sexta-feira, 30 de abril de 2010

quinta-feira, 29 de abril de 2010

o último segundo

quando o ônibus acelerou descendo o morro eu vi a mulher do meu lado segurar firme no banco. eu não. eu só fechei os olhos e senti o desenho que as rodas fizeram no asfalto. tinha vento e uma espécie de adeus. porque qualquer que seja o último segundo eu quero poder vivê-lo pela última vez...

terça-feira, 27 de abril de 2010

sapatos apertados

os pés, acostumados a ocuparem o espaço que lhes cabia, agora eram abraçados por um par de sapatos. era no mínimo gostosa aquela sensação de ser tocado em todos os cantos. algo como proteção. os pés, apesar de livres, cabiam em de um par de sapatos. era confortante se reconhecer dentro de um território fechado, onde só havia espaço para aqueles pés. era o número exato. era bom caminhar com os pés apertados, dava mais confiança aos passos. podia-se ver outros pedaços do mundo, sem ter que se preocupar com a fragilidade dos pés. eles já não estavam abandonados. envolvidos por esse sentimento os pés começaram então a acelerar o ritmo. eles podiam acelerar. já não estavam sozinhos. se tropeçassem lá estariam os sapatos. e correram. suaram. e de repente, não suportaram. os dedos se sentiram sufocados, sem poder esticar a pele além do limite que os sapatos impuseram. o calcanhar ficou marcado pela proximidade permanente dos sapatos. a pele encheu de bolhas que extravazavam a necessidade de se caminhar sozinho. conflito! os pés não sabiam que as vezes até mesmo os sapatos machucavam...

domingo, 25 de abril de 2010

quem escreve

quem escreve tem nos olhos pincéis. tudo que vê coloca em linhas, por vezes desalinhadas. quem escreve se faz personagem de si mesmo, se transporta pra outra estória e descansa nos parágrafos. é importante destacar que se trata de um descanso urgente. quem escreve não pode acumular palavras, precisa respirar. textos que se acumulam dentro de quem escreve entopem as veias, cegam as retinas, secam os poros. quem escreve precisa escrever. quem escreve se embriaga quando uma letra se encontra com outra. se permite ir até onde o coração aguenta, até onde o coração arrebenta. sem piedade, sem metades, sem sutilezas. quem escreve, descreve. não para alguém, não para si mesmo, mas pra ter liberdade. quem escreve constrói permanentemente novos capítulos. e é bem verdade que se eles não forem pro papel ficarão feito grades dentro de quem escreve. não faz sentido. nunca fez. o silêncio, na maioria das vezes, é uma farsa. quem escreve sabe disso. não há um silêncio completo. dentro de um silêncio há muitas curvas. quem escreve não aceita que as folhas de outono pintem somente do lado de fora. quem escreve não usa coroa. quem escreve só se descreve. em primeira, segunda, terceira, quarta pessoa. até a última pessoa é sempre quem escreve. é uma necessidade, é uma viagem de ida...

sexta-feira, 23 de abril de 2010

"sempre quis te dizer que te amo, mas nunca disse.
medo de te perder..."
Ele, e vocês deveriam saber quem.

quinta-feira, 22 de abril de 2010

resgate dos poros

é que toda vez que se termina imediatamente se começa. não há um fim das coisas. não sei como não me dei conta de mim mesma antes. eu estava ali me dividindo, me afastando do que eu era pra ser algo pra ele. não tem que ser assim. e aí, de repente, você se olha, não a partir de um espelho, mas a partir da pele. você está ali ainda. incrivelmente ali. desespero. lágrimas conclusivas de que você ainda está ali. e foi quando me dei conta da minha própria existência que ele deixou de existir. ele era tão pouco, era tão dele, que não poderia ser de ninguém. sei que não há posse quando se fala de gente, mas sei também que hoje já não sou minha. pertenço a qualquer coração que me deixe morar lá dentro. eu moro em tantas casas... que me falta o meu próprio lar. e é assim que deve ser, pra que de fato se possa ser. talvez um dia ele perceba o quanto ser apenas de si mesmo é pouco. ele não soube se doar, nem pra mim que estava com as mãos tão estendidas. havia muitos muros em torno dele, uma concretude que o pausava num instante só dele. perdia-se o outro, perdia-se a passagem. eu não o alcançava... e olha que ele estava bem na minha frente. isso eu já havia descoberto: distância tem pouco a ver com a física e com o alcance das retinas. a distância está naquilo que o coração consegue enxergar. o coração dele me pareceu cego. um coração que não cabe outro alguém só pode ser cego. foi por isso que não olhei pra trás. foi por isso que o deixei lá atrás. foi pra me deixar descalça novamente, com os pés beijando a terra viva que há em mim.

segunda-feira, 19 de abril de 2010

já é dia!

eu me recuso a tirar a minha roupa de festa e concluir que já é dia. de nada servem as noites, elas sempre acabam. eu me recuso a vender o instante que teria ao lado seu. as noites não podem acabar assim. não sabem elas que alguns encontros não cabem dentro delas? são egoístas. quando acabam não deixam se quer uma estrela, nenhum vestígio. as noites não podem acabar assim. e o quê é que não acaba mesmo?

domingo, 18 de abril de 2010

cobertor solar

hoje fiquei horas debaixo do sol. o melhor dos tempos frios é essa possibilidade que ele dá de construirmos o nosso próprio verão. o sol ali, colorindo a pele, sem exageros. há pouco tempo atrás eu dava as mãos para um amigo e nós deitávamos juntos na grama, bem na parte que o sol abraçava. era o melhor dos cobertores... ficavámos lá até que ele se desmanchasse pintando o céu de vermelho. nos despedíamos porque sabíamos que sempre chegava uma hora em que era preciso inventar o nosso próprio sol...

quarta-feira, 14 de abril de 2010

queria uma casa

- queria estar em casa.
- você tem casa?
- não sei.
- eu não tenho, mas queria ter... uma casa que não tivesse teto, que no centro pulsasse um coração, que na varanda me esperasse com um abraço, que ao redor não houvesse paredes, que não me separasse, que a janela fosse ela inteira, que por todo canto escancarasse chaves, que fosse transparente cor de todas as cores, que fosse minha. pra eu poder carregar as minhas coisas e morar dentro dele.
solução tem pra poucas coisas. o ideal é que a gente aprenda a lidar com as pedras e a achá-las bonitas na sua imobilidade...

terça-feira, 13 de abril de 2010

"Não sei, acho que te ver me dá saudade." (Mari Dutra)

acelerando

é complicado quando não se sabe lidar consigo mesmo. é complicado quando todos te dizem para se podar, para esperar, para respirar. ar. não sabem todos que essa é a minha natureza e que não necessariamente é errante. é complicado quando se carrega dentro dos olhos tudo o que se vê. sem perceber se esquece que as portas estão abertas e que tudo entra desenfreadamente, com pressa, atropelando, enlouquecendo. explodir é exaustivo, principalmente quando se vê que depois só restam cinzas. e aí você é obrigado a enterrar aquilo que ainda vive e mal começou a nascer. é complicado quando se tem uma velocidade diferente. é solitário, é estrada de mão única, é janela com grades. é complicado ser eu mesma e não poder ser outra. é realmente complicado.

domingo, 11 de abril de 2010

cheiro bom

e quando eu o vejo já começo a me despedir. ciente que quando o dia acontecer ele irá embora eu conto os segundos de uma noite como se contasse uma vida inteira debaixo da lua. nossos segredos estão nos instantes em que já não há sol. ainda não tivemos coragem de nos encarar sob a luz do dia, despidos das sombras, vestidos de pele. a gente ainda se esconde atrás do desejo, atrás das pupilas. perdemos a contagem regressiva nos refletindo nos olhos, fazendo releituras de nós mesmos. e aí me vejo entortando as grades, abrindo uma fresta, respirando liberdade. sinto que começo a deixar o passado misturado às coisas de ontem. olho pra ele e desejo que seja ele na minha frente. guardo qualquer intervalo pra viver repetidas vezes os segundos que ele me carrega dentro dele. mal sabe ele que quando nossos poros respiram juntos eu perco o mundo lá de fora. começam e terminam ali as minhas vontades. ele me basta, me bastaria. sim, estou apaixonada. principalmente porque foi ele quem buscou lá no céu novas estrelas pra contar de nós dois.

sábado, 10 de abril de 2010

alma sem dono

relendo a mim mesma é clara a repetição de palavras como: talvez, acho, pode ser, parece, penso, incerteza, dúvida... eu estou aí, exatamente lá e cá, na fronteira, eu sou eu e quase sou você, tenho nome mas chego a ter um pedaço de todos os outros, vivo presa ao meu corpo mas minha alma já não me pertence e isso meus caros já faz muito tempo...

quinta-feira, 8 de abril de 2010

da pêra eu gosto da maciez, da forma como ela se desmancha dentro de mim.

ele ainda vai saber

que muro é esse que ele criou entre duas pessoas reais? não sabe ele que realidade não se separa, não sabe ele que estamos no mesmo mundo e que pisamos no mesmo chão? será que não contaram pra ele que depois que se escreve algo no céu nos resta apenas seguir as estrelas?

Cristina Magalhães de hoje, de ontem, de amanhã

nos seus 50 e tantos anos já não dava conta de falar do passado sem misturar ao que sentia agora e ao que estava por vir. professora de História não era um lugar estacionado lá no ontem. ela reconhecia que os acontecimentos não eram tão datados assim e os revivia ali, na minha frente, a própria história. teve uma noite que ela chorou ao contar o caso de Tereza. ela acabava se perdendo nas repetições, talvez fosse uma forma dela ter certeza de que algo foi dito. provavelmente nos seus 50 e tantos anos ela aprendera que o simples fato de falar não implicava na comunicação. então ela repetia, mais pra si mesma, pra se dar conta que a História ainda acontecia, pra poder colocar toda a sua alma la atrás. assim ela disparava, não parava de nos contar, de nos relatar, não respirava, se afogava, não respondia, viajava. parecia alguém que tinha vivido bem que mais que seus 50 e tantos anos. ela vivera todas aquelas épocas que nos ensinava em sala de aula. até mesmo porque viver não está limitado a presença física, no caso dela eu diria que pra cada ano havia outros tantos incluídos. ela tem os moldes de senhora, cabelo curto, preso no contorno do rosto, pele limpa, roupas largas, sandálias que a aproximam do chão, e muita história. ela era a personificação da História, da parte maiúscula. na posição de professora ela não se contentava em nos oferecer os conteúdos escritos por outros, ela os embolava nas próprias linhas de tal forma que era praticamente impossível separá-la do passado. era uma espécie de diário. era uma caminhada de tempos diversos em tempo real. ela se pintava pra gente, desabafava a incapacidade de colorir apenas uma estrela. esta senhora se acumulava em dores, em frustrações. a mim ela mostrava o quanto era óbvia a limitação humana ao acompanhar os segundos que corriam com os ponteiros do relógio. ela era uma obra viva, daquelas que eu guardaria no meu museu de tantas recordações.

terça-feira, 6 de abril de 2010

nas alturas

- olhando a cidade daqui fico imaginando quantas pessoas existem lá em baixo. quantas você vê?
- vejo duas: eu e você. sabe... gosto destes segundos que a gente esquece de tudo.

segunda-feira, 5 de abril de 2010

por pensar demais...

e aquilo que eu penso é na maioria das vezes dispensável. é uma gota, é um grão, as vezes nem gota, nem grão. seria melhor se eu parasse de estimular tanto os meus pensamentos. talvez eu fosse mais livre de mim mesma, talvez eu flutuasse mais. pensando assim, com esse excesso todo, eu vou chegar até lá em cima pra depois ter que viver descendo. não existem níveis, não existem posições, não existem espelhos. existem pessoas que respiram, a sua maneira, o seu ar, mas que respiram. por favor, peço que respeitem o pulmão de cada um. pouco importa se absorve poluição, oxigênio, farpas, lágrimas, dores, esperança, ou qualquer coisa que seja. cada um estica o tanto que pode, o tanto que convem. e não cabe a ninguém inventar que consegue subir no degrau mais alto e ver as coisas miúdas da terra. não existem óculos assim, não existem olhos assim. todos enxergam, e cada realidade é totalmente diferente da outra. ainda que alguém consiga entender uma linha é quase como se não conseguisse compreender absolutamente nada. não há mesmo pares, há indíviduos. é essencial perceber isso. o outro pode criar o mundo que ele quiser, é o mundo dele, não o seu. não tem que ser como o seu, tem que ser como o dele. vamos lá! vamos sair do palco, vamos parar de achar que as luzes estão sempre em nós mesmos. não, elas não estão. as luzes são para todos e a intensidade é uma escolha sem valor. é tempo de respeito, de aceitação das diferenças. é tempo de amor, de aprender a amar, coisa que talvez eu nunca tenha aprendido.

70 anos e sonhando...

 sonhos, os seus, não envelhecem. não porque sejam eternos - mas porque são renováveis, e mudam de cor.  sonhando desde sempre, você não foi...