segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

ter os pés calçados dentro de uma bailarina é de uma delicadeza sem fim...

um pouco torto

foi por muito tempo. uma vida é muito tempo? foi por tempo suficiente pra se descobrir que não era assim. e podia ter o tempo que fosse que não seria de forma nenhuma. era sem canto, sem medida, sem centro, sem saída. era uma coisa. dessas que a gente não consegue definir o que se é ou se deixa de ser. mas era. e o importante era que respirava. talvez não fosse ar puro, aliás é muito provavél que não fosse. respirava nuvem e era daquelas macias, aveludadas em tom degradê. e era assim. desse jeito, totalmente sem jeito...

óculos de uma paixão

depois da cegueira a gente enxerga como se fosse a primeira vez. perceber que você se faz pequeno para os outros te fazerem grande me fez manter você no tamanho inicial. agora você não cresce mais. não há raíz que te suporte.

ninguém saberá se eu não quiser contar

é isso! vamos fingir que nem eu nem você sabemos que os cacos estão quebrados. enquanto eu e você fingirmos o mundo fingirá junto com a gente, porque as aparências enganam sim, meu bem. então vamos mostrar somente o som, a presença, a curiosidade. a nossa morte diária vamos esconder. até mesmo porque é morte, passado, coisa de antigamente. o nosso agora, instante, segundo, é pra ser bonito, pra estar na vitrine, com os preços mais altos. não vamos contar que a costura arrebenta depois de usada, vamos mentir dizendo que é assim pra sempre. eles acreditam! pode? deixe os nossos cacos no chão. eles nem olham pra baixo...

comece outra vez

desce menina, há muita coisa que você deixou de ver enquanto subia com tamanha velocidade a montanha mais alta que há. desce porque é de baixo que se pode ver lá em cima. comece outra vez a plantar as sementes, a cuidar da raíz. enquanto você estiver fixada nas folhas a terra vai continuar seca.

quinta-feira, 24 de dezembro de 2009

o nosso nó

basta que meus fios encontrem os seus pra que haja um nó. não há dedos que o desfaça, não há pente que deslize, não há vento que atravesse. resta apenas o nó numa tentativa frustrada de um encontro. depois de dias a espera dos olhos seus você chega cheio de realidade, como se não fosse meramente invenção minha. chega e atrapalha os planos que fiz sozinha pra nós dois. chega e escancara a porta fechada, com as chaves do lado de dentro. chega e fica mudo como se não houvesse eu e você do mesmo lado de dentro.

terça-feira, 22 de dezembro de 2009

uma professora encaracolada

há um tempo atrás eu era criança. e já fui bem pequenina. cabia no colo da mamãe. nem andar eu sabia. mas amar eu já aprendia. quando já era um pouco maior, com passos meus e palavras minhas, eu tive uma professora de dança. ela tinha os cabelos enrolados e quando eles ficavam livres preenchiam toda a moldura do rosto. eu não faltava a uma aula se quer. eu gostava do ritmo encaracolado que a professora ensinava. um dia eu fui a uma festa e ganhei um sapatinho de cristal. guardei por algum tempo o brilho dele na minha estante, até que um dia resolvi dá-lo de presente à minha professora. passei dias imaginando como fazer isso, em como eu podia fazê-la entender o quanto eram especiais os seus cachos. fiz isso com o coração querendo rasgar a roupa colada no peito. eu nunca esqueci desse detalhe. essas coisas que a gente faz quando ainda tem esperança. hoje encontrei a minha professora no elevador. ela ainda tem os mesmos cachos e eu ainda fico sem saber o que fazer com as minhas mãos quando ela está por perto. acho que ela também lembra do cristal que tinha naquele sapato. não ficou lá atrás este detalhe. ficou nos olhos nossos, naquele elevador.

para papai noel

papai noel, pena eu já ser velhinha o suficiente pra saber que você é de papel. eu já não tenho nem idade pra acreditar que os pedidos de uma carta possam se tornar realidade. é que meus desejos, papai noel, já não são de criança, apesar de que há em mim muita esperança. eu queria só um detalhe: que gente pudesse acreditar em gente. que eu pudesse usar as mesmas vendas da minha infância sem receio de arranhar a pele de repente. que eu não precisasse usar tabuleiros de jogos no chão que piso. que eu pudesse seguir sem aviso. que qualquer ação nas esquinas do mundo fossem contornadas de amor. que não fosse apenas um favor. queria que fosse assim. pra que eu pudesse deixar pra sempre abertas as minhas janelas de cetim.

perdi a conta

diz a tal menina, que nem menina é mais, que ela tem medo da verdade. pensa que a maquiagem pode prolongar a respiração da pele. ela não percebe que é quando se encontra a nascente é que se respira melhor... pisando em terras lotadas de cacos de vidros pontudos com os olhos bem abertos a dor pode ser despejada na correnteza. é só escolher onde pisar. não é nem um pouco necessário manchar os pés descalços de sangue. há tantas curvas que ela poderia se perder em passos de nuvem. mas ela não sabe, e pior do que não saber, ela não quer saber. pensa que verdade machuca. e não é só ela... como ela há muitos por aí, tantos que já não cabem nos dedos da minha mão. eu nem queria perder esta conta...

segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

vestido azul

vestida de azul ela se confundia com ondas misturadas de céu. quando o vento chegava fazia borrar os tons. corria entre o amarelo das pétalas, se desabrochava sobre o verde do colchão de terra, se misturava com a distância do cinza do asfalto... o vestido dançava enquanto o vento encostava na pele da menina. ela aumentava a velocidade e girava até que ela pudesse manter o corpo imóvel e a saia girando. segurava as pontas da roda que se formava e brincava com os movimentos de roda gigante. eram segundos de uma vida inteira.

sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

um dia de chuva

a cidade chora e não há lenço que limpe as lágrimas. tem gente que sente a dor e se inunda também. se deixa molhar de água que cai do céu. tão limpa e tão doce, bem diferente das que saem dos olhos meus.

terça-feira, 15 de dezembro de 2009

e o passado me engole.
todas as coisas não cabem dentro de mim.

o quê é que fica?

havia nos dois uma necessidade de alguém. ele não a desejava, ela sim. ela sabia que desejo era coisa que passava. mas o quê é que ficava mesmo? ela só via tudo indo, como se o passado fosse intocável, como se o ontem fosse só ontem. o agora era algo solto demais, quase um nascimento envolvido em tantos abortos. o amanhã quando começava, matava logo o que se foi. ela tinha era medo disso. não aceitava que uma noite pudesse ter fim só porque o céu mudava de cor. ela queria colocar a vida num arquivo e escolher os sorrisos que gostaria de repetir. mas teria que ser o mesmo sorriso. ela que mal podia morar dentro daquela que a cabia. a lua não era tão perto assim como uma vez ela imaginara. quando voltou pra casa acreditava que bastaria seguir em frente pra chegar lá no infinito. fazendo isso viu-se imóvel, com os pés enterrados na terra. e assim tudo ia, tudo passava, tudo tinha ponto final. era só dentro dela que as coisas não morriam. lá dentro tudo era vivo demais, tão vivo que não era raro ela viver um dia pensando ser outro. é que ela já sentira coisas demais e as poucas doses de sentimentos que os outros mediam nas pequenas xícaras não despertavam nela o efeito de roda gigante. então ela girava sozinha, nas esquinas, nos cantos, nos corredores, nos lugares onde ela pudesse fingir que o agora era qualquer coisa de ontem.

segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

roubo de alma

- você fica tentando arrancar as coisas da gente.
- eu tento arrancar a alma. acho alma a coisa mais linda que há.
- e já arrancou muitas almas? tem muitas guardadas? o que faz com elas?
- leio, porque a gente nao lê apenas palavras.
- então você faz tipo uma biblioteca?
- não consigo chegar no nível de uma biblioteca, porque minha memória não me permite. mas as almas que já li estão em mim. eu as roubo. roubo aquilo que fica no ar.
- então você é uma procurada internacional? por hábitos felinos que atravessaram os mares?
- não. não há ninguém me procurando. eu estou sempre à vista.
- isso que você saiba

ela não tem noção

desde que eu a vi nascer diante dos meus olhos ela nunca mais morreu. a vida a contém. o ar respira dentro dela. o oceano mergulha nas paredes da alma dessa menina. Uliana, você precisa saber que você tem nome, que você é você.

sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

as parades do meu quarto

um quarto de pensamentos vivos nas paredes. descendo e subindo as escadas molhadas de desejos. paredes pintadas com mãos de necessidades coloridas. nada muito liso, nada muito comercial, nada muito perfeito. paredes pra serem pedaços de papel um pouco mais sólidos. nas paredes do meu quarto eu quero pintar tantas coisas que eu irei precisar do teto, do chão e de mim. escrevendo no teto a frase irá continuar pelos meus fios, passando pelas montanhas do meu rosto, descendo o pescoço, deslizando na barriga, morrendo no calcanhar. os pensamentos precisam ser destacados, grifados, sublinhados. eu penso tantas coisas e aquelas coisas que eu não digo é como se não existissem. é urgente retirar de mim e colocar no mundo todas as minhas vibrações. pra que sejam suas e assim nossas.

depois que se vive 100 anos em um dia já não é possível viver um dia de cada vez...

quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

tempos

com Ana os fatos nunca se tornavam passado. ela tinha a capacidade de vivê-los em qualquer tempo verbal. juntava a sua frente pedaços de papel com palavras desenhadas, imagens congeladas em fotos, músicas com letras de ontem... espalhava as memórias e vivia um presente familiar. Ana era o ali, o agora. mas sabia trazer de volta pedaços do que tinha sido e que nem por isso não se era mais...

terça-feira, 8 de dezembro de 2009

a mim não parece justo que ele tenha fechado as cortinas enquanto eu ainda me debruçava por inteiro na janela da casa dele.

depende do ângulo

não é uma questão de plantar. há árvores que não crescem mesmo. a questão se volta sempre para os olhos. não é preciso olhar apenas para cima. uma semente que não germina é tão gigante quanto aquela que gera petálas de primavera.

segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

apaga a luz e aumenta o som

me chamou pra dançar e me contou toda a sua história debaixo do som. nenhuma palavra foi dita. eu o conheci pelo ritmo que ele contornava a música. quando me girava ele me descrevia em detalhes as coisas que pensava. a gente tem que parar de achar que as respostas vem depois das perguntas. eu sabia de tudo sem nenhuma interrogação. tudo ali, claramente escrito nos passos da dança. por minutos fomos companheiros de uma vida inteira. a música tem disso. é muito intima. nos deixa entrar no outro sem pudores, sem passado nem futuro. é um exagero de presente.
em tempos assim, de calor molhado de chuva, é bom deixar as portas abertas. há sempre um vento novo pedindo pra entrar.

quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

até hoje é ele

nós dois nos bastavamos. lembro dos dias de frio com pedaços de sol deitados na grama. em uma noite de estrelas na altura dos olhos eu e ele fomos para a varanda e de lá falamos de coisas que a gente jamais poderia ver. na cozinha a gente misturava as mãos com os sabores. colocavamos os dedos nas massas e lambiamos tudo com o nosso desejo permanente. ele não gostava de músicas e eu precisava da altura máxima do som. eu e ele erámos coisa única. se me viam sozinha me perguntavam por ele. ele estava em mim assim como eu estava nele. eram longas as nossas gargalhadas, mais longas que os trilhos de um trem. por isso eu digo com toda a certeza do mundo que os nossos dias tinham bem mais que 24h dentro deles.

sob medida

Sexo é um beijo suado.
Com gotas escorrendo pelos esconderijos das curvas.
Até secarem a saliva, o oceano do corpo, em um enxuto orgasmo.

vestido de alegria

Gosto de pessoas que quando querem ficar bonitas se maquiam com sorrisos.
Sem espelhos a gente pode ser o que quiser...
Ah, quanta liberdade!

dorçura

Coloquei açúcar na dor e achei que era doce.
Mastiguei tudo.
Até virar felicidade.

lágrima com cor

As cores enfeitam demais.
O menino chorava atrás do mundo que ele não queria que o visse.
Encolhido ele se fechava em um abraço cheio de pele.
Chorava sem medir, até soluçava.
Em voz alta dizia os sentimentos que as lágrimas não podiam.
Sussurrava a dor em pedaços de vento.
Mas acontece que ele vestia uma camisa amarela.
Naquele tom que eu disse que teria pudores em usar.
Um amarelo cor de todas as cores.
Eu olhava e parecia que as lágrimas secavam
com o sol que refletia da malha viva.
Tudo se confundia com felicidade.
Eu não conseguia achar triste
um menino de cabelo enrolado chorando lágrimas douradas.

jardim

Você precisa se machucar mais.
Não com cicatrizes, mas com pétalas bem macias.
Daquelas que fazem chorar, tal é a beleza delas...
Deixe-as cortarem você.

Não sei se ele existe

Um homem grande, de altura inferior a minha. Capaz de achar fantástico os pés descalços pisando na areia. Um homem sem compromissos com o banco. Ocupado com os outros, com a falta dos outros. Que queira viajar bem profundamente nas almas humanas. O destino será escolhido pela direção do vento no momento do pôr-do-sol. Ele não usará relógio, nem irá ao salão de beleza. Este homem vai notar quando as folhas das árvores mudarem de cor. Vai saber de cada estação. Notará o caminho das rugas que surgirão no meu rosto e achará um encanto toda a transformação. Ele vai me achar grande também e não irá me diminuir por isso. Irá me ajudar a colocar mais pedrinhas na escada. Vai me dar as mãos e me levará a lugares comuns, mas nossos. Vamos fazer coisas cotidianas parecerem novas. Juntos vamos mergulhar na transparência. Ele vai ser eu e eu serei ele. Vamos dar sentidos reais às palavras cumplicidade e intimidade. Nós vamos colocar flores debaixo das pegadas. Viajaremos muito, mesmo deitados na mesma cama por dias a fio. Ele vai me amar pra sempre. Vai me fazer voltar a acreditar que sou uma só e por isso única. Vou querer ser eu mesma em excesso, porque sei que ele vai gostar. Dormiremos com as peles grudadas, nem que seja pela ponta do pé. Nós não teremos futuro, nem móveis. Seremos alma e corpo. Livres de qualquer materialidade. Ele terá sonhos. Eu terei sonhos. E no meio dos sonhos eu e ele. Vou beijá-lo antes dele escovar os dentes. Sentir o gosto misturado no tempo. Vou desaparecer dentro dele após todo o suor de um verão. Irei saber o cheiro, sem frascos cheios de mentira. Eu vou pintá-lo em várias molduras. Uma arte em tamanho real. Bem grande.

Da delícia de ser uma Amélia

Ela só queria ter um nome que chamasse algo além de gente. Não queria ter um nome que quisesse dizer algo. Queria ter um nome que dissesse algo. Que quando ela ouvisse tivesse desejos de ser aquilo e sendo assim a fizesse atender o chamado por um espontâneo reconhecimento. Mas pra isso ela só não sabia qual nome escolher. Existia ali um problema: não cabia tudo dentro de um nome. Por isso se contentava em responder quando alguém a chamava por Amélia.

Ela tinha medo de ser esquecida. E quando acordou já era segunda-feira, bem clara. Atrasada para o trabalho! Era comum o relógio correr mais do que ela, pois Amélia detestava exercícios. As coisas tinham esse péssimo hábito: de chegarem atrasadas até Amélia. As coisas não conseguiam se adaptar a menina, era a menina que precisava se adaptar às coisas. Por isso as meias trocadas e a saia amassada, bem no ponto que ela deveria girar o mundo. Ela mesma não notava e achava normal a sua incoerência com as teorias lá de fora. Mesmo se acordasse cedo, fato que não aconteceria, Amélia usaria as mesmas roupas e teria o mesmo cabelo despenteado. Ela não tinha espelhos, nem os procurava. E sem espelhos ela podia ser o que quisesse... Ah! Quanta liberdade... Os outros tentavam consertá-la, porque pensavam que era Amélia a pessoa fora do padrão. A menina aceitava as críticas só pra ver todos saírem mais rápido e ela ter mais tempo para escrever cartas para ele. Todos os dias escrevia uma. Não recebia resposta. Se quer as enviava para ele. Ela mesma lia em voz alta as declarações. Ele não existia. Então ela lia pra qualquer moço que decidisse ser ele no momento. Eles não tinham muita paciência e geralmente interrompiam a leitura antes do final. Amélia deixou de se preocupar com isso. Ela gostava mesmo era de ler as cartas sozinha no quarto. As partes que eles não queriam ouvir ela guardava no fundo mais fundo da bolsa. Chegava em casa e lia os finais inéditos para o homem da vida dela. Ele só existia de fato no quarto dela, e por isso, no mundo inteiro. Amélia inventava quartos por todo canto que viajava. Os beijos deles eram de vento e aconteciam quando uma letra acompanhava outra fazendo criar sentidos. Eram beijos de olhos caídos, por não suportarem o peso do sentimento que ela jurava enxergar. Eram beijos que por não tocarem os lábios eram inventados poeticamente. Ela tinha era pavor do momento em que as pessoas ultrapassavam o imaginário e começavam a ser realidade perturbadora.

O pavor tinha uma razão. Toda vez que ela acabava de construir o seu castelo alguém destruía pelo menos uma das janelas. Então Amélia começava a morar em outros espaços, em quartos mais iluminados. Enquanto era dia ela saía na varanda e pegava a luz. Guardava cada pedacinho na sua caixinha de escutar música. Quando era noite... ela fechava as portas e as cortinas. Deixava tudo bem escuro. Enganava as estrelas e a lua. E lá dentro, escondida dela mesma, ela brincava de dias e noites sem horas marcadas.

terça-feira, 1 de dezembro de 2009

"o mundo está nos nossos olhos. os sentimentos também".
Thiago Franco

a sua espera

é que enquanto você não chega eu não consigo ir embora. o problema é que depois que você chega eu realmente não vou embora. e o desastre é que quando você vai embora eu fico esperando você voltar...

70 anos e sonhando...

 sonhos, os seus, não envelhecem. não porque sejam eternos - mas porque são renováveis, e mudam de cor.  sonhando desde sempre, você não foi...