sábado, 29 de janeiro de 2011

para Amanda

e de repente já era nunca mais... e de repente os dias eram outros, sem portas nem janelas para os dias que se foram. estou tentando manter os pés na nova estrada, mas acontece que me tiraram os trilhos... é triste sim, não há porque negar. desde ontem eu me vesti de tristeza, debaixo de panos pretos. despir-me agora, eu não posso. mas é assim, sem escolha. é por isso que agora você deve se fazer grande, pra poder ver tudo da janela do avião. é um novo começo, hora de tirar as asas da gaveta. se eu te der a mão você vem comigo?

sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

embarque próximo

é mesmo verdade Lio, as nossas malas estão prontas, desde sempre, estão veladas discretamente debaixo da cama, silenciosamente, mas estão prontas, esperando apenas o bater das asas. não é raro a gente se perceber abrindo as malas, tentando desfazê-las, buscando encaixar perna, braço, coração fora delas, mas também não é raro a gente concluir logo na primeira tentativa a falta de espaço, ainda que sobre espaço. tanto eu, como você, não temos coragem de desfazer as malas, paramos lá no ano de 2009, e desde então paramos de contar o tempo, estamos espalhados pelos portões de embarque, pelos tantos portões que inventamos, qualquer esquina é sempre uma quase partida, ainda estamos no quase, respiramos, esperamos, mas sabemos que em breve o tempo voltará a ser nosso...

quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

preso entre as molduras

das vinganças, a maior delas, foi prender você entre as molduras do meu porta-retrato, sem deixar a menor possibilidade de fuga, sem que você pudesse escolher o caminho, ali você era meu.

debaixo da saia

vestia-se de giros, de roda, não tão gigante, usava saias que contornavam o corpo, escondia ali os seus desejos, se fingia de menina debaixo das rendas, tricotava suas curvas um tanto quanto distantes da pele, mas se exibia, e naquela pequena fresta o convidava pra morar dali em diante dentro daquela noite, separou a madrugada inteira pra pontuar instintos, rasgar os giros, tocar os poros, impediu o chegar da manhã até o fim daqueles tempos, jogou a tinta sem imagem pré-determinada, se misturou nos passos dele, nos dedos dele, nos beijos, lábios, gosto, fez-se então mulher...

vento de uma madrugada

me atrai tanto essa tal madrugada, que um dia, quem sabe, vou inverter o tempo das coisas e morar dentro da noite. nos contornos do mundo lá de fora chega um vento, entra aqui do lado, pela janela, e vem me tocando em cada pedaço meu. fechei os olhos pra aumentar o suspirar dos poros, e aí senti a brisa procurando espaços livres, cavando peles cobertas pela roupa, entrando debaixo do lençol... e chegando por detrás dos fios, arrepiando a nuca... pensei ser você, e era!

sábado, 15 de janeiro de 2011

mar a vista

coqueiro feito moldura, mar e céu feito pintura
areia feito tela em branco, pés feito pincéis humanos
onda feito mergulhar, barco a remo feito navegar, bussola feito perder em alto mar
sol feito cor, pele feito sabor
litoral feito casa, oceano feito asa

quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

meu sapato velho

tudo bem que o ano seja novo, mas, por favor, não me tire a história, a construção. eu não começo, eu continuo... e tudo o que é novidade traz em si muitas páginas já lidas e relidas, e estas páginas que escrevo agora quero apoia-las em alto mar, pra que percebam as idas e vindas e, para que quando houver urgência, possam encontrar um porto, quase sempre seguro. nós pés quero meus sapatos velhos, nos olhos quero o amor de sempre, mas da vida, da vida sim, eu quero todas as formas, todas as maneiras de viver.

domingo, 9 de janeiro de 2011

beijo com radar

de toda a história o beijo era real, mas todo o resto era invenção, forma que encontrei de continuar a madrugada, afinal, eu nunca soube muito bem como despedir de um beijo, parece que tudo que me beija ativa a parte do meu corpo que tem asas camufladas, começo a vagar pelos dias como se fossem intervalos entre os nossos encontros, e isso não vem de você, nasce em mim, porque tem você, mas não faria diferença se você tivesse outro nome, outra boca, o arrepio parte de mim, então, cuidado, eu posso usar você pra aumentar o meu vôo, e se acontecer de um dia eu voar pode ser que eu não volte mais, mas seria interessante se você, quem sabe, também começasse a abrir as suas asas, e aí, a gente poderia se enrolar no vento, morar na queda sem chão, talvez assim eu voltasse a acreditar em um amor, porque esses beijos precavidos me preocupam, esses beijos proibidos, esses beijos controlados por radar, tô querendo é me livrar de você, descansar dessas idas e vindas, tô querendo parar por algum tempo, quem sabe construir uma casa com endereço, tô até disposta a alguns pares de grades na minha janela, nossa, ponto final.

quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

nosso caminho

não tem caminho seu, não existe isso de meu, nem de seu. são tempos, estações, menino. e você vai colhendo pétalas quando for época de flores. os caminhos são duros demais, muito exatos pra serem só seus. ei, você acredita quando eu falo que amo você? acho que não, temo responder que nem poderia. estou pensando em comprar minha passagem pro mundo seu, passar uns dias, virar o ano, rasgar a pele. depois já estarei mesmo perto do céu, e de lá dizem que a lua fica ainda maior, dá até pra tocar com a palma das mãos, já imaginou? aí menino, a gente deixa pra trás essa história de emprego, de casa, afinal nossa casa era essa mesmo, sem janela, sem parede, colada na lua.

segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

arrumando as malas

pousava na janela a espera do amarelo que viria depois dos dias prateados de chuva. lambia das gotas a doçura deixada pelas nuvens de algodão doce. doce mesmo eram os beijos perigosos travados debaixo da madrugada de Sabará. agora se sabia compor a história de um lugar, tinha certeza de que ruas como aquelas não eram frias se acompanhadas por mãos tão largas como a do menino. dele ela raspava da superfície os excessos que lhe bloqueavam a estadia, levava armas letais nos olhos e nas palavras, e disparava tudo o que lhe era permitido, ela iria morar lá. a princípio não era um lar assim tão confiável, tinha um vidro quebrado logo na entrada, e tudo quanto era parede trincava com a altura do desejo que o menino tinha de vibrar sua guitarra por aí. por aí parecia muitoooo longe quando não cabia a realidade que era dela. e por isso, dia sim, dia não, ela arrumava e desarrumava as malas, ia e voltava, queria e não queria, mas no fim dos cálculos a soma era sempre a mesma: ele.

domingo, 2 de janeiro de 2011

não vai dar tempo

era composta por urgências, por uma total impaciência pelo caminhar vagoroso da vida. o tempo era seu maior inimigo, desde o dia em que ela se disse independente, apesar de não se saber bem de quê. dependia de tantas coisas que a palavra não lhe abarcava, e não havia outra qualquer que o fizesse. incompreendia como não podia se resumir por alguns pares de letras, não compreendia, porque ela não esperava o tempo, passava os dias atropelando as noites, e as noites atropelando os dias. tinha pressa pelo instante seguinte, que já seria insuficiente pra tudo o que ela planejara caber dentro dele. os passos rápidos simulavam uma corrida constante sem delimitar o ponto de chegada. espera aí, corria pra quê? um dia ela se questionou. pena que no segundo seguinte tinha outras tantas pendências inventadas que não houve tempo suficiente pra respondê-la. e então corria, por uma simples falta de tempo pra perceber que relógios, calendários, agendas não passavam de pura simulação de um tempo que não era bem o dela...

70 anos e sonhando...

 sonhos, os seus, não envelhecem. não porque sejam eternos - mas porque são renováveis, e mudam de cor.  sonhando desde sempre, você não foi...