segunda-feira, 29 de junho de 2009

que laranja!

ela tinha um vício: criar dependentes. adorava uma certa qualidade, de ser carinhosa. saía por aí esparramando mel nas calçadas, nas folhas, no vento. sabia dos desejos dos outros. e sabendo demorava ainda mais nos toques. lentos e apertados. carregava nos olhos um colo de mãe, com tamanhos ajustáveis. usava roupas cintilantes, que chegavam a ser mal-educadas de tanto que cuspiam brilho. ela nunca cobria os pés. gostava de deixá-los bem livres pra que eles tomassem conta dos caminhos dela. ela só queria seguir a ordem dos seus pés. ela era tão linda... eu achava que na verdade ela estava linda. porque tudo era uma questão de querer. ela queria tanto ser que acabava sendo, sem querer.

dava gosto observá-la. uma vez deram uma laranja para essa menina. ainda era manhã e ela tinha acabado de tomar o café. pegou o presente e guardou o gosto para a sobremesa. quando deu a hora do almoço ela chegou ansiosa. passara toda a manhã a espera dos gomos se espremendo na língua. ela gostava desse intervalo entre o desejo e a realidade. pegou seu prato e almoçou. terminou antes de mastigar. foi até o quarto e buscou a laranja. apertava aquele círculo com as duas mãos. havia algo ali além do sabor. havia textura. lentamente ela passava os dedos na casca verde que abraçava a fruta. foi até a cozinha buscar uma faca e em seguida a descascou. separou gomo por gomo, até que ela pudesse ver aquele círculo todo desfeito. pegou um deles e sentiu um cheiro que a fez salivar. comeu um por um. silenciosamente. ela mastigava o tempo que podia. queria absorver todo o excesso daquela fruta.

ela era assim sempre. fazia qualquer laranja ser a melhor das comidas. ainda que ela preferisse os maracujás.

trilha do dia

dentro de uma música eu consigo me esticar por inteiro. é muito mais do que um som. essas músicas têm corpo, têm contorno. eu poderia desenhar uma a uma em papéis ansiosos por imagens. a que que vejo agora tem silhuetas perfeitas, daquelas que os fotográfos passam vidas tentando congelar. essa música dança, movendo o coração dentro de si. ele salta. espia o mundo lá fora e faz tudo pulsar. até o oceano. beira-mar. eu vou é pra lá, balançar na cadeira de ondas...

domingo, 28 de junho de 2009

tudo que um quarto pode ser

um quarto cheio de paredes pode ser um grande palco da vida real, da parte mais real da vida. rodando a chave na porta eu encaro a minha companhia. acho graça dos meus pensamentos. cubro com panos o frio humano. faço parte da bagunça, me transformando no item principal de toda a desordem. tem dias que eu quero morar lá dentro. lá dentro de mim.

sábado, 27 de junho de 2009

um homem que recebe as visitas com um girasol só pode querer deixar logo na entrada o convite do próximo encontro...

"eu vou pagar a conta do analista pra nunca mais eu ter que saber quem eu sou"

qualquer pedaço de dúvida ela carrega pra dentro daquela sala. embrulha os problemas com papéis bem decorados e entrega para a mulher sentada na cadeira com olhos bem atentos, encapados pelos falsos óculos. despeja tudo o que pensa ser um conflito, mesmo que não seja. ela precisa ter algo pra falar. entra naquela sala uma vez por semana. toda terça. na quarta ela já começa a procurar os problemas para a próxima sessão. ela só quer saber de chegar e jantar a comida servida na mesa. paga e vive seis dias de conforto. e depois volta pra abastecer tal qual uma máquina. na verdade eu só queria que ela parasse com esse desejo tolo de viver em paz.

sexta-feira, 26 de junho de 2009

tédio.

trança de um domingo

no cabelo tinha uma trança que unia os fios. a ponta estava amarrada com uma fita amarela, cor de girasol. o cabelo chegava até a cintura e quando ela caminhava a trança dançava de um lado para o outro. a menina ajudava no ritmo, balançando o corpo pra dar mais movimento aos fios. andava pela floresta, em direção ao domingo que ali existia. carregava uma cesta de palha, coberta por um pano de bolinhas que pulavam do branco para o vermelho. dentro levava pedaços de bolo com sabor de fubá, deixados pela vovó na mesa da cozinha. com a outra mão ela segurava a ponta da saia, que tinha mais flores que o jardim pelo o qual ela passeava. cantava músicas que só ela conhecia. brincava com as letras e os tons. por isso via-se dançar ali não só o corpo, mas todos os fios daquela trança.

quarta-feira, 24 de junho de 2009

- o mundo não é bom.
- desculpa confessar isso. mas tenho medo de enfrentar o mundo quando ele me atacar e as vezes penso em como o céu pode ser bonito, quando visto lá de cima.

segunda-feira, 22 de junho de 2009

domingo, 21 de junho de 2009

da minha pequenez

daquilo que temos juntos eu ficaria com minha pequenez, tão gigante quando deitada nos largos ombros dele. as mãos mais compridas que as minhas tinham tanta firmeza no toque que foram elas os olhos daquela noite. eu seguia as ordens dos dedos, que juntos em apenas duas mãos, me levavam para lugares bem mais macios que o meu corpo. minha nuca sentia quando ele me prendia com correntes de pele. mas era da minha pequenez que eu gostava. colocava-me por inteiro dentro dele. eu cabia por inteiro lá dentro. delicadamente ele entendia isso e me carregava. eu me encolhia ainda mais. queria ser do tamanho das palmas das mãos, pra me fechar naquelas almofadas humanas. eu encolhia e ele me esticava a procura dos lábios. eu insistia na pequenez. coberta pelo corpo dele o mundo já não me via. eu experimentava uma sensação de fim da linha. tudo podia acabar ali, com a minha alma se espremendo na grandeza dele. não se tratava de esconderijo, mas da pequenez. o que eu podia querer além de me encaixar em outro alguém? não havia naquele momento nenhum desejo que me fosse maior. eu só queria saber de ser pequena e fazer ele ser bem grande.

sexta-feira, 19 de junho de 2009

ele quis que meu aniversário fosse hoje, então vamos comemorar!!!

interiorana

hoje eu queria sentar naquele banco descascado da praça do interior. ver a simplicidade passando em frente a única igreja da cidade. esperar o menino chegar sem graça com flores e uma carta na mão. sentar ao lado dele e dizer textos cheios de silêncio. tomar um refrigerante na barraca e chegar às dez horas em casa, seguindo as ordens do meu pai.

ela que me lê mais do eu mesma

"amiga... seja autêntica. sempre. procure o que quer. não se baseie em quem admira, ok?
...
na faculdade... era nerd como a carol e a outra que esqueci o nome. depois se abriu mais comigo... na tv... era frágil e doce como a Tati. nos EUA... se envolveu em relações com mulheres, bebeu como nunca, e se entregou à liberdade como os jovens que conviveu. foi para África por admirar a Deca e achar que se encontraria lá. chegou aí.. e ficou tão frágil quanto as crianças que cuida. se contaminou pela miséria e sofrimento e se sente fraca.
...
por não conhecer quem é... quis ser todas as pessoas que conviveu. mas tem duas coisas que sempre vi em você:
o dom para traduzir sentimentos em palavras... tenho sua primeira cartinha... que me deu em meu aniversário na PUC São Gabriel.. com velinhas e brigadeiro... e a sinceridade de sua amizade
...
você muda conforme os lugares e pessoas que convive.
...
cada pessoa tem uma coisa interessante. eu não consigo amar tanto como você ama. sou fechada... nunca vi pessoa que mais ame do que você. e isso é raro... sabe, sinto um amor puro de você por mim.. como o de minha mãe. e não é so eu.. todo mundo que convive com você sente isso"

quarta-feira, 17 de junho de 2009

um beijo maior que o beijo

pra todo beijo pedia uma prova. maior que o beijo. coisa de quem não sabe provar o gosto, de quem não sabe que tem língua. beijava esperando o texto. tudo era um teste. até o beijo. analisava o tamanho do sentimento, usando réguas de 30cm cada. pra ela tudo tinha que ser em forma de espetáculo, em voz alta, com cores cintilantes. propaganda. visual. com aroma. se era vazio por dentro só ela veria, então pouco importava. o importante era lá fora, os olhos, a vitrine de si mesma. queria incansavelmente vender a felicidade em frascos diários de mentiras.

segunda-feira, 15 de junho de 2009

sábado a noite

um beijo. dois suspiros. outro beijo. duas peles. uma mordida. a razão. outra mordida. derrama tesão. vai e não volta. sua prazer. descansa os desejos. acorda os planos. e vai embora sem qualquer romance.

quinta-feira, 11 de junho de 2009

acabei de perceber que nem tudo que faço quero que dê certo. não é tanto o desfecho que me interessa, mas o caminho de uma ponta até o infinito da outra.

acabou

um dia eu deixei que ele fosse. deixei porque tinha a certeza da volta. eu acreditava que nenhuma liberdade seria capaz de criar asas tão grandes nele. achava que sentimentos não faziam parte do mundo material. que eram algo de forma única. estática. se um dia ele a amou então amaria pra sempre. mas tudo mudou, até ele. aliás, quase tudo. menos eu.
"eu sempre pensei que ia casar com uma mulher que eu ia conhecer na sexta e a gente ia casar no sábado"... sabe?"
"Debs, eu acho que a gente ainda vai ficar de maos dadas na velhice"

quarta-feira, 10 de junho de 2009

através do meu silêncio estou deixando você respirar. você entende, né?

um dia, dois dias, e todos os outros...

acorda cedo, antes dos olhos se abrirem. toma um banho rápido pra limpar, mas não se molha. come algo escondendo a fome e em seguida esquece o gosto. sai de casa. chega na outra casa. liga o computador e desliga a janela. trabalha. porque precisa. porque quer dinheiro. e talvez porque goste. sai pro almoço. neste intervalo sempre tem desejos de não voltar. mas volta. computador já ligado. abre, fecha, copia, cola. 18h! mas já? chega em casa 20h e tenta descansar. mas está cansado demais pra atravessar a rua. deita os pensamentos no sofá e o corpo na televisão. não consegue assistir um programa completo. não resta nada. só o sono pra relaxar a pele pro dia seguinte...
eu casaria com ele hoje mesmo. fora da igreja e com os pés enterrados na areia.

terça-feira, 9 de junho de 2009

segunda-feira, 8 de junho de 2009

vai dar poesia...

"eu não consigo mais ficar sem sax, sem transformar em notas um monte de sentimento"

as palavras são pequenas

- entre o que dizemos e o que fazemos há uma longa distância.
- muita... muita longa distância. porque né?
- porque desejos muitas vezes não cabem nas palavras.
- os desejos me corroemmm... muitos.
- quais? conte-me todos.

sábado, 6 de junho de 2009

encontro de mãos


não era o toque, mas a pele que ali existia. aquelas almofadas recheadas a encantavam. davam a impressão de que nos 24 anos de existência as mãos haviam sido usadas apenas para beijar. como se tivessem sido sempre privadas de qualquer lágrima. por isso o carinho dela nas mãos dele era na verdade um prazer egoísta. ela tentava assim dar certa maciez a sua áspera palma. um verdadeiro encontro de mãos.

quinta-feira, 4 de junho de 2009

tenho visto poucos beijos atingirem os lábios. a maioria deles não ultrapassam se quer o batom vermelho.

pedaço suculento de pão

não era do gosto em si que ela gostava, mas sim de mastigar as almofadas daquele pão minutos depois de sair do forno. mordia pedaços pequenos pra prolongar aquele prazer miúdo. as vezes ficava com partes dele na mão, modelando formas de nuvem. o cheiro também era um convite. vinha espalhado pelo ar, todo direcionado a ela. é preciso assumir que era mesmo um pão e tanto.

quarta-feira, 3 de junho de 2009

Paris, eu te amo

"- alô?
- Tomas, escute.
- Francine?
- escuta: há momentos em que a vida exige mudanças, transições. como as estações. nossa primavera foi maravilhosa, mas agora o verão acabou. e nós perdemos o outono. e de repente está tão frio, tão frio, que tudo está congelando. nosso amor caiu no sono e a neve nos pegou de surpresa. e se dormirmos na neve não sentimos a morte chegar..."


http://www.youtube.com/watch?v=XUhi17Rg2XU

segunda-feira, 1 de junho de 2009

sobremesas

- como vai?
- vou bem, graças a Deus. e você?
- vou bem também ... graças ao vento
- e a que ele te levou?
- ainda está chegando. na hora vieram muitas ondas e ele nao pôde ser mais forte que a água daquele mar
- mas nunca será.....
- por isso talvez nunca chegue
- o vento só é mais forte que o nosso corpo... ele pode até te levar... mas o mar ficará aí...
- eu tenho medo de ir sozinha. por isso espero uma onda que me carregue pra eu poder ter a desculpa de ter sido levada.
- hum... e desde quando vc tem medo de vento????? te vejo até dançar nele....
- tenho medo quando vejo as pessoas apagando as luzes e indo dormir. quando percebo que amanhã estará claro demais pra eu poder qualquer uma das minhas velas.
- não tenha medo mais. diga para a vela.... que não precisa mais dela..... sua luz ilumina tudo.
- as vezes penso que essa luz seja invenção da poesia. mas o que podemos esperar além da poesia?
- acho que tudo além da poesia é mortal... prefiro nao pensar além dela..... sabe... tenho medo do além...
- nao há poesia sem além. fica só a letra num pedaço de papel. o além dá mais do que medo. são suícidios na maioria das vezes. pra quem gosta de morrer como eu tem gosto de sobremesa...

70 anos e sonhando...

 sonhos, os seus, não envelhecem. não porque sejam eternos - mas porque são renováveis, e mudam de cor.  sonhando desde sempre, você não foi...