quarta-feira, 15 de novembro de 2017

ainda estamos no pacto?

quando você diz que vem eu começo a lhe esperar, e a culpa é minha de fazer do tempo um tempo de espera como se pra toda partida houvesse uma chegada. verdade é que seu verbo não está alinhado ao meu, e o fato de você dizer que vai, não quer dizer que vem. você vai, mas não vem. você vai, mas não chega. você vai, e é só a partida. você vai, e eu também preciso ir.

descendo da montanha

de você, o luto. desta vez foi sem registro dos 30 dias de vida. desfiz a vitrine, me tirei do cabide, andei descalço, olhei pro céu, entrei no mar, me perdi na falta do horizonte. essa vida que não foi escrita antes da gente, mas que também não nos deixa escrever a nosso modo. já não nos chegam os papéis em branco, eles aparecem rabiscados, com as pontas rasgadas na altura do peito. até que se tenta fazer alguns remendos, mas a costura não se recompõe, e o botão não estanca a ferida. a gente insiste. vê que a trilha só cabe um, mas aperta, encolhe, escorrega, levanta, machuca, marca, e fere. sabe-se do risco de morte, confunde-se, talvez seja risco de vida. morte e vida no cume da montanha, lado a lado, e perde-se a conta de quantas vezes se sobrevive e se recupera o fôlego. e agora, hora de descer, depois de se chegar tão alto, de acelerar o passo sem olhar pra trás, é hora de descer, passo a passo, sem você, eu sempre estive sem você, descer, com você, mas sem mim, sem nós.

quinta-feira, 9 de novembro de 2017

a menina que poderia ser um menino

a menina listrada que de vez em sempre sentia sua pequenez encolhia-se miúda entre troncos arranha-céus e guardava entre os dedos a brisa que inaugurava as manhãs. vestia-se de linhas que faziam curvas nos pés e lhes levavam para cantos de mundo ainda sem caixa postal. descansava exatamente ali, onde o mapa não existia. brincava de inventar endereços, e viajava pelo mapa-múndi sem precisar sair da varanda de frente pro céu de todas as estrelas. tricotava balões de pensamentos que revelavam cenas do lado de lá, daquela quina onde acumulava seu coração. permitia-se escorrer sem o menor esforço de reter a correnteza e logo notava-se a enchente povoando os instantes de concentração. dispersava o raciocínio diluindo-o em litros de memórias de histórias que não paravam de acontecer em um ontem insistente em repetir-se sempre por mais uma vez, e mais uma vez, e mais uma vez, e reticências.
ilustração: Patrícia Metola

70 anos e sonhando...

 sonhos, os seus, não envelhecem. não porque sejam eternos - mas porque são renováveis, e mudam de cor.  sonhando desde sempre, você não foi...