quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

solidão povoada

até hoje só vi você sozinho, num barco sem remo, guiado pelo vento. insisti na idéia de que lhe faltava companhia, alguém pra sentar ao lado seu numa tarde de domingo. você foi me mostrando que solidão não era bem ausência, mas multidão. percebi que a minha presença não o preenchia, já que não havia espaços vazios. era inevitável que eu me afogasse em suposições diante das poucas sílabas que você soletrava pra quem quisesse ouvir. naquela vez que vi você cantar, gastando frases inteiras sem economizar, sentei no canto da varanda pra você não ver o quanto eu o memorizava nos mínimos detalhes. e não foi só naquela vez, é sempre assim toda vez que sinto sua pele passear pelos muros desta nossa cidade. Belo Horizonte passou a ser nossa depois que você me deu de presente o caminhar pelas ruas sem lugar certo pra chegar. é uma sensação que é nossa, essa de não importar se estamos aqui ou acolá, basta que estejamos...

quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

beijo de lichia

a delícia está na forma, no descascar de fruta a fruta até encontrar o sabor, uma espécie de ritual preparado pra tornar o beijo ainda mais doce.

terça-feira, 28 de dezembro de 2010

ciúmes

fico pensando se esse seu ciúme não surge quando você faz isso, quando se emoldura numa pintura programada e aí esconde as pinturas que vinham por detrás da imagem que aparece. e assim... você quer manter aquela imagem, e aí... se confunde. se reconhece naquela imagem e sente medo de rabiscarem a tela. uma pintura que você criou pra caber você e ele. mas precisou encolher, porque não cabia você inteira. e qualquer que que seja o encolhimneto gera ciúmes, porque ficamos sem parte nossa. é como amputar. quando você perde algo que é seu você fica manca... e acaba se apoiando em alguém, alguém que te dará uma perna, um tanto quanto falsa. isso é ciúmes. é a falta de nós mesmos. ciúmes vem quando não nos temos por inteiro.

segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

um tanto de medo

é que eu tenho medo de quebrarem a minha asa... tenho medo do tempo, do tempo que pode chegar sem piedade. é que eu não quero ter territórios. e aí... me vejo as vezes mais velha sem ter um porto... a gente tem essa mania de ficar se algemando em territórios seguros... e me diz se o namoro não tem um tanto de fuga acumulada? me diz se não é um território em alto mar? fico pensando que a gente faz das pessoas um abrigo. eu quero é dar conta de não me esconder em pele alguma. eu quero ter uma mochila simplesmente...

sábado, 25 de dezembro de 2010

coincidência?

descobria os segredos dele e depois os contava como meras coincidências... não se podia revelar esse cálculo bem matématico. era muita delicadeza dela se contornar com os detalhes que eram dele. o importante era que no final ele acabava se encontrando nela... ou nele?

sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

sobriedade proibida

daquele canto, um tanto quanto anônimo, eu fitava seus movimentos. fui descobrindo os caminhos que a sua pele faz em torno dos dedos, os fomatos que suas unhas inventaram, o seu tom de voz em torno dos outros. a multidão não te coibe, são seus impulsos que o deixam incubado em sua bolha particular. naturalmente você não permite misturar este gosto aos lábios seus, e não só você, eu entendo. você se protege dos pensamentos apressados das janelas ao lado. você quer ser parte, eu sei bem disso, mas não consegue ser naturalmente. há um jogo esteriotipado e calculado nas palavras que você torna reais antes dos efeitos do álcool. menino, se você soubesse que a minha embriaguez acontece só de ver você passar, talvez você percebesse que pode beber no mesmo copo que o meu.

quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

dois tempos

você não perde essa mania de fechar todas as portas assim que me vê chegando. e eu não perco essa minha prudência em esperar você abrir ao menos uma fresta pra eu entrar.

quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

muros quentes

desculpe, acabei perdendo o trem das onze horas, acabei perdendo também algumas linhas penduradas em suas curvas. é difícil manter a carruagem quando já não se vê o girar dos vestidos longos debaixo do sol de 40 graus. parece quase como retroceder. é, estou mesmo atrasada, e o trem foi só uma forma que inventamos de delimitarmos o passado e o futuro. ainda bem que perdi esse trem. ainda bem que não fiquei no passado. ainda bem que não quis ser futuro. estou pensando em partir no próximo trem, e desta vez, não deixarei você pra trás. é verdade. eu tenho medo da vulgaridade que escandaliza debaixo da minha saia. e se aqui chamo de vulgaridade é porque os meus contornos foram desenhados com pernas bem cruzadas. naquela noite, quando o silêncio sublinhava nossa respiração, eu já havia programado cada muro que poderíamos debruçar nossos corpos, e não só os muros, mas o passear das peles neles. confesso que não precisei controlar meus impulsos, a carne viva sempre deixa a desejar. toda aquela noite com ruas calçadas de casas históricas e nós dois caminhando sem qualquer pertencimento. acho que faltou isso, eu querer ser sua, essa hipocrisia de posse, essa minha hipocrisia por já ter perdido a conta de quantas vezes me senti possuída.

quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

vida na ponta dos dedos

ela manuseava os dias com as mãos, não só os dias, mas as noites também. um dia acordara com o mundo latejando nos seus olhos e levantou logo pra não prender a imaginação nas retinas. foi então que pintou algumas estrelas no céu da sua janela, e começou a remar no rio dos seus passos em terra. a menina dispensava a realidade. dependia apenas dos espaços onde o vento conseguia espiar, e chegando lá esticava bem a pele até se fazer levar feito grão de areia do mar. fazia-se de onda, até que o oceano, de tempos em tempos, a fizesse repousar em seu cais de braços firmes e promessas de eternidade. o cais não era seguro, mas as suas juras eram perfeitas tentações. acreditar era uma opção desafiante, principalmente nestas trilhas de solos maleáveis com pegadas de seres portadores de asas humanas. acreditar tornava-se então uma questão de sobrevivência.

sábado, 4 de dezembro de 2010

de tão lúcida chega a ser louca

desgraçada era ela por ter visto o que viu e ter que, agora, se contentar com o que vê. não era raro vê-la implorando por olhos mais doces, capazes de pintar aquela latente realidade. chegara ao ponto de esfregar o rosto dele, retirando a maquiagem que o inventava. esfregava a mentira até chegar no fundo das cicatrizes do tempo. luxo foi quando conseguira colocar no mesmo barco sua razão e paixão, colocando fim as algemas da pele. via-se ali navegando entre ondas de destino certo, compreendidas pela total ausência de portos fingindo proteção. e agora restava isso, a concretude das coisas que não se podia questionar. era mais adequado florescer palavras aromatizadas propositalmente e viver carregando matérias sem dono. depois que a mente apreende aquilo que vê não há outra alternativa a não ser a hipocrisia, única forma de sobrevivência. chamariam isso de loucura, porque a loucura é o ápice da lucidez.

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

lembranças da vovó

hoje vovó me contou que quando eu era pequenina e cabia em seu colo eu acordava pelas manhãs e só voltava no final da tarde com uma bolsa cheia de flores. vovó disse que eu saía pela roça a procura de jardins que coubessem nos canteiros dos meus olhos pra depois plantá-los nos contornos da nossa felicidade. vovó não sabe, mas ela é um dos meus melhores baús. ainda bem que vovó guarda na memória a vida de ontem pra que eu possa guardá-la pra até bem depois de amanhã.

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

de perto

vesti-me de tranças e deixei a minha saia girar entre os muros do seu castelo. girei tanto que abracei você por inteiro debaixo dos panos seduzidos pelo seu tom de sensatez. você se costurava com linhas de rigidez, e foi só eu chegar mais perto pra desmanchar todo esse figurino de menino emoldurado por portões de ferro. bem rente aos meus olhos você foi se desfazendo do seu personagem, e menino, você precisa saber que de de perto você fica ainda mais bonito.

domingo, 21 de novembro de 2010

enchente nos olhos meus

a chuva silencia as outras vozes lá fora e faz a noite cantar com seus pingos encontrando a terra. esta música regada pelo vapor já condensado escorre pelos meus corredores e faz enchente nos olhos meus. a janela fica mais irresístivel que nos dias de sol e eu me estico entre os seus limites me tornando espectadora das águas que correm em mim. chove pelas montanhas do meu corpo, chove pelas curvas da minha pele, chove pelos caminhos dos meus poros. se chove lá fora, chove também dentro de mim.

muito além da imagem

eu nunca consegui me colocar por inteiro em uma fotografia. falta sempre qualquer detalhe que a imagem não consegue capturar. eu não me reconheço nestas minhas fotos que revelam recortes passageiros. a câmera não apreende o meu movimento e insiste em me congelar entre molduras prontas e acabadas. qualquer retrato meu será sempre insuficiente pra contar a minha história. as imagens não cabem na realidade, elas representam demais, aparentam demais.

pouso de longa duração

as vezes respirar é importante pra perdermos o fôlego depois. vejo como um pouso nosso. esse momento requer paciência, eu sei. e não são raras as vezes que quase abandono tudo e volto pra lá, para aqueles dias de ontem...

sábado, 20 de novembro de 2010

o centro

acho que nunca percebi o quanto sou deste mundo, deste lugar que me envolve, desta atmosfera que me contorna. acho que nunca percebi de quanta raiz sou feita, de quanta história se faz debaixo da minha própria terra. acho que nunca percebi ao certo os limites das minhas curvas entre as outras, sempre me fiz confusa, fronteira, dois espaços. acho que ainda estou longe de identificar aquilo que acontece em mim e descobrir a veia que controla todas as outras. o centro é um lugar difícil de se chegar, parece distante, embaçado. é no centro que a gente pode enxergar ao redor de nós mesmos e então nos debruçarmos em torno do mundo como quem o sente na palma das mãos. o centro é aqui, é perto, eu sei. porém quanto mais eu penso estar próxima mais eu me perco no caminho...

segunda-feira, 15 de novembro de 2010

foto na parede

guardara a beleza de um tempo atrás entre as molduras de bronze. protegida ali ela não sofria os efeitos dos dias acelerados, mantendo então o corpo imune as viradas dos anos. sorria sempre, não havia nada que pudesse alterar o seu jovem humor, sem pressa alguma de chegar na próxima esquina. o quadro era um abrigo das memórias de um tempo bom, conservava imutável as palavras ditas pela expressão da pele, mas principalmente denunciava a contagem oculta das noites que desde então apenas continuavam. a foto vigiava o corpo em movimento, entregava sem pudor a passagem das horas. fazia um bom tempo que ela já se defendia dos dias que se foram, eles realmente desapareciam afinal, não deixando se quer pistas para que ela pudesse recria-lo por mais uma vez, nem que fosse por uma lua a mais. o agora depois que se transformava em ontem tornava-se irrecuperável. ela precisava se contentar com o que lhe restava: o futuro dos dias de hoje...

você, meu desvio

se eu insistir nesta fuga, promete que vai me buscar?

domingo, 14 de novembro de 2010

mundo dos outros

ali, do outro lado da noite, há um apartamento que mora debaixo da cobertura. quando o céu se pinta estrelado as luzes de lá se contentam com aquelas que nascem lá em cima. mas não totalmente. lá dentro há uma porta de vidro contornada por madeira, quadriculando sua transparência. daqui, do meu mundo, quando tudo escurece, fica do lado de lá uma luz em movimento, com cores da realidade, as vezes surgindo tão bruscamente que acabam atravessando o vidro e chegando até as minhas paredes. são reflexos da tela com histórias presas entre as grades da televisão que atraem os olhos dos meninos. dali eles pensam tocar quase o mundo inteiro, porque dali eles assistem cenas gravadas por outros olhos. se pensam mesmo assim, se enganam os tais meninos... a realidade é individual e só pode ser apreendida pelos olho de cada um. se os meninos insistirem em ver o mundo pelos olhos dos outros vão acabar se tornando personagem de uma história já inventada.

sexta-feira, 12 de novembro de 2010

de mudança

peguei todo o dinheiro que tinha e comprei uma passagem pra lua. deixei pra trás computadores, telefones, televisão, passado, tudo o que me impedia de ver com os meus olhos a minha realidade. chegando lá encontrei um vazio imenso, um espaço gigante pra minha imaginação. vieram então dias e noites de invenção. acordava na hora que eu inventava, e eu era aquilo que eu fantasiava. não era tão diferente assim das minha criações lá em baixo, com os pés na terra, porque em qualquer lugar que seja nós somos sempre versões dos fatos, e nunca a realidade em si. a diferença é que lá em cima não havia espelhos, nem modelos. por enquanto a lua me parece ser uma boa morada, cabe eu, cabem meus sonhos, cabe a minha poesia.

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

livro humano

fez com aquele menino como fazia com os livros, o colocou no colo e começou a ler cada página. leu os fios de cabelo embolados com a confusão dos ventos, leu a mochila cor-de-rosa desgastada pelo conteúdo diário, leu a calça larga deixando o corpo se movimentar sem mostrar seus contornos, leu cada letra que se imprimia nas suas retinas. perguntava dos dias que ela não vira, e com os olhos dele construía a vida de ontem a partir de hoje. dava pra ir além, as frases ficavam soltas vagando pelo ar, e ela capturava o enredo atravessando o som, e parando lá nos olhos do menino, que contavam bem mais histórias que as palavras. passou tardes inteiras lendo o tom que a pele coloria a cada interpretar de um ângulo, ele se alterava sempre, e por isso as vezes ela precisava começar a leitura outra vez. e aí ele se apresentava em uma nova versão, com outra capa, e outras pontuações. dizia ele que cada história tinha o seu ponto final, mas se enganava, e não era raro ele terminar um enredo antes mesmo do último parágrafo.

melhor que filme só a realidade

sentou-se ali mesmo, naquele pedaço de chão molhado, bem no meio do mundo, até mesmo porque o centro das coisas depende de como se enxerga. sentou-se ali e começou a olhar em volta, um ir e vir de muita gente, muito estranha por sinal, estranha a ela que não conhecia ninguém, a não ser as histórias contadas por um certo alguém. este alguém morava dentro dela, e suas paredes, suas cores, seus tons, eram meros artifícios que ele usava para se pintar num papel. sentada ali ela percebia que os passos, o intervalo entre os passos, não eram iguais, cada um transmitia ao corpo a urgência dos movimentos. dali ela também notava que os passos traziam pés, e cada pé trazia uma realidade, por vezes de trincar a pele, outras vezes de guardar a maciez em veludos de sapato, e bem a sua frente caminhava um par de sandálias bem abertas com pés dançantes dentro delas. sentada ali ela conseguia ver muitas histórias, era feito filme passando na tela de cinema, só que melhor que isso, era ao vivo, a cores, a olho nu.

contagem interrompida

Cristina já era senhora de uns sessenta anos, seu pai então era senhor de uns bons anos a mais. e mesmo que Cristina compreendesse o encerrar do ciclo, este fim não tinha validade quando se tratava dos que nela faziam morada. o pai de Cristina trazia no corpo as marcas de um passado longo, prestes a se transformar em lembranças. difícil era ela aceitar que tanta vida assim pudesse vir a se esgotar. infelizmente esgotava mesmo, sem data marcada, e sem qualquer consulta àqueles que continuassem a viagem. foi então que um dia o pai de Cristina interrompeu a contagem dos anos e ela não compreendeu como alguém pôde abandoná-la e levar pra sempre uma parte que era dela, lhe pertencia sim, e ela chamava de 'meu pai'.

domingo, 7 de novembro de 2010

chove em mim

o céu quando transborda espalha gotas pelos telhados da minha casa. debaixo daquele teto eu mantenho a minha indiferença às lágrimas vindas das nuvens. a pele seca finge proteger-se da chuva, quando na verdade é a chuva que protege os olhos lá de cima. por vezes eu me contento com o som que gota por gota faz ecoar em torno de mim. as janelas ficam maiores e a gente deixa de abri-las pra separar o corpo da tempestade que não é nossa. mas aquele som de pingo encontrando o chão me atrai e eu vou até lá, me despindo das capas de proteção e me fazendo correnteza. e se essa água que escorre se esvai pelos rios encontrando o mar, há de chegar o dia em que eu me farei completamente oceano.

sexta-feira, 5 de novembro de 2010

eternidade que escorre

pensava em amores cobertos de asas, sem tempo de chegada e com o mundo pintado pelas montanhas da pele. imaginava um homem que usasse colares de adrenalina e se vestisse de multidão. um daqueles que jamais tivesse visto um mapa e por isso tivesse a certeza dos caminhos. descobria parte deles em alguns corpos espalhados por aí, mas a impossibilidade de fundir tais detalhes a fazia amar vários deles. amava por frascos pequenos de admiração, que insistiam em não completar a dose da eternidade. por vezes acreditava que a eternidade a havia abandonado há alguns anos, e que o agora era tempo fulgaz, daqueles que escorriam completamente com o caminhar dos ponteiros. o beijar das retinas sentava em bancos de praça sem dono e endereço. não contava mais histórias sem ponto final, começava um enredo já ciente da fatalidade da última página. diziam por aí que ela estava desiludida, mas a verdade é que ela usava agora o seu melhor vestido, costurado entre fios de alma.

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

pequeno grande susto

quando cheguei e vi seus olhos tão pequeninos mergulhados em lágrimas de dor quis logo injetar em você a primeira cura, a mais imediata, o meu amor. a sua queda me fez demonstrar tudo o que eu podia, comecei a pensar que se existissem mais alguns degraus talvez o tempo deixasse de ser nosso. então eu me apressei. cuidei de você, porque fazendo assim eu cultivava os seus dias que prolongavam os meus. coloquei você no colo. agora os papéis se invertiam e era você quem segurava a minha mão. é bom que a gente possa retribuir amor a pessoas assim. não foi nada grave, mas a verdade é que a dor que em você se faz, dói profundamente em mim.

sexta-feira, 29 de outubro de 2010

transexualismo

não nascemos em formas que podem dar conta dos nossos contornos. de certa maneira antes mesmo de abrirmos os olhos já estamos inseridos em um mundo que antecede a nossa existência, e este mesmo mundo nos limita aos caminhos já percorridos. não importa a qual sexo você pertença, pode haver ali mesmo em um orgão pré-determinado um outro sentimento que não aquele socialmente construído. vai além daquilo que se vê com os olhos da cultura. é urgente o ampliar das visões encarceradas pelo conforto da tradição. há de ser livre aquele menino que nasceu com corpo de mulher. não são as formas que determinam o conteúdo. há que se descobrir a liberdade de escolha, algo ainda tão distante nesta nossa sociedade.

inspirado no filme "Meninos não choram"

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

sexta-feira, 22 de outubro de 2010

olhos que pedem tato

acima de todas aquelas nuvens deve existir um guarda-chuva bem grande que proteje todos aqueles que lá moram dos pingos d'água e dos tempos de trovões. é uma espécie de telhado que cobre todo o universo e não deixa nada entrar, mas também não deixa nada sair. quem está lá em cima não consegue gritar alto o suficiente pra que a gente escute aqui em baixo. estando em um lugar tão distante assim é perigoso ver as coisas lá embaixo muito pequeninas, assim como é angustiante imaginar que as coisas lá em cima são muito maiores do que as que existem cá embaixo. esse infinito que existe entre estes dois mundos é muito maior dos que os meus olhos e ficam me cegando de tal forma a me impedir de ver o que há por trás daquele círculo que de tempos em tempos se enche de luz. há um limite para aquilo que se pode ver, chega um tempo que os olhos pedem tato, pedem pele. e em tempos assim se alguém nos chega cheio de imagem isto é quase nada pra olhos desesperados por um beijo seu.

terça-feira, 19 de outubro de 2010

mundo paralelo

e se eu me escondo, não é de você, mas de mim mesma... as vezes vou parar nesse meu mundo paralelo. e lá é tão apertado, não cabe ninguem, nem eu mesma. lá também é muito distante e por mais que você pense me avistar, eu estarei muito longe de qualquer alcance seu. aos poucos estou tentando abrir um pouco mais de espaço, mas não pra convidar você, é para eu conseguir ficar mais tempo por lá, e quem sabe um dia morar por lá.

domingo, 17 de outubro de 2010

distância necessária

precisei colocar você no planeta ao lado, apesar de você já ter feito lar dentro de mim. deixando você longe talvez eu consiga segurar meu coração. ter algo dentro da gente saltando sem poder atravessar a pele é sufocante, e eu quase cheguei a rasgar o peito. queria poder voltar a ter as minha batidas entre os dedos das minhas mãos...

cartão-postal

hoje o céu tinha tons pintados na tela dos olhos meus. as nuvens estavam espalhadas pelo azul prateando o horizonte, que despedindo-se do sol tingiu uma parte de dourado distribuindo os últimos instantes do amarelo. enquanto isso um rastro degradê pousou na árvore, era um tucano colorindo a natureza. tirou de mim toda a imensidão e resumiu a paisagem as suas cores, que de tão vivas saltavam do seu longo bico e me vestiam inteira de encanto. fiquei ali um bom tempo capturando com os olhos o bater das asas da liberdade desta ave. a beleza está toda aí, escancarada, visível, e nunca vai caber em qualquer que seja o porta retrato...

sexta-feira, 15 de outubro de 2010

o outro de mim mesma

o outro já não me é estranho, parece que carrega em si um espelho, que vive a me refletir por aí. há muitos outros e em todos estes, que nem são tão outros, há a minha estampa costurada. existe um fio comum nessa mistura de gente. foi só quando eu me descobri assim diluída em tantos olhos que eu pude tocar a minha nudez. abandonei a velha posição já confortável do meu corpo e me inclinei em outras formas de mim mesma. parecia que eu me alimentava daquilo que era do outro, mas era bem verdade que era de mim mesma. eu estava ali, em mim, no outro, entre.

terça-feira, 12 de outubro de 2010

cena de domingo

duas meninas estavam sentadas na orla da lagoa. uma tinha os olhos fechados, sem deixar marcas no rosto, daquele jeito que se faz quando se confia na escuridão. a outra trazia nas mãos uma folha verde, que ela usava para contornar o rosto da amiga. com toda a leveza ela fazia desenhos vagarosos na pele da outra menina, que ao perceber o caminhar da folha pelo seu rosto deixava exposto um sorriso que cobria o corpo inteiro. achei tão bonita essa cena que não resisti em congelá-la em algumas palavras...

quinta-feira, 7 de outubro de 2010

falta tanto ainda...

cada pessoa traz em si uma ausência. não há ninguém que resuma todos os desejos. não há círculo que se feche. não há um inteiro que se complete. falta sempre alguma parte, que por mais que se encontre, trará em si a ausência da outra metade.

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

tempo interior

fiquei um bom tempo a observando, como se a congelando através das minhas retinas eu pudesse atravessar a margem que era visível e conseguisse assim alcançar os anos atrás de Dona Beatriz. fiquei ali parada em uma tentativa de rememoração dos dias que se foram. buscava no instante exato daquilo que se constitui o agora o passado daquela pele marcada pelas rugas de uma longa história. a questão é que as coisas de ontem não podem ser recompostas, há um rio que nos refaz a todo segundo nos inventando a cada vez que os olhos beijam os cílios. mas ainda que Dona Beatriz não pudesse retornar aos velhos tempos ela se vestia de passado lembrando dos amores já findos. não há um só ser que respire que não guarde em si o outrora vivo, basta abrir espaço para as lembranças se perpetuarem para além daquilo que se foi. cada ruga que vejo nos outros traz em mim o desejo de cruzá-las, vejo em cada um de nós um emaranhado de ontens pra se contar, não há que se fazer morrer as pegadas deixadas pra trás. o melhor dos futuros pode estar na fusão dos tempos. afinal quem foi que disse que o ontem, o agora e o depois são tempos diferentes? acho mesmo que os verbos só existem entre os limites das palavras, pois tempo que é tempo transcende qualquer conjugação verbal...

terça-feira, 5 de outubro de 2010

mapa da pele

as curvas que sua pele fazia eram propositais, nenhum pedaço ali era ao acaso. dava pra desvendar a sua história no encontro dos poros. sua pele tinha uma espessura muito própria, tinha uma cor que só era dela, tinha um cheiro que nascia em si mesma. quando via nas costas aquele mundo de pele se encontrando, se consumindo, se alargando, seus dedos se exaltavam encostando o máximo que podiam naquele corpo que respirava. percebia então que pele era coisa que só se podia sentir no encontro de outra, as próprias mãos não conseguiam produzir aquela sensação que vem de fora. era esse desejo de ser tocada, de ser descoberta feito lugar desconhecido, que a fazia mostrar a própria pele pra causar a curiosidade dele em cruzar as fronteiras, tão permitidas. o mistério se desmanchava na união das peles, não era tanto nos caminhos dos corpos, mas na fusão das pulsões. ao sentí-lo sentia a si mesma, era ele sentindo o gosto que era dela e ela absorvendo a sensação que era dele. percebia-se ali mesmo, no ato, o mapa de todo aquele percurso, fazendo retornar com frequência nas zonas que se contorciam com o toque. a nudez era mesmo um excesso de evidências, a revelação de um falso esconderijo, era o decifrar do instinto mais íntimo.

domingo, 3 de outubro de 2010

pele a vista

as vezes ela pegava todos os fios e prendia na primeira curva, deixando exposta a pele antes protegida pela moldura. perdia-se a própria defesa, descontrolando-se na sensibilidade dos poros. o pescoço assim a vista desnudava seu corpo e convidava os olhos cegos pelo esconderijo. mostrava muito mais do que guardava, escancarava a sensualidade daquele caminho que era o mesmo de outros, tão procurados. já sabia dos tais percursos, ela apenas se abria pra eles...

quarta-feira, 29 de setembro de 2010

infância com gosto de roça

o fechar da janela do quarto fazia ranger a madeira de anos atrás. os móveis denunciavam que o tempo existia por ali, sem a menor tentativa de escondê-lo. lembro que no quarto que eu chamava de meu continha apenas o necessário pra fechar os olhos até o dia seguinte, e o restante das coisas ficavam lá fora, espalhadas por entre outros tantos espaços. ali se cumpria o ciclo da semente que se plantava, do milho que se colhia e do mingau que convidava todos ao redor da mesa. o leite que se fervia nas manhãs era tirado das vacas que amanheciam um pouco antes da gente. aquela casa parecia ser feita de café, tal era o cheiro que se exalava pela boca da chaleira. as mesas eram decoradas pelas mãos de minha avó, que tricotava a vida com o ir e vir das agulhas. nos instantes em que o céu deixava o dia pra ganhar a noite nós íamos pra varanda e de lá eu tinha a sensação de poder ver muito além das montanhas que tocavam as nuvens. naquela época, não tão distante, eu enxergava tantos caminhos pelos troncos, que as árvores não pareciam tão grandes como as que vejo hoje. a terra que suportava o mundo também suportava meu corpo, e não só os pés, mas toda a minha pele se cobria daquele marrom. é mesmo uma pena que hoje só me reste lembrar de tempos assim...

segunda-feira, 27 de setembro de 2010

você não vê que eu cresci?

pai, estava pensando... acredita que houve um dia em que eu não sabia caminhar? neste tempo era você quem segurava a minha mão, e de tão firme me fazia colocar um pé a frente do outro sem me preocupar com qualquer queda. e hoje que eu posso correr, que eu consigo mover cada pedaço meu, percebi que a sua mão continua aqui, segurando a minha. acho que é mesmo verdade que os filhos nunca crescem, e ainda bem, porque sentir sua mão contornando a minha me faz querer ser pra sempre bem pequenina pra caber no seu abraço muito maior que o meu.

cheiro de chuva!

em tempos assim, regados a gotas que você pode segurar com a ponta dos dedos, a minha vontade é de comprar uma casinha no céu pra morar dentro de uma nuvem...
e quando se descobre que tudo o que lhe resta é apenas a vida inteira pela frente?

domingo, 26 de setembro de 2010

embrulhado pra mim

se eu pudesse mandava embrulhar seu amor de presente pra mim e aí seria como um daqueles presentes que a gente custa a abrir e nunca termina de desatar os laços. traria na caixa o eterno mistério daquilo que te contém. eu teria cuidado ao redesenhar você tirando-o daquela caixa já com seu formato. seria preciso o tempo de dias após outros dias pra descobrir o que viria a ser você e a possibilidade de nunca descobrir é angustiante, porque dá vontade de escrever você por inteiro dentro de mim.

sábado, 25 de setembro de 2010

carona

as pausas entre o seu falar me fizeram respirar você em excesso. era o meu tempo que escorria no seu silêncio. sinto-me envolvida entre os cachos que se embolam nos seus fios. aceito sua carona, desde que você me leve a lugar nenhum, sem qualquer tipo de endereço, sem nome, sem referência, e principalmente, sem caminho de volta. da próxima vez, na próxima carona, não me deixe por aí. os lugares não nos pertencem mais, deixaram de existir os tais territórios. restou a minha vida dentro da sua, nossas novas propriedades.

quarta-feira, 22 de setembro de 2010

norte, sul, leste ou oeste?

ei, moço, me empresta a sua bussóla? acho que perdi a minha, não a minha bussóla, mas a minha direção. será que se você me emprestar o seu norte eu posso ter uma seta temporária? moço, por que você não constrói o meu caminho? posso comprar hoje mesmo tijolos suficientes pra contonar uma cidade. se eu for lá agora você pode começar hoje?

terça-feira, 21 de setembro de 2010

menino de rua

trazia nas unhas o trincar do amanhã que deixara de existir desde que ele já não esperava o dia seguinte e o ir e vir das noites parecia um eterno continuar de uma vida emoldurada. os pés estavam pretos e a pele denunciava que por baixo da sujeira havia um mundo subetendido. pra dar conta dos poucos desejos que ainda restavam os pés criaram rochas debaixo dos movimentos descalços. os cabelos nasciam por onde determinava o corpo e o cheiro acontecia pela naturalidade humana. pena que respirava. no inspirar da vida sentia fome, nem sabia de quê, mas todo dia precisava alimentar seu corpo pra dar conta de manter o coração. vestia-se de furos encontrando outros furos, emendando assim os fios rasgados pelo tempo. andava pelas ruas como quem ora vai pro quarto, ora vai pra sala. as ruas eram sua casa e a divisão das partes mais íntimas era dele. descobria mesmo em toda aquela impessoalidade um lar pra chamar de seu. era menino, conhecido por ser de rua, o pior é que rua não é de ninguém...

domingo, 19 de setembro de 2010

estrelas que são minhas

- papai, eu queria ter uma estrela...
- filha, você pode ter todas elas. tudo aquilo que você pode guardar com olhos é seu por direito. é pura tolice humana a necessidade de guardar entre chaves aquilo que se pensa possuir. tudo o que temos não está em nenhum lugar além de dentro de nós mesmos...

que seja eterno

sabe pai, as vezes eu fico horas olhando pra você, numa tentativa de guardar o futuro dentro dos olhos meus. sabe pai, tem pessoas que não podem morar no céu, porque as nuvens impedem que daqui da terra os outros a vejam. sabe pai, ao lado da minha cama eu coloquei uma foto nossa. nela está impressa a minha infância. você está agachado, e eu estou protegida entre os seus braços. o seu dedo aponta pra um lugar que a foto não me deixa ver, e é por isso que eu escolhi esta imagem. sabe pai, quando eu penso em amor eu vejo você. sabe pai, eu também sinto medo, me sinto feito fruto quando nasce de uma árvore e receia sobreviver pouco tempo sem raíz...

quinta-feira, 16 de setembro de 2010

qualquer tipo de vôo

flor quando acorda estica as petálas até conseguir abraçar o mundo. borboleta quando cresce colore o corpo até parecer flor em movimento. passáro quando aprende a voar chega tão alto que a gente acaba por confundir daqui de baixo com asas de borboletas. avião quando decola atravessa as nuvens e não se mistura com os vôos da natureza. e o homem fica com os pés presos ao chão no eterno sonhar de ter qualquer tipo de vôo, seja com asas firmes de avião, com o ziguezaguear das borboletas ou com a liberdade cantada pelos bicos dos pássaros.

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

rugas contando histórias

havia uma trilha que lhe pertencia e que cruzava o corpo inteiro dando nós desatados pelo tempo. as rugas lhe cobriam de uma história longa deixando marcado na pele o acontecer da vida. eram muitas as linhas traçadas pelo corpo de Dona Terezinha. a velocidade das coisas já tinha sido abandonada há tempos. as pernas eram obedientes à inexistência das horas. a pressa se desacelerava pelo inspirar das esquinas de um ontem que se metamorfoseava no agora. aquela senhora fazia cumprir o ciclo natural dos olhos, que só próximos do último parágrafo aprendem de fato a enxergar.

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

saudade

é que quanto mais eu vejo você mais saudade se acumula em mim. acho que a saudade acontece quando você está bem pertinho... e aí eu fico com a sensação de que o relógio corre mais do que eu e que não há tempo que caiba no passar das horas. e aí, a inevitável despedida dá início a minha espera pelo próximo abraçar dos poros. acho mesmo é que ver você dá saudade... quando a distância nos mantinha nas caixinhas da memória os dias sem você não eram tão angustiantes. mas com nossos olhos se encontrando no emendar das noites eu começo a achar estranho quando surgem estrelas sem que você se faça realidade minha...

pequena menina

tinha maõs que cabiam dentro da minha
trazia na pele uma cobertura de infância intocada pelos anos
as pernas não lutavam contra o tempo
as brincadeiras guardavam a liberdade da imaginação
a pequena menina via o mundo lá de baixo
de um lugar mais próximo da terra
mas os olhos se prendiam lá em cima
nas coisas já invisíveis para os adultos tão mais próximos do céu

domingo, 12 de setembro de 2010

quinta-feira, 9 de setembro de 2010

na falta da asa a menina concluira que a morte era a forma mais rápida de se alcançar o céu...

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

nossa péssima tradução

quando enfim conseguia o silêncio as mãos ficavam perdidas, o corpo balançava sem encontrar apoio. olhar você sem dizer nada é desconfortante. sinto-me perdida de mim mesma sem poder ao menos controlar os meus movimentos. a minha pele começa a ter uma vida que segue um caminho que eu não posso alcançar. me denuncia. a minha pele mostra tudo aquilo que eu nego com as palavras. o pior é que a minha pele não me trai, ela é aquilo que há de mais fiel em mim. se eu fosse você a partir de sempre passaria a conversar comigo pelas retinas. assim poderiamos ir muito além destas letras que a gente pensa pra dizer. deixariamos os olhos nos levar pra onde eles quisessem, afinal o corpo em liberdade desconhece qualquer limite inventado pela razão. mas eu preciso que você me proíba de me acomodar entre os textos, que negue me ouvir. não se trata de surdez. falo de todos os sentidos misturados numa cor só. quando me sinto nos olhos seus percebo seu gosto, seu cheiro, seu som, sua pele. não dá mais pra ficar nessa via de mão única sem que possamos nos esbarrar nos nossos supostos sentidos opostos. já esgotou a minha paciência pra nossa péssima tradução dos poros em palavras rasas. há muito mais linhas nos nossos pensamentos. há muitos parágrafos nesse nosso desconcertante silêncio...

a culpa precisa ser sua

ver você faz bem pro corpo, pele, poros, alma. depois que você se vai, você fica latejando em mim feito realidade. depois de me acumular entre dias de saudade eu me fiz explosão quando me vi dentro dos olhos seus. não tinha como dosar os trinta dias camuflados em maresia. foi só você surgir pra resgastar toda a tempestade que eu pensava ter controlado. vem depressa, vem agora, que é pra eu não transformar sentimentos em números. arromba esta porta que eu insisto em fechar. destrói este muro pra eu poder culpar você da vontade que é minha também. sozinha é pesado demais. vem comigo que eu finjo esquecer da chance de ter que remar sozinha e posso até pensar em remar por nós dois...

insensatez

foi insensatez minha perfumar a minha pele com um cheiro que era dele. não sabia eu que assim abriria as portas do meu corpo pra que ele entrasse sem permissão? o cheiro que antes era dele agora parecia ser meu. meu corpo exalava pra si mesmo exaustivamente um cheiro que não permufava nada além de pensamentos. foi tolice minha a de querer inspirá-lo em um frasco de iusões...

toda a beleza que houver...

a beleza dele não era invenção minha. eu nunca precisei criar nada pra que ele fosse tão bonito assim. este é afinal o segredo. desde que aceitei a realidade que era dele todo o resto que vinha em torno parecia derramar o excesso que nascia dos meus olhos. era desnecessário qualquer pincel que pudesse retocar qualquer detalhe. tudo estava como devia estar. se faltava a nossa ponte não era a minha imaginação que iria dar conta dos tantos tijolos necessários. a realidade atravessava os meus desejos, me enfrentava. esta era a minha condição. acontece que mesmo com toda a realidade ele ainda se fazia tão bonito... o pior era isso. saber que toda aquela beleza não era mais uma invenção minha. eu já não poderia desmanchá-la quando decidisse abrir os olhos. não cabia a mim o desvio. de repente todos os caminhos se resumiam em um só. ali estava toda a beleza que em outras vezes eu precisei criar. era assim toda vez que meus olhos se atreviam a fitar aquele contorno proibido. seria assim enquanto eu continuasse a insistir a alimentar os meus olhos que se tornavam cada vez mais insaciáveis. era certo que seria assim... uma vontade desenfreada de ficar olhando toda aquela beleza por pelo menos a minha vida inteira...

sexta-feira, 3 de setembro de 2010

gravidez fora do corpo

acho bonito quem adota histórias em forma de gente, quem adota uma pessoa pra poder chamar de filho, quem adota mais que um ser humano: adota uma vida que precisa acontecer contornada por uma família. o sangue não corre só nas veias, ele também corre pelos olhos. acho bonito quem consegue enxergar que a gravidez também pode acontecer fora do corpo. é coisa do amor. não tem idade, não tem endereço, não tem cor. basta o amor... adotar alguém pra poder abrir a gaiola, pra poder descobrir que se tem asas, pra poder saber o que é ter no mundo um amor de pai e de mãe...

quinta-feira, 2 de setembro de 2010

rio sem margem

antes de tocar o sinal a mochila já se prendia ao corpo de Priscila. bastou o avisar das horas soar por um segundo pra menina levantar e sair correndo pra tarde que estava por vir. encontrou com a amiga na porta e de mãos dadas as duas saíram cheias de desejos combinados no dia anterior. não falaram nada no caminho, mas não passavam 60 segundos sem que elas trocassem olhares lotados de travessuras. aceleravam nos passos o tempo que os ponteiros não davam conta de segurar. enquanto seguia correndo, pelo caminho de outras tantas histórias, Priscila começava a viver o instante seguinte, colocando todo o futuro em uma caixinha bem desenhada pela imaginação de menina colorida. quando estavam prestes a colocarem os pés no destino as duas arrancaram qualquer compromisso arremessando as mochilas bem longe de qualquer corpo que as pudesse segurar. ainda com os pés acelerados, de tal maneira a fazer a pele extravazar em forma de suor, elas foram tirando os panos que as cobriam e os deixando pelo curto caminho que ainda faltava pra mergulhar as vontades. despidas de todas as coisas que não fossem as vontades que gritavam naqueles milésimos de segundos elas então pularam no rio, e estando no rio parecia não existir margem, nem fundo, nem superfície. elas se quer precisavam remar, elas não seguiam pra lá ou pra cá... era um mergulho daqueles de infância, quando a vida inteira parece caber em um único desejo...

quarta-feira, 1 de setembro de 2010

ela era o lugar

sabia onde queria chegar. sabia desde que ela chegara até o mundo, porque apesar do mundo existir desde sempre não era desde sempre que ela o enxergava... acontece que mesmo sabendo deste lugar ela não conseguia esticar uma seta e seguir em linha reta. assim seria simples demais chegar lá, em um lugar tão distante como um sonho. antes disto ela precisava preparar uma infinidade de detalhes pra tornar aquele lugar, lá longeeeeeeeee, um lugar que de tão perto a faria abrir outra janela pra enxergar um outro lugar. pensava na distância desses desejos, e mais do que isso, questionava a ausência de um encontro que esgotasse outras vontades. perguntou até mesmo se esse tal lugar onde ela dizia querer chegar já não era parte da terra que seus pés deixavam pegadas. os seus desejos não podiam ser tão inalcançáveis assim. foi então que percebeu: ela já estava lá, já morava lá, fazia tempo que o lá vivia aqui, bem pertinho dela, do lado de cá, do lado de dentro. deixara então de viver pra alcançar um outro lugar. ela era o lugar. o mundo era mera decoração do lugar que ela fazia de lar. o lugar maior era por demais imenso, era pulsante, corria por diversos caminhos fazendo tudo se concentrar no centro de todas as coisas: no coração. tal descoberta fora fundamental pra que ela pudesse ser personagem da própria história e não da história contada pelos outros de um mundo que não era o dela...

segunda-feira, 30 de agosto de 2010

raios de amanhã

era gostoso deitar no verde da praça e deixar o sol invadir o corpo. a pele se dilatava ao perceber que o calor a cobria. entendia assim que o entardecer não era um abandono, mas uma pausa pra resgatar raios do próximo encontro.

domingo, 29 de agosto de 2010

forma de amor

"você é um amor amiga. em pessoa. é a primeira vez que conheço uma pessoa que é o AMOR personificado".

objeto meu

só agora eu entendo que é esta a sua forma de defesa. é mais seguro me deixar debaixo da sua janela numa eterna espera do seu amanhecer. é mais seguro pra mim também. assim eu não me preocupo se seu coração bate do mesmo jeito que o meu. transformei você em um objeto que uso para me apaixonar pelos detalhes que estão ao seu redor e não em você.

quinta-feira, 26 de agosto de 2010

você é racista?

há uma cegueira imensa naquilo que se diz humano. entre outras tantas, uma delas está no fato de concordar que o branco é a cor da paz, cor da cura que veste os médicos, enquanto o preto é a cor que imita a sujeira, cor que colore a guerra. quem foi que disse que o cabelo liso é o bom? feche os olhos e imagine uma pessoa bonita... será que ela traz pele pintada de preto e cabelos crespos? que beleza é essa que já nos vem ditada? e não me venha dizer que você, justo você, não é racista...

quarta-feira, 25 de agosto de 2010

sexo verbal

depois que duas almas se encontram o beijo parece selar o desencontro, torna-se perigoso arriscar o prazer da pele quando se descobre a nudez de um olhar, parece fulgaz um orgasmo depois que os corpos se tocam silenciosamente distantes...

terça-feira, 24 de agosto de 2010

uma lua no céu

a lua quando surge cheia de si faz abrir o mundo em uma única janela, não há quem não se torne espectador, é que os olhos perdem qualquer sensação de pertencimento e seguem os próprios desejos de se verem instantaneamente consumidos...

segunda-feira, 23 de agosto de 2010

chuva de domingo

olhou pela janela e viu um mundo inteiro molhado. o céu emocionado chorava lágrimas que não cabiam em seus olhos e inundavam a terra com uma tempestade de sentimentos. enquanto olhava pela janela a menina se atrevia a abrir o vidro e algumas gotas não resistiram em fazer carícias em seu rosto. envolvida pelo carinho daqueles pingos a menina esticou o braço até tocar lá fora e no mesmo instante viu a própria pele se cobrir de uma água que regava a terra. incomodada com o excesso de teto que tinha em sua casa ela abriu a porta e colocou o corpo inteiro debaixo daquela chuva da tarde de domingo. as gotas não caíam de uma vez. aos poucos molhavam a pele da pequena menina apaixonada pela água que corria pelas esquinas do mundo.

encontro musical

você surgiu em um convite meu. pode até pensar que seguiu os desejos dos seus pés, mas eu preciso te dizer que nos seus passos havia uma longa espera minha pelo seu lento caminhar. é difícil separar uma vontade que encontra outra. basta um segundo pra que todos os outros sejam histórias contadas de mãos dadas. assim já tão cedo eu diria que os dias de amanhã serão contados por cifras de músicas, de um lado você na invenção e eu do outro seguindo a pulsação. seremos passos de uma dança mais íntima, de dois corpos que traduzem letras em curvas. é mais um futuro que eu invento pra não deixar meu corpo parar de respirar...

quinta-feira, 19 de agosto de 2010

as vezes a vida acontece inteira em alguns dias...

rasgando papéis

tenho horror a estes instantes em que o meu nome surge em destaque em pedaços de papel que classificam o que eu sou, e por descuido e vaidade, eu leio o meu nome e começo a acreditar que aquilo me define. essa história de títulos, diplomas, prêmios não podem representar pessoas. há pouco tempo eu soube disso, mas os dias vão nos sugando e a gente querendo acelerar o caminhar das horas imprime a nossa pele em papéis descartáveis. é tão pequeno se descrever em linhas... por sorte os papéis se rasgam e na poeira das coisas de ontem ainda vejo gritar em mim um arrepio dos poros de gente que é grande porque aprendeu a amar, e só a amar...

terça-feira, 17 de agosto de 2010

suor que rega a terra

o suor daquele corpo em movimento regava a terra de futuro. pingo por pingo molhavam a secura dos dias que cumpriam a tarefa de acontecer. não era instantâneo o florescer, mas o homem suava a pele que transpirava esperança e fazia brotar do chão petálas de um mundo que estava por vir. não bastava simplesmente nascer, eram as mãos dele que transformavam as paisagens. o que se via para além da janela era pura escultura daqueles dedos aflitos pelo próximo amanhecer...

segunda-feira, 16 de agosto de 2010

noite sem fim

desconhecia o tamanho de uma noite. por um tempo acreditara que o escuro acontecia entre o passar inevitável das horas. mentira! a noite atravessava a ausência da luz e ultrapassava o girar da Terra. naquele instante tudo parecia muito confuso ao ponto dela não entender como podia uma noite nunca parar de acontecer. era uma contradição a todo o empirismo das coisas provadas, mas se tinha uma verdade era que aquela noite não acabava... não havia Sol que a iluminasse. não estava compreendida entre o caminhar dos ponteiros. a fim de protegê-la, Clarice guardava a noite em lugares atemporais, daqueles que a qualquer tempo transbordavam madrugadas. era uma noite pra se viver pra sempre. não cabia na memória, naquele espaço das coisas que já se foram. metamorfoseava no instante presente de tal maneira a não restar formas de se questionar que todos os dias que raiavam eram continuações daquela noite que se perpetuava.

sábado, 14 de agosto de 2010

colo de mãe

colo de mãe parece que guarda a forma do filho, é um teto que pulsa no coração de mãe. assim a gente nunca cresce, cabe sempre em um abraço daqueles que cobrem o corpo inteiro sem deixar espaço, sem deixar qualquer falta. é eterno, porque não haverá um só dia em que eu deixarei de ser sua filha, minha mãe...

quarta-feira, 11 de agosto de 2010

um azul...

era de um azul tão imenso que parecia que se vestia de nuvens em dias de sol. um azul tão cheio de cor que bastava ocupar somente aquele espaço para que refletisse em todos os cantos deste mundo. era qualquer coisa que de tão colorido existia mesmo em dias de chuva. era um tal de ser mar que não deixava nenhuma fresta para uma vida em preto e branco. era o melhor dos convites pra se fazer inteira de oceano.

segunda-feira, 9 de agosto de 2010

ditadura do espelho

tinha receio de que um dia ao se olhar presa em um segundo de uma fotografia já não se reconhecesse debaixo de tantos bisturis e maquiagens. era o inverso daquilo que se podia ser. o mundo cobrava contornos muito exatos, de uma conta que ela não sabia fazer. se nascia cabelos pelo corpo neste mundo já não podiam crescer. se a pele se cansava depois de tanto se expressar neste mundo era quase obrigada a se esticar. se o corpo transformava calor em cheiro neste mundo era urgente perfumar. queria ela mais esquinas como as das ruas de tempos atrás, cheias de mulheres vestidas de um sorriso e algo mais. bonito mesmo era ver uma ruga nascer bem no canto do olho que tantas vezes ela viu amanhecer. ah... como ela queria poder voltar a ver...

domingo, 8 de agosto de 2010

seremos nós uma mentira?

é que você me vê e me pinta em um quadro. cada respirar meu é uma nova imagem que você captura. assim eu começo a pensar que sou estas tantas imagens que você inventa. sim, porque sou uma criação sua. não se trata desta realidade de texturas que a pele pode identificar. nós estamos naquela parte em que as mãos não alcançam e nunca a poderão alcançar. é que a gente se quer existe. somos fruto dessa nossa mania de ficar espiando pela janela o mundo que não se vê, só se sente...

quarta-feira, 4 de agosto de 2010

verbo amar

as terras não são de ninguém
até quando irá este vai e vem?
não há quem possa comprar se quer uma gota de mar
e eles ficam lá insistindo que podem pagar
um dia vou construir meu lar com paredes cheias de ar
vou calçar meus pés com peles de fazer voar
porque menina que descobre logo cedo o verbo amar
não consegue mais viver pra calcular
ela só quer saber de pulsar...

segunda-feira, 2 de agosto de 2010

pausa pro coração

dói tanto que por segundos tenho a sensação de que o meu coração está fora do corpo, desprotegido. e ele, mesmo sentindo toda essa dor, não pára de pulsar e começa a parecer pesado demais o fardo de ter que carregá-lo dentro de mim. queria uma pausa...

embrulhos da madrugada

- quero saber. vamos fazer uma viagem agora? você vai entrar, ou vai ficar na estação? se for entrar, vou também. então... eu queria ter uma casa só para pintar as paredes. pense... molhar os pés na água do mar, depois de tanta areia, o mar... e aí... sentar no banco da praça e ficar imóvel enquanto o vento move seu corpo inteiro. e mais. chegar em casa e querer seu quarto. sua vida.
- não, não consigo acompanhar.
- tenho mãos vazias assim. você sente vontade de quê?
- de achar um lugar.
- os lugares são tão frios, tão concretos. mas se você tiver olhos qualquer lugar será lugar.
- adoro descobrir lugares. uma vista linda, uma pedra, uma cachoeira, um mar.
- e esses lugares não existem? a tal ponto de você precisar achá-los? talvez você precise caminhar... as coisas são tão simples, são bonitas por serem assim. e quando a gente começa a procurar muito longe, sinto que é porque dentro não estamos bem.
- adoro você, uma detetive de ilusoes.
- fiquei rindo aqui por achar tão bonito isso.
- acabo de ver uma frase que acho a sua cara: "se atire para lua mesmo que você erre se aterrisará em uma estrela".
- odeio internet, te daria um abraço sem fim agora. vou te emprestar um remo, pra você remar comigo. depois, você me devolve, porque aí ja remará sozinho. quanta poesia. quanta metáfora. será que eu penso que assim é mais fácil de decifrar? será que eu evito a realidade, a nudez?
- torna-se mais subjetivo
- comprei tanta bala que meu pai perguntou se eu era vendedora. todo dia parece que precisa adoçar.
- cuidado
- não gosto dessa palavra.
- juízo
- nem dessa, mas tenho cuidado e juízo.
- cautela??
- loucura!

domingo, 1 de agosto de 2010

cuidado menino

cuidado, você está quase caindo dentro de mim e estou prestes a empurrar você neste abismo que sou eu. sou tão funda que você pode nunca parar de cair. peço cuidado, apesar da falta de perigo. peço cuidado, porque sei, é um caminho sem volta...

quinta-feira, 29 de julho de 2010

da sua indesejada sobrevivência

eu tive tanto medo de soltar você naquele abismo, eu tive tanto receio de que a sua sobrevivência dependesse das minhas mãos segurando as suas, eu tive muita insegurança em seguir para um lado que era contrário ao seu. mas eu fui, como quem conquista a independência eu segui pra uma distância que eu temi deixar de ser física. quando eu decidi olhar pra trás, buscando pedaços seus nos trilhos, conclui que caminhava sozinha. aquela não era a sua partida, era a minha. você que sempre partiu enquanto eu me fazia espera agora não me deu tempo de partir se quer pela primeira vez. você ficou na mesma estação de antes. eu tinha que partir, será que você não entende? eu só queria pegar o mesmo trem que você. eu esperava que você não deixasse a porta se fechar. mas acontece que eu parti e você ficou. eu soltei os seus dedos e você caiu de uma altura maior que a gente. eu senti ferida por ferida e não me preocupei em cicatrizar você. não houve morte, o que eu sinceramente desejava. eu com a minha partida, você com a sua queda, e eu outra vez esticando as mãos até você. não era pra você continuar respirando dentro de mim, era pra você perder o ar. mas você tem tantas vidas que eu já até desisti de contar...

quarta-feira, 28 de julho de 2010

dia meu

desde que nasci todo dia 27 de julho meu pai dizia ser o meu dia. aceitei a condição e guardei o dia inteiro em uma caixinha que só se abria à meia-noite do dia 26. dias antes desse dia, que era meu, sempre houvera um esfriar na barriga como quem sabia que estava por vir um dia marcado no calendário. me colocava a preparar desejos que coubessem entre os ponteiros do relógio e entre os muros deste mundo. nunca couberam todos. nunca houvera um só dia que fosse suficiente. foi então que percebi o nó. é que um dia apenas jamais poderia dar conta das vontades de uma vida inteira. era preciso marcar todos os dias do calendário, sem exceção, todos os dias deveriam ser meus, seus, nossos. assim foi. eu só não quis desfazer do dia que meu pai escolhera, que era pra ele não ficar sobrecarregado com os meus outros tantos nascimentos...

quinta-feira, 22 de julho de 2010

e agora passarinho?

tem passarinho que cabe na palma das minhas mãos
tem passarinho que não gosta nem de encostar no chão
passarinho tem um problema
carrega nas asas um dilema
passarinho não sabe se o fizeram pra voar
ou se as asas eram só um pretexto pra ele sempre poder voltar...

quarta-feira, 21 de julho de 2010

seguindo...

bastava ter movimento pra ele pegar carona. pouco importava se eram rodas, remos, olhos ou asas. queria poder mudar as paisagens sem precisar pintar as telas outra vez. cada manhã era o despertar de uma nova janela, que o mantinha até o abrir das cortinas. o trilho dele não tinha estação, era permanente o caminhar. saber-se andante era suficiente pra que ele mantivesse os passos. não se tratava de distância, mas de percorrer com a pele as esquinas que se formavam. o mundo de alguma forma não estava pronto, nem nunca estivera, nem nunca estará. era dele, todo dele, o seu caminhar.

terça-feira, 20 de julho de 2010

beleza é mera invenção

evitava olhar para toda aquela beleza escancarada. era uma falta de respeito que tivesse se acumulado uma dose tão alta naquele rosto ao ponto de cegar a menina, pois é preciso que se diga: qualquer tipo de beleza é mera invenção. mas a dele não era, ao menos ela jurava que não era. e não sendo ilusão, a menina não conseguia descansar o par de olhos que lhe pertenciam naquela beleza que se destacava a sua frente. envergonhava-se. ela tinha certeza que nos pequenos encontros, quando os olhos ganhavam autonomia, ela se desmanchava em espanto. não se acostumava a ver beleza tão gigante ao alcance das próprias retinas. por isso evitava, era a única forma de conter o desejo de tocar feito pintura aquele rosto de pincéis.

sexta-feira, 16 de julho de 2010

fazendo nada

queria um dia pra gente ficar fazendo nada. sem muito texto, sem muita conversa. a gente podia deitar nas nuvens e olhar pra qualquer coisa que pousasse no céu. pode ser hoje? pode ser agora?

quinta-feira, 15 de julho de 2010

conte pra mim a sua história

se é amor, que seja o seu. já não dá pra se fazer personagem da história que não é sua. agora é a sua vez de inventar o seu jardim. você sabe, né? existem quatro estações, mas claro, você pode inventar outras se quiser. vão ter dias de desabrochar qualquer petála, vão ter outros de fazer despir qualquer tronco. vão ter noites de brincos no céu, vão ter outras de estrelas nos olhos. vão ter finais de semana cobertos pelo edredon, vão ter outros respingando gotas de cachoeira. vão ter manhãs nascendo amarelas por trás das cortinas, vão ter outras amanhacendo dentro do seu desejo de ver raiar o sol. assim será. dia após dia. você e ele. menina, agora não há mais teto pro seu lar. sua nova casa não tem endereço, ela tem nome: Marcos.

quarta-feira, 14 de julho de 2010

"a dúvida é o preço da pureza"

- eu sinto que a nossa história cria raízes em nossos amanhãs. não tem como desvincular passado do futuro. é mentira quem diz que o passado fica lá atrás. ele vem com a gente. mas também acho que dá pra gente ir remodelando as coisas outra vez. ainda que certas feridas nao cicatrizem nunca.
- você pode mudar o que te cabe mudar e ponto. você vai ter algumas decepções com o mundo.
- isso não é futuro. ja é passado, presente... tenho várias. diárias. mas sei que tenho tintas nas mãos pra pintar outras imagens.
- é... com o tempo você vai ganhar umas latas a mais de tintas pretas e brancas
- você acha que sou iludida?
- não. não. aliás, acho que todos somos.
- quem me dera ser iludida...
- outra ilusão.
- se eu fosse não teria os milhões de conflitos que tenho.
- você tem conflitos a medida que vai se desiludindo.
- eu tenho conflitos por não conseguir me iludir mais. antes eu até conseguia. hoje vejo as coisas e sinto uma vontade enorme de ser ignorante, de nunca ter tido acesso as coisas que tive. dá vontade de não saber simplesmente e não ter a certeza de que as coisas só tendem a piorar. e o pior... as coisas estão do meu lado, na minha casa, em mim mesma. fazemos parte desse todo que a gente não quer fazer. dá vontade de comprar meu barco logo e remar até nunca mais. chegar naquela lagoa onde vivem pessoas que só conhecem as suas margens e viver pra sempre falando do quanto o sol está forte hoje e do quanto pode ser mais forte amanhã. dá vontade de ter uma casinha bem pequena, pra caber eu e o meu amor lá dentro. porque eu pelo menos quero ter alguém pra chamar de amor e viver essa história. desse tamanho. grandeeeeeeeeeeeeeeee. plantar flores amarelas em volta da casa e viver a espera de um desabrochar. plantar, colher... amar. só isso.

domingo, 11 de julho de 2010

uma verdade

imersa em um mundo com tantos espelhos e maquiagem para cada esquina da minha natureza ele me fez soltar os fios que constroem a moldura do meu rosto e disse que os preferia livres de qualquer intervenção externa. ele parece notar esses detalhes que são meus. é que lá fora já não se pode identificar o que se é e o que se tenta ser. os olhos também mentem, incapazes de enxergar o que há por trás dos embrulhos. por isso é tão bonito o que ele faz. isso dele querer que eu seja o que sou vai acabar trazendo-o pro lado de cá, pra dentro de mim.

quinta-feira, 8 de julho de 2010

a carta

- queria me desculpar por ainda não ter mandado a carta. é que eu estou com tanta dificuldade para colocar tantas coisas em um envelope...
- lio, você é grande demais pra caber em um envelope.

quarta-feira, 7 de julho de 2010

letras nossas

enquanto estão no ar elas abusam das asas que têm. por isso eu tento cravá-las em pedaços de papel que as amarrem de alguma forma. no ar elas parecem desaparecer com qualquer pedaço de brisa. no papel não. no papel eu posso fazer um livro inteiro só delas, emendando letras, costurando frases. acontece que letras expostas assim são perigosas. elas se tornam exatas demais, cabendo até em um dicionário. e apesar de toda esta matemática cada um vai se apropriando das palavras como bem entende e aí fico eu presa na tentativa de dizer algo que nem mesmo as palavras podem traduzir. não há nada que eu possa controlar, não há nada que seja tão meu que não seja seu ao mesmo tempo. seria muita pretensão dizer que as palavras que deixo nesta tela são minhas. eu que vivo a roubar das flores a poesia desabrochando, eu que vivo a pegar pra mim o sorriso bonito do sol dando bom dia nas manhãs que me acordam, sou eu mais uma vez que escrevo aqui só porque ele me olha daquele jeito com olhos que são só dele... não há um autor, há apenas quem descreve os tantos autores de mim mesma.

terça-feira, 6 de julho de 2010

morte em vida

eu sabia que era uma espécie de contagem regressiva. quando você se aproximou pela primeira vez eu sabia que começava ali a nossa despedida. estranho isso de se despedir ainda em vida, com tanta vida. foi uma das poucas vezes que agi tão racionalmente, em estado de aceitação das margens da estrada que você construira. caminho estreito, feito apenas para uma pessoa com curvas cedendo espaço para raras companhias. eu soube desde sempre da minha pouca disposição em cavar a terra e alargar a nossa estrada. digo nossa, porque poderia ter sido minha e sua.

segunda-feira, 5 de julho de 2010

tempo fértil

quando estavámos eu e você cobertos pela noite eu percebi que o meu mundo estava inteiro ao alcance dos olhos. pensar que os outros tantos mundos muitas vezes me roubam do nosso mundo. foi bonito descobrir a direção da correnteza que move o seu rio. durante tantos anos você se mostrando terra seca, e agora me diz que aprendeu que as águas precisam ultrapassar as palavras. pai, você nunca regou tanto os olhos, você nunca escreveu tantos textos líquidos. que bom é poder te chamar de pai e saber que te chamando assim eu me faço pertencer a um homem que traz em si toda a fertilidade dos bons tempos de chuva...

terça-feira, 29 de junho de 2010

mundo da lua

o ônibus descia a avenida larga de ponto em ponto. a janela emoldurava uma pintura na ponta esquerda: era uma lua inteira acompanhando a rota feito parte do cenário. o ônibus ia e ela ia também, no mesmo canto esquerdo da janela. não se movia aquele círculo amarelo. o ônibus rodava a cidade e a lua lá, a espera de quem quisesse levá-la. mas ela morava num lugar muito distante, tão distante que os homens não podiam chegar lá. não completamente, porque alguma razão haveria de ter pra depois de alguns dias a lua se diminuir. aposto que era culpa daqueles que de tanto fitarem o brilho acabavam por privá-lo do céu. foi então que fiquei com vontade de construir no dia seguinte uma ponte pra nos levar em alguns segundos pro mundo da lua. assim, quem sabe, ela não seria sempre cheia de si?

mundo novo

sabe... tudo em volta agora parece colorido. será que alguém pintou o mundo inteiro sem me avisar?

sábado, 26 de junho de 2010

segredo de um envelope

"pronto. enviei. a carta está à caminho".

desde que ele me contou que as letras estão para chegar eu me fiz beira-mar. moro agora naquele intervalo entre o que é terra e o que é oceano. estou ali para esperar a carta dele navegar. enquanto ela não chega eu passo dias a remar lendo capítulos inteiros da nossa história de amar. ele pensa que a carta está só naquele pedaço de papel que as letras inventaram para se encontrar. bobo. a carta é nossa. antes dela chegar eu também fico a criar letras que possam nos contar. que delícia é poder esperar por um certo suspirar. ele bem sabe que é muito mais do que o segredo de um envelope. é um apertar de duas almas que querem se aproximar.

quinta-feira, 24 de junho de 2010

medo de dormir, medo de acordar

dava medo de dormir, de atravessar a realidade. evitava os sonhos velados pelos olhos fechados. tinha desejos que de tão lúcidos criavam contornos imaginários. não, lá ninguém podia entrar. qualquer interferência poderia desmanchar aquela ficção. ele tentava evitar. esticava as membranas, agitava a pele, gastava energia. mas o corpo não era dele e pedia sonhos. e então ele fechava os olhos... quando isto acontecia qualquer fresta desaparecia. não restava um fio de luz entre os muros que ultrapassavam os outros. eram instantes de invenção tão reais quanto as sementes que no outro dia se diziam flores. dava medo de acordar. aí dava mais medo de acordar do que de dormir.

quarta-feira, 23 de junho de 2010

terça-feira, 22 de junho de 2010

inteira!

enquanto esperava o ônibus expliquei a ele que minha vida não tinha endereço. mostrei que casa era um lugar para se esconder das coisas lá de fora. pelo menos a minha era. o meu lar era um local de passagem, entre o dia e a noite, entre o que eu imaginava e o que eu realizava. não levava pra dentro de casa nada do que eu era de verdade. eu nunca estive em qualquer matéria mesmo. eu existia ali, entre eu e ele, entre eu e você, entre o céu e a terra, entre, sempre entre. não fazia sentido morar em um endereço. eu não moro em uma rua, eu não moro entre quatro paredes, eu não moro no meu quarto. eu moro por aí, em qualquer coração que deixe a porta aberta. eu não pertenço a nada mais, nem a mim mesma. eu não dependo de nada mais, a não ser de mim mesma. se tudo me tirarem ainda assim restará o que eu mais preciso: eu mesma. nesta condição de ser, de existir, de viver, é que eu me encontro por aí. e quem me achar há de entender que jamais serei metade. serei pra sempre um inteiro.

domingo, 20 de junho de 2010

vestido de óculos

quantas canções existem naquele violão. são tantas as histórias daquele único homem. muitas foram as primaveras daquela árvore. quantas ondas já se foram naquele oceano. uma única nota. triste. suficiente pra contar a poesia. assim são os olhos dele. antes só enxergavam um borrão formado pelas folhas que se diziam verdes no topo das árvores. depois vieram os óculos que o fizeram perceber que, além do verde, existia uma infinidade de azul pintando o céu. desde então ele canta os detalhes que as retinas podem enxergar. jarvis cocker. pra você, sete vidas.

quinta-feira, 17 de junho de 2010

passos de uma cadeira de rodas

nas rodas de uma cadeira o menino reinventava passos. o girar das rodas fazia circular o movimento que ultrapassava a possibilidade de um pé a frente de outro. ele também caminhava. era fato. não se tratava da distância que ele alcançava, nem da velocidade que ele conseguia, ele era a caminhada, ele era o caminho...

segunda-feira, 14 de junho de 2010

é primavera!

foi então que descobriu que flor não era uma questão de estação. era muito além de qualquer primavera. era algo que tinha a ver com os olhos, com as cores que os olhos enxergavam. era algo que tinha a ver com ela e não com a quantidade de gotas que caíam do céu. percebeu então que apesar de todo o inverno ainda era primavera...

prisão do corpo

naquele pedaço de tempo entre o que poderia ser e o que era, ela corria. acelerava pra atravessar a fresta que a separava do que vinha pela frente. andava depressa. ela caminhava normalmente até chegar neste pedaço, mas quando alcançava este instante em que ela só podia enxergar metade, ela se desesperava. não suportava a lentidão dos passos, ela queria estar aonde o pensamento estava. mas não. ela era matéria e tinha que aceitar a sua condição de só poder estar aonde o corpo também estivesse.

domingo, 13 de junho de 2010

vai dar tempo?

de repente faltava tempo, um dia era pouco, as horas pareciam flashes, os anos acelaravam os passos, a vida acontecia. não se tratava daquela falta de tempo de pessoas ocupadas. era uma falta de tempo diferente. ela queria ter mais tempo para observá-lo, não queria lembrar que só lhe restava uma vida. ela queria ter calma, ter paciência. entender que com o tempo as peças se encaixam. mas ela tinha uma pressa frénetica em amar o mais rápido possível. ela sabia que podia não dar tempo de amar todas as coisas. tempo, tempo, tempo. se não fosse o tempo o que seria? o tempo existe. ponto final. a idade existe. ponto final. ela já tinha até rugas. o amanhã já chegara e ela não aceitava isso. daria tempo? ela teria tempo? por isso ela não aceitava ver ninguém desperdiçando tempo, como quem imagina que tem todo o tempo do mundo... não, nós não temos. ela não tinha e nunca teria tempo nenhum que fosse suficiente para dar conta de todas as coisas.

sábado, 12 de junho de 2010

a espera de uma carta

- sinto você distante e não gosto disso
- é que eu cansei um pouco deste mundo virtual
- mas e como nós fazemos se só temos este mundo neste instante?
- deixa eu contar: estou fazendo uma carta pra te mandar. eu estava procurando uma foto nossa pra imprimir
- então não conta mais, eu quero poder esperar pela carta. como antigamente, como as pessoas antigamente esperavam. meses, anos... uma carta que vinha do outro lado do oceano, pelas ondas do mar

eu, personagem dele

- tem uma personagem do livro que me lembra muito você. ela foge para um barco naufragado... uma loucura da parte dela.
- por que ela faz isso?
- ela foge porque não aceita que algo tão grande possa ser esquecido. e ela sabe que alguém vai buscá-la, ela sabe que alguém vai enxergar o mesmo que ela.

quinta-feira, 10 de junho de 2010

retoques de mim mesma

eu sempre fui assim. se você disser que minhas unhas estão mais coloridas, que meus cabelos estão mais brilhantes, que meus lábios têm uma nova cor, que minhas roupas estão diferentes, que minha pele está mais perfumada, eu direi que sempre fui assim. não vou deixar você saber que cada detalhe é uma invenção. não vou te contar que faço de mim uma vitrine irresistível, só pra você me consumir. eu não vou te dizer, ainda que você já saiba...

segunda-feira, 7 de junho de 2010

seu olho no meu olho

estava no meio de nós dois, ou entre nós dois, ao lado, na frente, colado, dentro, ao redor, aliás, pouco importava a forma. mas ele insistia e permanecia. e o pior: incomodova. o silêncio escandalizado dos olhos me pertubava. a mudez berrante da pele me agonizava. tudo me deixava prestes a interromper as nossas melhores linhas com palavras pobres entupidas de sentidos reais. era difícil suportar a imaginação tão livre. acontecia tanta coisa sem que a gente se quer movesse os cílios. era sufocante manter aquele dialógo de faces transbordando expressões. era natural que buscassemos fôlego desviando os olhares. era previsto que o corpo não encontraria espaço suficiente e que despertasse inquieto. o seu olho beijando o meu olho me causava isso. uma vontade absurda de não piscar nunca mais.

domingo, 6 de junho de 2010

de hoje em diante

tá faltando poesia, tá parecendo maresia.
tá sobrando dinheiro, tá ficando cabreiro.
tá precisando de água, tá secando a enxurrada
agora só chove de gota em gota, não carrega nem uma trouxa
menino, acorda, já não dá tempo pra perder tanto tempo
sai desse quarto, abre a janela, vem que a noite hoje é amarela

obs: estou te esperando...

segunda-feira, 31 de maio de 2010

os meus primeiros óculos

acho que memória serve principalmente pra isso. pra possibilitar que um instante possa ser experimentado diversas vezes. tem momentos que já nascem assim, embrulhados na eternidade. há quem diga que o nascimento acontece quando se vem ao mundo. eu nego! o nascimento se faz quando você enxerga o mundo...

domingo, 30 de maio de 2010

a beleza dela estava mais no descuido no que na tentativa. não estava diante do espelho, mas diante dos olhos. ela era, ela não se criava.

sexta-feira, 28 de maio de 2010

de um tempo que é meu

e aí você se dá conta que o tempo é seu. já não importa qual a data de amanhã, você consegue saber das idas e vindas da lua pelo céu. não faz diferença se a lua nasceu sete vezes desde que você veio ao mundo, basta saber que ela nasce. de uma mesma árvore você conclui que nem sempre é tempo de flores. ali, sentada na beira de um rio, você percebe gotas confusas, formando redemoinhos. quando o galo canta você logo imagina que vai raiar o dia. e aí o tempo é seu. você pára de querer comprar objetos que tragam este tempo de volta. o tempo está em você, não está em nada além de você. assim faz mesmo perder o sentido... você começa a se perder nas ruas cheias de asfalto. esquece, propositalmente, os óculos em casa. enxerga tudo um pouco embaçado e foca nos desenhos das nuvens. quase confunde a grama friamente calculada com o jardim que brincava em instantes de infância. vai andando pela cidade e descobrindo cores urbanas. deixa pra depois o compromisso marcado com a sociedade, abandona qualquer espécie de agenda e sacia com urgência os seus mínimos desejos. o melhor é que você se dá conta que suas vontades estão por aí... fora do consumo. você pode se realizar através do seu corpo, da sua pele, dos seus olhos. cabe tudo em você. está tudo em você.

quarta-feira, 26 de maio de 2010

a estrada que não chega

de tudo temos o nosso corpo, que em algum momento também deixa de ser nosso. qualquer coisa que se coloque dentro de uma caixa faz perder o sentido. as coisas estão postas. as coisas estão expostas. talvez um dia eu deixe de morar dentro desta caixa. pode ser que meu corpo, sendo a minha única posse no momento, aprenda a precisar só de pele. quem sabe eu não encontre pedaços de asas metamorfoseadas em pedaços humanos? um dia desses tudo que eu tenho vai caber dentro de mim. quando isso acontecer meus amanhãs estarão na estrada, seguindo qualquer caminho que me mostre que vida é feita pra se viver...

segunda-feira, 24 de maio de 2010

"você não acredita mais no amor porque você o personificou"
eu tenho você
você tem a mim
nós temos por isso o mundo

amanhã

no meio das lágrimas ele me entregou uma folha em branco. eu que já era toda rabiscada, cheia de linhas, agora tinha em mãos uma folha em branco. dá medo, né? o amanhã chega a causar espanto! principalmente amanhãs feito estes, que podem ser qualquer forma de futuro.

domingo, 23 de maio de 2010

descobriu então que a última página do livro já tinha sido virada, ainda que ela se quer tivesse terminado de escrever as primeiras.

quinta-feira, 20 de maio de 2010

nossa vida paralela

no meio da nossa conversa você se perde. não consegue continuar falando enquanto eu insisto em maquiar meus lábios. você pára e não consegue se lembrar das linhas do parágrafo que contava. você pára e me vê, você pára e me enxerga no meio das suas coisas. se perde de você e chega dentro de mim. e aí você diz que existem compromissos, aulas, datas, calendários, horas, relógio. eu achava que existia só você... então você se despede. na sua ausência eu o recrio. eu escolho os meus pedaços de panos imaginando a possibilidade de esbarrar com seus olhos na próxima esquina. eu passo pelos mesmos caminhos que os de ontem pra ver se sinto repetidas vezes os nossos encontros. eu espero a hora marcada chegar sonhando que talvez você pense em me procurar. nenhuma das minhas hipóteses acontecem, não na realidade...

terça-feira, 18 de maio de 2010

beijo de cílios

não havia nada mais importante do que ouví-lo. sentamos no mesmo lugar, num espaço grande, que só cabia nós dois. pouco me importava se o vento me cobria inteira. eu podia olhar nos olhos dele, que também olhavam os meus. era o melhor dos beijos, um encontro de retinas.

quase lá...

eu deixo você pensar que me engana. deixo você pensar que eu não sei do seu compromisso lá fora. finjo não saber, porque assim é como se o fato não estivesse consumado entre nós dois. eu deixo você me olhar como quem quer me enxergar antes dos passos. eu faria tudo repetidas vezes só pra entrar mais uma vez naquele ônibus, com você me fazendo menina e me ajudando a subir a escada como se fosse a maior das montanhas. eu deixo você pensar que aqueles degraus são imensos e que sozinha é difícil pra mim. deixo você acreditar que preciso da sua mão. a cena se repete nos sinais. você abraça meu corpo com seus braços de homem e me protege dos carros que não vem. o sinal está aberto. e você me protege assim mesmo. e eu deixo você pensar que eu tenho medo de chegar do outro lado sem você. a gente conversa, a gente atravessa. eu quase chego lá, em você. e você quase chega cá, em mim. quase. você segura a minha mochila. eu deixo você pensar que ela é muito pesada pra mim e que eu preciso de você pra carregá-la. eu deixo. me deixo depender de você. estou quase lá...

sábado, 15 de maio de 2010

e então... foram felizes para sempre

cabem tantos sonhos em dias assim. cabem tantas vontades, tantos amanhãs, tantas estradas. cabem até alianças. cabe o passado, presente e futuro. cabe tudo no tapete vermelho que a leva pro altar. é por causa do amor, né? acho que o amor faz isso. faz a gente querer mais vida, mais espaço, mais ar...

menina que vi crescer,
tenho pintado você em um quadro. coloquei no canto um sol bem amarelo, daquele que colore tudo que vê. bem no centro eu desenhei uma casa. é um lugar pra se viver a dois. é um lar com base sólida, resistente, paciente. esta casa pulsa dentro de você, pulsa dentro dele. fica lá dentro, naquela esquina, no lado esquerdo do peito. não há muitos cômodos, nem muitos móveis. mas há você e ele. é que agora você vai morar dentro dele e ele em retribuição vai morar dentro de você. as vezes a ordem inverte e você também retribui... e um morando dentro do outro faz com que as paredes percam o sentido. teto agora faz-se de pele... é por causa do amor, né? tive dificuldade para desenhar você, mais dificuldade ainda para desenhar o Victor. não consegui. é que pessoas não têm contornos. elas não são, mas estão. eu não quis perpetuar num quadro algo que não era pra sempre. afinal, hoje é dia de eternidade. desenhei então linhas... linhas prontas pra começarem uma história. uma história que começa diariamente. apaixona-se diariamente. é por causa do amor, né?

domingo, 9 de maio de 2010

um conselho

a verdade é que os dias vão nos limitando. e aí não podemos comer isso, beber aquilo, tomar sol... entre tantas outras paredes que vão se criando. eu não sei bem... acho que o nosso corpo vai perdendo a força... mas a gente não pode se negar dessa forma. as nossas delícias... acho que se hoje me dissessem que eu não poderia tomar sol eu ainda assim tomaria, porque isso está em mim. há mais vida debaixo do sol do que nas sombras. e eu tomaria sol ainda que isso me aproximasse do fim. mas eu entendo você... porque você quer eternizar seu pai. eu também quero eternizar as pessoas que estão ao meu redor, não quero vê-las se acabando sabendo que poderiam prolongar, talvez, os dias. mas tudo é tão improvável, que eu diria que eu prefiro ver a felicidade agora que a prudência constante. a prudência das coisas que não nos cabem. já não podemos escolher as nossas datas. é complicado mesmo... as vezes penso que se eu tivesse câncer, eu não iria querer fazer quimioterapia. seria uma forma de morte momentânea e não me dá vontade de morrer nem um dia. é o amor que dá sentido. tenho pensado tanto sobre isso. ame seu pai, da forma máxima que você puder. de uma forma que não te dê medo do dia seguinte. de uma forma que você viva todas as coisas com ele agora. eu não sei fazer isso também... sou tão limitada. mas é assim que devemos ser... que devemos tentar ser...

você sabe o que é amor?

por acaso você fala de amor? você sabe dizer eu te amo? você ama quem? você não ama qualquer um? você ama pessoas com nomes? você não ama qualquer par de olhos? eu não sei que tipo de amor é esse que se escolhe. amar deveria ser uma ação realizada às cegas. não se deveria amar uma cor, uma pessoa, um objeto. deveria se amar simplesmente. o amor me parece egoísta, me parece uma forma de prazer. amar aquilo que a gente gosta, aquilo que se admira, aquele que a gente se enxerga. amor bonito é aquele que está sempre ali, antes das imagens, antes de sermos qualquer coisa, antes dos reflexos. amar por amar. eu amo você naquilo que você é. eu não amo só as flores pelas quais eu me apaixono. amo também aquelas que se murcham. amo porque há em amor em tudo que toco, em tudo que vejo, em tudo que respiro.

as casas de cada um

entre eles, a matéria. antes do abraço, o presente embrulhado. para a festa, a maquiagem. de uma foto, o manequim. entre as paredes, a beleza. diante do espelho, a incerteza.

faz tempo, e não me pergunte quanto tempo, que eles esqueceram do coração. desconhecem a razão pela qual um pé segue após o outro. apenas seguem. deixaram de querer saber das razões. já não importa. é porquê demais. melhor que siga. rápido. agora. tem que ser agora. mesmo que não saiam do lugar. mesmo que correndo, acelerando, eles já não consigam dar um passo.

as casas estão entupidas.

eles querem morar dentro das casas. pode? dentro destas caixinhas miúdas que escondem o mundo. eles querem design, tecnologia, conforto. querem um lugar onde possam chamar de seu. onde possam empilhar desejos em forma de móveis. querem empacotar-se. dia após dia. tudo fica velho, tudo ultrapassa a si mesmo. eles precisam acompanhar o ritmo. já não se pertencem. a velocidade não é deles. estão sempre atrasados, sempre incompreendidos, sempre insatisfeitos. e a casa lá. limpa, impecável. a casa é o retrato que eles podem produzir. mas... não podem se confundir. há espelhos demais nas casas. acontece que nos tempos atuais nem mesmo os espelhos são sinceros...

mãe!

houve um tempo que eu morava lá dentro dela. era um pouco sem forma, sem rosto, sem pele. não cabia em um porta retrato e ainda assim já existia. houve um tempo que eu era um sonho dela. ela me criava e tinha nos desejos pincéis cheios de cores. naquele tempo eu crescia dentro dela. ela me protegeu até que eu que estivesse pronta pra encarar a vida lá fora. depois desse tempo, desses nove meses, eu ainda tive receio de me separar dela. umbigo umbilical. eu ainda era dela, dependia dela, respirava por ela. e hoje que trilho as vontades minhas percebo facilmente o quanto ainda sou ela. ela está aqui, nos meus contornos, nos meus traços desenhados. não há quem não a enxergue em mim e não há quem não me enxergue nela. pra isso não tem tempo. é coisa da eternidade. é coisa de mãe. é coisa de filha. é... eu vou morar pra sempre dentro dela...

sexta-feira, 7 de maio de 2010

fios de um cabelo livre

o vento quando a embalava fazia dançar os fios. ela era daquelas que tinha os cabelos apertados num quarto pequeno. os fios ficavam encolhidos pra caber no espaço que havia. eram tantos os fios... e eles eram livres! livres o suficiente pra terem várias formas. as vezes se esticavam, as vezes subiam e desciam fazendo ondas, as vezes se perdiam e criavam cachos... e aí quando o vento chegava iam todos juntos, de uma vez só. eram ciumentos os fios. ou iam todos, ou não iam nenhum. era lindo de se ver um fio abraçando outro, enquanto o vento fazia convites para brincar lá fora...

terça-feira, 4 de maio de 2010

de tudo, você.

da flor, as petálas. da floresta, as folhas de outono. das nuvens, as formas. dos olhos, a alma. da janela, o infinito. das grades, a invenção. do mundo, o ser humano. do corpo, o coração. das mãos, a pele. do filme, a história. da história, reflexos. do domingo, a grama. da grama, o perfume. do pai, do meu pai, a minha maior certeza. do dinheiro, o pão. do trabalho, a esperança. da esperança, a ação. da verdade, a nudez. da nudez, a impossibilidade. do sexo, unidade. do prazer, individualidade. do beijo, a troca. do presente, o elo. da imagem, a máscara. da noite, o desejo. do dia, o azul. da madrugada, a aventura. da virtualidade, o desconhecido. da presença, o mesmo desconhecido. do passado, a saudade. do futuro, o agora. da família, o molde. dos amigos, a escolha. da rua, a casa. da casa, o quarto. do outro, eu mesma. do chão, o impulso. das asas, o céu. da bicileta, o vento. do céu, a lua. das lágrimas, a enchente. do sorriso, a luz. da perda, um encontro. da morte, o que fica. da dança, a expressão. da liberdade, qualquer expressão. da vida, a rima.

de tudo, você.

segunda-feira, 3 de maio de 2010

a história que não começa

dá vontade de distrinchá-lo em letras bem separadas, ao ponto de poder quase tocá-lo nas frases, numa utópica tentativa de torná-lo meu. dá vontade de pintá-lo num quadro em tamanho real, de desenhá-lo ao alcance dos meus poros, de guardá-lo dentro de mim. dá vontade de ser ele, só pra estar nele. dá vontade de possuí-lo, tal qual objeto. dá vontade de espalhar o cheiro dele nos outros cheiros, de sentí-lo esparramado nos meus frascos de perfume, de dormir envolvida pela fragância particular dele, de encontrar em qualquer pedaço de mundo o seu aroma. dá vontade de conservá-lo daquele jeito bonito, que só ele sabe ser. e de tanta vontade, quando ele se torna real, cara-a-cara, olhando pra mim, eu me afasto, encosto os meus desejos do lado oposto ao dele, me reservo, me sufoco, pra ele não desconfiar da traição dos meus olhos. fica o meu corpo contradizendo as minhas retinas. e fica ele, sentado num canto onde as peles não se comunicam, pra evitar qualquer perda de figurino, qualquer perda de personagem, qualquer perda do enredo. pra mim é isso. a nossa presença é teatral. fica claro que por trás dos panos há uma outra história a ser contada...

sexta-feira, 30 de abril de 2010

quinta-feira, 29 de abril de 2010

o último segundo

quando o ônibus acelerou descendo o morro eu vi a mulher do meu lado segurar firme no banco. eu não. eu só fechei os olhos e senti o desenho que as rodas fizeram no asfalto. tinha vento e uma espécie de adeus. porque qualquer que seja o último segundo eu quero poder vivê-lo pela última vez...

terça-feira, 27 de abril de 2010

sapatos apertados

os pés, acostumados a ocuparem o espaço que lhes cabia, agora eram abraçados por um par de sapatos. era no mínimo gostosa aquela sensação de ser tocado em todos os cantos. algo como proteção. os pés, apesar de livres, cabiam em de um par de sapatos. era confortante se reconhecer dentro de um território fechado, onde só havia espaço para aqueles pés. era o número exato. era bom caminhar com os pés apertados, dava mais confiança aos passos. podia-se ver outros pedaços do mundo, sem ter que se preocupar com a fragilidade dos pés. eles já não estavam abandonados. envolvidos por esse sentimento os pés começaram então a acelerar o ritmo. eles podiam acelerar. já não estavam sozinhos. se tropeçassem lá estariam os sapatos. e correram. suaram. e de repente, não suportaram. os dedos se sentiram sufocados, sem poder esticar a pele além do limite que os sapatos impuseram. o calcanhar ficou marcado pela proximidade permanente dos sapatos. a pele encheu de bolhas que extravazavam a necessidade de se caminhar sozinho. conflito! os pés não sabiam que as vezes até mesmo os sapatos machucavam...

domingo, 25 de abril de 2010

quem escreve

quem escreve tem nos olhos pincéis. tudo que vê coloca em linhas, por vezes desalinhadas. quem escreve se faz personagem de si mesmo, se transporta pra outra estória e descansa nos parágrafos. é importante destacar que se trata de um descanso urgente. quem escreve não pode acumular palavras, precisa respirar. textos que se acumulam dentro de quem escreve entopem as veias, cegam as retinas, secam os poros. quem escreve precisa escrever. quem escreve se embriaga quando uma letra se encontra com outra. se permite ir até onde o coração aguenta, até onde o coração arrebenta. sem piedade, sem metades, sem sutilezas. quem escreve, descreve. não para alguém, não para si mesmo, mas pra ter liberdade. quem escreve constrói permanentemente novos capítulos. e é bem verdade que se eles não forem pro papel ficarão feito grades dentro de quem escreve. não faz sentido. nunca fez. o silêncio, na maioria das vezes, é uma farsa. quem escreve sabe disso. não há um silêncio completo. dentro de um silêncio há muitas curvas. quem escreve não aceita que as folhas de outono pintem somente do lado de fora. quem escreve não usa coroa. quem escreve só se descreve. em primeira, segunda, terceira, quarta pessoa. até a última pessoa é sempre quem escreve. é uma necessidade, é uma viagem de ida...

sexta-feira, 23 de abril de 2010

"sempre quis te dizer que te amo, mas nunca disse.
medo de te perder..."
Ele, e vocês deveriam saber quem.

quinta-feira, 22 de abril de 2010

resgate dos poros

é que toda vez que se termina imediatamente se começa. não há um fim das coisas. não sei como não me dei conta de mim mesma antes. eu estava ali me dividindo, me afastando do que eu era pra ser algo pra ele. não tem que ser assim. e aí, de repente, você se olha, não a partir de um espelho, mas a partir da pele. você está ali ainda. incrivelmente ali. desespero. lágrimas conclusivas de que você ainda está ali. e foi quando me dei conta da minha própria existência que ele deixou de existir. ele era tão pouco, era tão dele, que não poderia ser de ninguém. sei que não há posse quando se fala de gente, mas sei também que hoje já não sou minha. pertenço a qualquer coração que me deixe morar lá dentro. eu moro em tantas casas... que me falta o meu próprio lar. e é assim que deve ser, pra que de fato se possa ser. talvez um dia ele perceba o quanto ser apenas de si mesmo é pouco. ele não soube se doar, nem pra mim que estava com as mãos tão estendidas. havia muitos muros em torno dele, uma concretude que o pausava num instante só dele. perdia-se o outro, perdia-se a passagem. eu não o alcançava... e olha que ele estava bem na minha frente. isso eu já havia descoberto: distância tem pouco a ver com a física e com o alcance das retinas. a distância está naquilo que o coração consegue enxergar. o coração dele me pareceu cego. um coração que não cabe outro alguém só pode ser cego. foi por isso que não olhei pra trás. foi por isso que o deixei lá atrás. foi pra me deixar descalça novamente, com os pés beijando a terra viva que há em mim.

segunda-feira, 19 de abril de 2010

já é dia!

eu me recuso a tirar a minha roupa de festa e concluir que já é dia. de nada servem as noites, elas sempre acabam. eu me recuso a vender o instante que teria ao lado seu. as noites não podem acabar assim. não sabem elas que alguns encontros não cabem dentro delas? são egoístas. quando acabam não deixam se quer uma estrela, nenhum vestígio. as noites não podem acabar assim. e o quê é que não acaba mesmo?

domingo, 18 de abril de 2010

cobertor solar

hoje fiquei horas debaixo do sol. o melhor dos tempos frios é essa possibilidade que ele dá de construirmos o nosso próprio verão. o sol ali, colorindo a pele, sem exageros. há pouco tempo atrás eu dava as mãos para um amigo e nós deitávamos juntos na grama, bem na parte que o sol abraçava. era o melhor dos cobertores... ficavámos lá até que ele se desmanchasse pintando o céu de vermelho. nos despedíamos porque sabíamos que sempre chegava uma hora em que era preciso inventar o nosso próprio sol...

quarta-feira, 14 de abril de 2010

queria uma casa

- queria estar em casa.
- você tem casa?
- não sei.
- eu não tenho, mas queria ter... uma casa que não tivesse teto, que no centro pulsasse um coração, que na varanda me esperasse com um abraço, que ao redor não houvesse paredes, que não me separasse, que a janela fosse ela inteira, que por todo canto escancarasse chaves, que fosse transparente cor de todas as cores, que fosse minha. pra eu poder carregar as minhas coisas e morar dentro dele.
solução tem pra poucas coisas. o ideal é que a gente aprenda a lidar com as pedras e a achá-las bonitas na sua imobilidade...

terça-feira, 13 de abril de 2010

"Não sei, acho que te ver me dá saudade." (Mari Dutra)

acelerando

é complicado quando não se sabe lidar consigo mesmo. é complicado quando todos te dizem para se podar, para esperar, para respirar. ar. não sabem todos que essa é a minha natureza e que não necessariamente é errante. é complicado quando se carrega dentro dos olhos tudo o que se vê. sem perceber se esquece que as portas estão abertas e que tudo entra desenfreadamente, com pressa, atropelando, enlouquecendo. explodir é exaustivo, principalmente quando se vê que depois só restam cinzas. e aí você é obrigado a enterrar aquilo que ainda vive e mal começou a nascer. é complicado quando se tem uma velocidade diferente. é solitário, é estrada de mão única, é janela com grades. é complicado ser eu mesma e não poder ser outra. é realmente complicado.

domingo, 11 de abril de 2010

cheiro bom

e quando eu o vejo já começo a me despedir. ciente que quando o dia acontecer ele irá embora eu conto os segundos de uma noite como se contasse uma vida inteira debaixo da lua. nossos segredos estão nos instantes em que já não há sol. ainda não tivemos coragem de nos encarar sob a luz do dia, despidos das sombras, vestidos de pele. a gente ainda se esconde atrás do desejo, atrás das pupilas. perdemos a contagem regressiva nos refletindo nos olhos, fazendo releituras de nós mesmos. e aí me vejo entortando as grades, abrindo uma fresta, respirando liberdade. sinto que começo a deixar o passado misturado às coisas de ontem. olho pra ele e desejo que seja ele na minha frente. guardo qualquer intervalo pra viver repetidas vezes os segundos que ele me carrega dentro dele. mal sabe ele que quando nossos poros respiram juntos eu perco o mundo lá de fora. começam e terminam ali as minhas vontades. ele me basta, me bastaria. sim, estou apaixonada. principalmente porque foi ele quem buscou lá no céu novas estrelas pra contar de nós dois.

sábado, 10 de abril de 2010

alma sem dono

relendo a mim mesma é clara a repetição de palavras como: talvez, acho, pode ser, parece, penso, incerteza, dúvida... eu estou aí, exatamente lá e cá, na fronteira, eu sou eu e quase sou você, tenho nome mas chego a ter um pedaço de todos os outros, vivo presa ao meu corpo mas minha alma já não me pertence e isso meus caros já faz muito tempo...

quinta-feira, 8 de abril de 2010

da pêra eu gosto da maciez, da forma como ela se desmancha dentro de mim.

ele ainda vai saber

que muro é esse que ele criou entre duas pessoas reais? não sabe ele que realidade não se separa, não sabe ele que estamos no mesmo mundo e que pisamos no mesmo chão? será que não contaram pra ele que depois que se escreve algo no céu nos resta apenas seguir as estrelas?

Cristina Magalhães de hoje, de ontem, de amanhã

nos seus 50 e tantos anos já não dava conta de falar do passado sem misturar ao que sentia agora e ao que estava por vir. professora de História não era um lugar estacionado lá no ontem. ela reconhecia que os acontecimentos não eram tão datados assim e os revivia ali, na minha frente, a própria história. teve uma noite que ela chorou ao contar o caso de Tereza. ela acabava se perdendo nas repetições, talvez fosse uma forma dela ter certeza de que algo foi dito. provavelmente nos seus 50 e tantos anos ela aprendera que o simples fato de falar não implicava na comunicação. então ela repetia, mais pra si mesma, pra se dar conta que a História ainda acontecia, pra poder colocar toda a sua alma la atrás. assim ela disparava, não parava de nos contar, de nos relatar, não respirava, se afogava, não respondia, viajava. parecia alguém que tinha vivido bem que mais que seus 50 e tantos anos. ela vivera todas aquelas épocas que nos ensinava em sala de aula. até mesmo porque viver não está limitado a presença física, no caso dela eu diria que pra cada ano havia outros tantos incluídos. ela tem os moldes de senhora, cabelo curto, preso no contorno do rosto, pele limpa, roupas largas, sandálias que a aproximam do chão, e muita história. ela era a personificação da História, da parte maiúscula. na posição de professora ela não se contentava em nos oferecer os conteúdos escritos por outros, ela os embolava nas próprias linhas de tal forma que era praticamente impossível separá-la do passado. era uma espécie de diário. era uma caminhada de tempos diversos em tempo real. ela se pintava pra gente, desabafava a incapacidade de colorir apenas uma estrela. esta senhora se acumulava em dores, em frustrações. a mim ela mostrava o quanto era óbvia a limitação humana ao acompanhar os segundos que corriam com os ponteiros do relógio. ela era uma obra viva, daquelas que eu guardaria no meu museu de tantas recordações.

terça-feira, 6 de abril de 2010

nas alturas

- olhando a cidade daqui fico imaginando quantas pessoas existem lá em baixo. quantas você vê?
- vejo duas: eu e você. sabe... gosto destes segundos que a gente esquece de tudo.

segunda-feira, 5 de abril de 2010

por pensar demais...

e aquilo que eu penso é na maioria das vezes dispensável. é uma gota, é um grão, as vezes nem gota, nem grão. seria melhor se eu parasse de estimular tanto os meus pensamentos. talvez eu fosse mais livre de mim mesma, talvez eu flutuasse mais. pensando assim, com esse excesso todo, eu vou chegar até lá em cima pra depois ter que viver descendo. não existem níveis, não existem posições, não existem espelhos. existem pessoas que respiram, a sua maneira, o seu ar, mas que respiram. por favor, peço que respeitem o pulmão de cada um. pouco importa se absorve poluição, oxigênio, farpas, lágrimas, dores, esperança, ou qualquer coisa que seja. cada um estica o tanto que pode, o tanto que convem. e não cabe a ninguém inventar que consegue subir no degrau mais alto e ver as coisas miúdas da terra. não existem óculos assim, não existem olhos assim. todos enxergam, e cada realidade é totalmente diferente da outra. ainda que alguém consiga entender uma linha é quase como se não conseguisse compreender absolutamente nada. não há mesmo pares, há indíviduos. é essencial perceber isso. o outro pode criar o mundo que ele quiser, é o mundo dele, não o seu. não tem que ser como o seu, tem que ser como o dele. vamos lá! vamos sair do palco, vamos parar de achar que as luzes estão sempre em nós mesmos. não, elas não estão. as luzes são para todos e a intensidade é uma escolha sem valor. é tempo de respeito, de aceitação das diferenças. é tempo de amor, de aprender a amar, coisa que talvez eu nunca tenha aprendido.

desejo, logo realizo.

mas pra isso é preciso desejar sincero e profundo, ao ponto da rua ser toda sem saída, sendo o ponto de chegada o mesmo ponto de partida. ca...