quarta-feira, 1 de outubro de 2008
justo eu que finjo tanto
Estou descobrindo que ninguém de fato é. São muitas as tentativas em ser. Vários os modelos das molduras com quadros cheios de razão. Se a gente apenas fosse seria tão simples acreditar. Mas as pessoas têm vontades demais. Os desejos atropelam a essência. Morre cada característica singular, tão própria de cada um. Não dá! Pra pintar é preciso fechar os olhos. Deixar as cores desenharem por si só. Mas lá vai ele... abre um cantinho do olho e observa se alguém percebeu... e em pouco tempo já está, mais uma vez, de olhos abertos. Lá vão eles... copiando exemplos midiáticos, fingindo serem capa de revista, imitando a beleza. Estranho... porque eles mantêm os olhos abertos, mas não enxergam. Até quando se olham no espelho o reflexo é produzido. É maquiagem em excesso. Sinto falta de pele, de sujeira, de cor. Justo eu que finjo tanto. Que fico aqui escolhendo as melhores palavras pra falar de mim... faço coisas para os outros pensarem o que eu quero. É muita porta pra abrir. Muita água pra beber.
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ResponderExcluir"Ficaria mais atraente se eu o tornasse mais atraente. Usando, por exemplo, algumas das coisas que emolduram uma vida ou uma coisa ou um romance ou um personagem. É perfeitamente lícito tornar atraente, só que há o perigo de um quadro se tornar quadro porque a moldura o fez quadro. Para ler, é claro, prefiro o atraente, me cansa menos, me arrasta mais, me delimita e me contorna. Para escrever, porém, tenho que prescindir. A experiência vale a pena, mesmo que seja apenas para quem escreveu."
Clarice Lispector