na guerra, porém a paz não é um caminho natural. muitos dirão que seu roteiro de luta é um desvio, e usarão do poder pra remover sua força. inibirão suas armas (não letais), mas acontece que o redemoinho interior novamente te deslocará para o campo de batalha. não sei como nomear a divisão que se travou, pois vejo aspirações comuns em uma roupagem de rivalidade. por outro lado, o antagonismo é inegável, ainda que eu acredite estarmos no mesmo planeta, e possuirmos essencialmente as mesmas necessidades. por vezes desconfio que eu esteja no lugar errado, e que seja um engano minha existência. então, recupero o fôlego. quanto maior a profundidade do abismo, maior a extensão do vôo. e isso não é uma simples metáfora. é experiência de vida acumulada nos meus trinta e poucos anos. é verdade que depois de alguns duelos algumas dores se corporificam, dificultam a passagem do ar, e perturbam justamente o sono, quando se poderia descansar os olhos. o corpo vai colecionando marcas, produzindo sentidos, e se defendendo como pode. intervalos são urgentes e acolhedores. a gente precisa se abraçar de tempos em tempos. quisera eu me salvar do desconforto em mergulhos permanentes nas águas socorristas dos meus pulmões. mas não. esconderijos ou fugas escancaram mais morte do que vida. e viver dói. não há curva nessa conclusão. é devastador perceber tamanha oposição declarada. há cegueira em ambos os lados? quais trajetórias conduzem à esquerda ou à direita? por agora, sofro de ansiedade por temer um futuro que não poderei evitar. contudo, sigo com minha lucidez, edificada em meu percurso, na certeza de que toda escuridão guarda em si uma brecha de luz. olharei muito pra trás, reverenciando conquistas, todavia não abandonarei os remos, apesar das tempestades. por sorte, não estarei só!

70 anos e sonhando...

 sonhos, os seus, não envelhecem. não porque sejam eternos - mas porque são renováveis, e mudam de cor.  sonhando desde sempre, você não foi...